Matheus Castanho Virgulino – 8° semestre de Relações Internacionais – Unama

A segurança internacional, tanto como campo de estudo acadêmico quanto como aspecto da política externa, implica inerentemente uma ameaça, bem como a proteção contra essa ameaça, dentro do sistema internacional. Desde 1945, não há maior ameaça à continuidade e existência do sistema internacional como o conhecemos do que as armas nucleares. 

As teorias dominantes das relações internacionais muitas vezes enfatizam a primazia do Estado, como órgão soberano e jurídico, por ser o principal ator predominante do sistema. No entanto, se tomarmos a crítica metateórica construtivista, a mesma que surgiu junto a outras teorias pós-positivistas a partir dos anos 1980 com a virada linguístico-epistemológica no campo (CASTRO, 2012), a realidade cratológica se mostra mais complexa. 

O construtivismo inaugura a perspectiva de que, ao invés de ser constitutivo apenas de Estados que operam igualmente por uma natureza similar, o sistema internacional se constrói a partir das ideias e visões de mundo predominantes de agentes particulares, sejam eles estatais ou não estatais. Em suma, os estados são um conglomerado das estruturas ideacionais predominantes que imperam sobre suas respectivas sociedades, o que posteriormente forma sua identidade (id.). A similaridade identitária entre dois ou mais Estados determinando seu grau de cooperação ou conflito.

As bombas que caíram sobre Hiroshima e Nagasaki trouxeram uma arma de ameaça existencial até então inimaginável para a humanidade, a corrida armamentista subsequente e a competição geopolítica entre os EUA e a URSS levando-nos à beira do armageddon termonuclear. As armas nucleares também passaram por uma “Curva S” de desenvolvimento tecnológico, onde se tornaram cada vez mais sofisticadas e destrutivas antes de atingir um determinado padrão (BUZAN; HANSEN, 2012). 

No entanto, a característica mais marcante da Guerra Fria entre a URSS e os EUA, que continua até hoje, foi que as armas nucleares não foram usadas e a paz entre os rivais foi mantida. A explicação construtivista para esse fenômeno do não uso, segundo Tannenwald (2008), é que a crença moral e normativa de que armas nucleares não devem ser usadas, isso levando em consideração seu inigualável poder destrutivo, passou a ser incorporada aos Estados com armas nucleares, criando consequentemente mecanismos de governança de não proliferação e controle para a manutenção desse “Tabu Nuclear”.

O século XXI inaugurou não apenas uma nova era de grande competição com o surgimento de potências não-ocidentais como Rússia e China, mas também culminou a grande transformação tecnológica e informacional que lentamente se desenvolveu durante o século XX e nos deu a globalização e a idade digital. Essa configuração multipolar trouxe consigo o ressurgimento da corrida armamentista nuclear, não apenas entre as grandes potências, mas também com a quebra do princípio da não proliferação por parte de estados revisionistas como Irã e Coréia do Norte. Novas tendências tecnológicas têm o potencial de trazer a quebra do Tabu Nuclear, o que levaria à maior normalização destas armas, como dito por Tannenwald (2008).

De longe, as tecnologias que mais mudam o jogo no contexto da nova corrida armamentista são uma nova geração de mísseis hipersônicos e o advento dos ataques cibernéticos. Os mísseis hipersônicos são uma tecnologia que existe desde a Guerra Fria, sendo mísseis cuja velocidade ultrapassa a barreira do som, sendo 1225 km/h ao nível do mar, tendo uma velocidade média de 1,6 km por segundo (BOYD, 2022). 

As novas gerações de mísseis hipersônicos, como o DF-26 usado pela República Popular da China, são caracterizados por serem mísseis de uso duplo, o que significa que podem transportar capacidades explosivas nucleares e não nucleares (PANDA, 2020), isso significa que um ataque não-nuclear pode ser interpretado como nuclear. Além disso, ao contrário das trajetórias em arco dos mísseis ICBM e IRBM tradicionais, sua trajetória é variável e de menor previsibilidade, o que incrementa os medos de um ataque surpresa nos Estados nucleares (RENY, 2020).

