Eduardo Oliveira – internacionalista formado na Universidade da Amazônia

A função social da área acadêmica e dos profissionais de Relações Internacionais foi definida logo após o final da Primeira Guerra Mundial. A comunidade científica da época, aliada às instituições criadas após o conflito, como a Liga das Nações, tinham como valor comum e inviolável a resolução pacífica de conflitos e controvérsias, difundida pela instrumentalização da diplomacia tradicional. 

Essa tradição diplomática se manteve em todos os anos seguintes do século XX, mas foi complementada através da criação e fortificação de instituições importantes para a manutenção da paz e garantia de direitos; instituições que não necessariamente estão amalgamadas ao Estado, como a Anistia Internacional, Repórteres Sem Fronteiras, mas também agências do Sistema ONU como ACNUR e FAO, como apontado em HERZ (2004).

Para além do mero surgimento, mas principalmente pela credibilidade adquirida por estas instituições, autores Neoliberais como Joseph Nye e Robert Keohane, ainda nos anos 70 do século XX, trouxeram à tona um debate necessário acerca da utilização de novas variáveis e atores em um mundo sedento pela inutilização do conflito e violência como demonstração do poder.

Em contraposição às teorias fundantes das RI, como visto em Nye (2009), não existe uma lógica permanente de conflito na política mundial. Essa lógica é passível de superação a partir da concertação, seja pela cooperação multilateral entre os estados, através da diplomacia tradicional, seja pelo fortalecimento de instituições importantes que estimulem relações win-win (ganha-ganha). 

O ano de 2022 foi turbulento sob ponto de vista de acontecimentos significativos para as relações internacionais. Dentre eles, podemos destacar a invasão russa à Ucrânia, protestos em favor da diversidade na Copa do Mundo do Catar, a tentativa de golpe pelo ex-presidente peruano, além das eleições brasileiras. Todos estes acontecimentos são significativos, mas um em especial esteve sob vigília e obteve atenção de todo o mundo. 

O fim do governo de Jair Messias Bolsonaro se consolidou após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, o qual ocupará a presidência do país pela terceira vez. Sobre isto, no que tange os estudos de Análise de Política Externa (APE), a tradição diplomática brasileira sofreu, nos últimos anos, muito mais que uma descontinuidade, mas uma brusca ruptura daquilo que se tornou tendência ética de comportamento global, que foi construído pelos patronos da diplomacia brasileira, como Barão do Rio Branco, Oswaldo Aranha e Sergio Vieira de Mello.

Como visto em Cervo (2015), Brasil antes visto ativamente em quase todas as mesas de negociação e mediação, líder em instituições como o MERCOSUL e BRICS; o Brasil de relações estreitas com o continente africano e asiático; o país referência no multilateralismo, com respeito aos direitos humanos e pautas de proteção ambiental, se perdeu e virou um modelo a não ser seguido

Ademais, houve também o sucateamento de setores primordiais para os brasileiros, como o Sistema Único de Saúde em seu Programa Nacional de Imunização, universidades públicas e os incentivos científicos e tecnológicos, descuido de instituições como o INCRA, IBGE e IBAMA, e o mais grave – o retorno do Brasil no mapa da fome.

Espera-se para 2023 o reestabelecimento daquilo que foi perdido pelo Brasil. Temos como perspectiva, mas também com um toque de esperança, o retorno de um dos mais importantes players na economia política internacional. Portanto, é imperioso um cenário de harmonia entre o interno e o externo deste país. Com o Brasil de volta, poderemos ver a hipertrofia de pautas outrora letárgicas, como a reestruturação da cooperação regional baseada no pragmatismo, a altivez brasileira no combate à fome e a miséria, impulso de tratados internacionais sobre o clima e direitos humanos etc.

O Brasil retornará aos temas globais tão importantes para Joseph Nye. Em um mundo tão interdependente, visto também por Robert Keohane, a fortificação de laços com divergentes para que não se tornem antagônicos é fundamental para um cenário harmonioso entre as instituições nacionais e internacionais. Quais os custos? Quão custosa será a retomada? Bom, é sabido que nada será resolvido na mesma velocidade com a qual a tradição diplomática foi destruída, mas uma vez o Brasil de volta, os ganhos para a comunidade internacional serão visíveis, assim como para a qualidade de vida dos brasileiros.

REFERÊNCIAS:  

ARRAES, Virgílio; GEHRE, Thiago. Introdução ao Estudo das Relações Internacionais. Ed.1. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.

Brasil volta ao Mapa da Fome das Nações Unidas. Portal de notícias G1. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/07/06/brasil-volta-ao-mapa-da-fome-das-nacoes-unidas.ghtml Acesso em: 22. Dez, 2022.

CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. A História da Política Exterior do Brasil. Ed. 5. Brasília: Editora UnB, 2015.

HERZ, Mônica. Organizações Internacionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

NYE, Joseph S. Cooperação e Conflito nas relações internacionais. Editora Gente, 2009.

OLIVEIRA, Amâncio J. O governo do PT e a Alca: política externa e pragmatismo, Estudos Avançados, v.17, n.48, São Paulo, 2003.

OLIVEIRA, Henrique Altemani. A política externa no pós-Guerra Fria. In: Política externa brasileira. São Paulo: Editora Saraiva, 2005a.