Sara Tavares Costa – Acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais da Unama

Sendo uma das indústrias que mais cresce anualmente, o fast fashion (moda rápida), tem uma série de problemas socioambientais conhecidos, como o trabalho análogo a escravidão, o desperdício de água e os gases liberados na produção de roupas. Mas a pergunta que deve ser feita é: onde as roupas que não são compradas vão parar?
No momento em que a moda se estabeleceu, tomando o lugar da indumentária, o sistema de vestimenta que regia anteriormente, um ciclo de 20 anos podia ser percebido, em que tendências e estilos chegavam e partiam, dando à moda uma característica gradual em seu desenvolvimento. Porém, por volta do final do século XIX, foi possível notar algo que pode ser explicado por Benjamin (2006) como uma mudança na moda incentivada pela busca de aumento de lucro, que é característica do capitalismo privado. A essa mudança é o que podemos chamar hoje de fast fashion.
Com o ciclo de morte da moda diminuído e as micro tendências aumentando, segundo o especialista em tendências Dario Caldas (2004), tudo que estará nas vitrines das lojas e vestindo as pessoas durará pouquíssimo tempo, pois as tendências sempre apontam para o futuro, resultando em que as peças que não são vendidas em primeira mão e que também não são interessantes de segunda, nesse ciclo mais rápido tenham um destino certo, os lixões, como o que se pode encontrar hoje no deserto do Atacama, no Chile.
Todos os anos entram pelo porto de Iquique, no Chile, uma média de 59 mil toneladas de peças de roupas que são fabricadas principalmente na China e em Bangladesh, com a intenção de serem vendidas em segunda mão em países da América Latina. A maioria dessas roupas, no entanto, tem o seu destino final não nas mãos de consumidores e sim no deserto mais seco do mundo, que fica localizado na região conhecida como o Alto Hospício, no norte do Chile. Esse resíduo têxtil, exportado de várias regiões no mundo, chega na América Latina e passa por seleção, em o que é mercadoria e o que é lixo. O que é lixo, não pode passar pela alfândega ou ser distribuído entre lixões municipais, então é descartado em aterros clandestinos.
Esse processo de “exportação do lixo” continua sendo fomentado pela característica de mudança contínua da moda, onde a novidade é extremamente valorizada pelas classes superiores, com as tendências perdendo o seu valor depois de serem difundidas para as classes mais baixas, assim gerando uma procura incessante pelo novo e pelo único (BENJAMIN, 2006, p. 111), o que provoca um processo prejudicial ao meio ambiente, por ser um sistema que funciona com produção em massa. A moda é uma indústria que por muito tempo teve quatro estações anuais bem definidas (duas em grande parte do mundo), e atualmente, com o avanço das franquias de fast fashion, funciona em uma base de mais de 50 micro estações por ano, algo que pode ser observado nos impactos ambientais provocados pela mesma.
Segundo dados da ONU, em um documento elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) e que foi apresentado durante a COP26, realizada em novembro de 2021, atualmente a moda é responsável por entre 2% a 8% das emissões de gás carbônico, e é notável que a produção de peças de vestuário dobrou durante os 15 primeiros anos do século XXI. Uma prova dos ciclos cada vez menores de tendências é o dado que mostra que o número de vezes em que uma peça é usada antes de ser descartada diminuiu em 36% durante esse mesmo período de 15 anos. A ONU acredita que esse impacto é tão grande que se esses números forem mantidos o setor não deverá cumprir as metas de redução de emissões pela metade até 2030, enquanto é preocupante o cenário das montanhas de roupas descartadas no Atacama que se concretiza enquanto reflexo dessa realidade.

Referências:
Na COP26, mais de 130 empresas de moda prometem reduzir emissões de CO2. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/11/1769992. Acesso em: 1 dez. 2021.


AFP PORTUGUÊS. Atacama vira cemitério tóxico da moda descartável | AFPYouTube, 10 nov. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZC-StsXkliw. Acesso em: 1 dez. 2021


‌INÍCIO. Coluna | O lixão de roupas no Atacama e o colapso da civilização. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/11/15/o-lixao-de-roupas-no-atacama-e-o-colapso-da-civilizacao. Acesso em: 1 dez. 2021.


‌BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.


CALDAS, Dario. De trendsetters, modas e mídias: breve ensaio sobre a banalização do conceito de tendência na cultura contemporânea. In: COLÓQUIO BRASIL-FRANÇA DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO E DA INFORMAÇÃO, 7., 2004, Porto Alegre. Anais… São Paulo: Intercom, 2004.