Com a maior digitalização dos sistemas de controle nuclear, principalmente nos Estados Unidos e na China, surgem novos perigos devido à ameaça representada pelos ataques cibernéticos. Os ataques cibernéticos, conforme definido pela IBM (2022), são tentativas de roubar ou alterar informações de um dispositivo digital, bem como negar acesso a sistemas e comunicações em um ambiente informatizado. 

Embora as chances de um ataque cibernético de fato afetem o controle real dos sistemas nucleares permanecendo baixas, o maior perigo vem com a interferência das comunicações, bem como o fato de que esses meios estão mais disponíveis para o Terrorismo Organizado Internacional, que tem um incentivo ideológico para levantar tensões entre grandes potências (LEWIS; UNAL, 2018). 

No caso de uma crise entre dois Estados nucleares, a interferência nas comunicações e no fluxo de informações pode criar as condições incertas que tornam mais provável o uso de armas nucleares, o que poderia evoluir para uma guerra nuclear total (MKCANE, 2022). A falta de rastreabilidade relacionada aos ataques cibernéticos também dificulta a determinação da culpabilidade em uma determinada situação. Não só isso, mas um ataque cibernético que, por exemplo, debilite a energia elétrica de uma nação inteira, ou que cause destruição econômica significativa, poderia ser considerado dependendo da situação como proporcional a um ataque nuclear, gerando uma resposta nuclear (id.).

O problema fundamental é que não existe mais o esforço consciente de criar um controle da corrida armamentista que existia no consenso do pós-guerra da segunda metade do século XX. A possível quebra do tabu nuclear, especialmente em lugares como a Ucrânia, a península coreana e o estreito de Taiwan, onde há alto grau de desconfiança e tensão, traria graves consequências para os princípios de não proliferação que atualmente regem o debate nuclear, bem como representaria um perigo para a humanidade como um todo. 

Como vimos em Tannenwald (2008), foi necessária uma lenta construção normativa de um estigma sobre as armas nucleares para que as mesmas entrassem sobre o controle da governança instituída sobre elas. Para fazer com que a ordem mundial nuclear seja mantida, torna-se pertinente não apenas reforçar os tratados existentes, mas também ampliá-los para incluir os limites necessários às novas tecnologias que estão surgindo nessa nova corrida armamentista multipolar.

REFERÊNCIAS:

TANNENWALD, Nina. THE NUCLEAR TABOO. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.

PANDA, Ankit. CHINA’S DUAL-CAPABLE MISSILES: A DANGEROUS FEATURE, NOT A BUG. The Diplomat, 2020. Disponível em: https://thediplomat.com/2020/05/chinas-dual-capable-missiles-a-dangerous-feature-not-a-bug/

MCKANE, T. (2022). NEW TECHNOLOGIES AND NUCLEAR DETERRENCE. Em: Sinovets, P.,Alberque, W. (eds) ARMS CONTROL AND EUROPE. CONTRIBUTIONS TO INTERNATIONAL RELATIONS. Springer, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1007/978-3-031-03891-4_6

RENY, Stephen. Nuclear-Armed Hypersonic Weapons and Nuclear Deterrence. Strategic Studies Quarterly 14, no. 4 (2020): pp.47–73. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/26956152

LEWIS, Patricia; UNAL, Beyza. CYBERSECURITY OF NUCLEAR WEAPONS: THREATS, VULNERABILITES AND CONSEQUENCES. Chatham House: The Royal Institute of International Affairs, 2018.

CASTRO, Thales. TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2012.

BOYD, Iain. HOW HYPERSONIC MISSILES WORK AND THE UNIQUE THREATS THEY POSE – AN AEROSPACE ENGINEER EXPLAINS. Encyclopedia Britannica, 2022. Disponível em: https://www.britannica.com/story/how-hypersonic-missiles-work-and-the-unique-threats-they-pose–an-aerospace-engineerexplains.

BUZAN, Barry; HANSEN, Lene. A EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS DE SEGURANÇA INTERNACIONAL. São Paulo: Editora Unesp, 2012.