Matheus Castanho Virgulino – 6° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

O atual cenário multipolar encontra-se, ao mesmo tempo, em alta globalização e cooperação internacional e cada vez mais perigosas disputas armadas, tanto entre atores interestatais quanto supranacionais, fazendo com que a preocupação com a segurança e bem-estar de civis e seguimento de normas internacionais sejam fatores cada vez mais relevantes a serem considerados em contextos de segurança.

A carta de São Francisco e a declaração universal dos direitos humanos, ambos redigidos após a segunda guerra mundial no contexto do surgimento da ONU, ofereceram padrões de conduta e instrumentos jurídicos internacionais para serem seguidos e, se necessário, forçados aos Estados. Esta necessidade de policiamento e mediação bélica levou a criação das forças de manutenção de paz da Organização das Nações Unidas, estas por si sendo parte do departamento de operações de paz e comandada pelo Conselho de Segurança.

Mais conhecido como capacetes azuis por conta de seu equipamento, as forças de manutenção de paz são formadas por integrantes de forças armadas de mais de 120 países, e tem como principal objetivo a proteção de civis, policiamento de fronteiras e áreas instáveis, assim como a observação da implementação de planos de paz entre atores antes combatentes (ONU, 2021). A legitimidade do envio das forças envolvidas provém do conceito de ação coletiva dos Estados da Carta de São Francisco para a manutenção da estabilidade internacional, tal processo sendo convocado pelo Conselho de Segurança como maior autoridade efetiva.

É importante então levar em conta que as forças de manutenção de paz têm personalidade jurídica derivada ao invés de originária, no momento em que sua sustentação é baseada na vontade dos Estados, que por sua vez mantêm o monopólio sobre a força e jurisdição sobre seus próprios territórios (NETO, 2012).  Em razão disto, a gama de ações dos capacetes azuis se torna extremamente limitada por terem que agir por base do consenso e limitações do direito de organizações internacionais. Além do mais, muitas críticas são postas sobre a supremacia do conselho permanente de segurança, especialmente na maneira que o efetivo militar da ONU pode ser utilizado com base nos objetivos geopolíticos de seus membros, a própria Organização das Nações Unidas sendo construída pelos vitoriosos da segunda guerra mundial.

Levando em consideração a perspectiva neoliberal de Relações Internacionais, as forças de manutenção de paz são produto da interdependência complexa entre os Estados como proposto por Joseph Nye e Robert Keohane, está sendo a relação mútua de dependência e relações entre diversos atores estatais e não estatais, utilizando-se do Smart Power, a combinação de forças tangíveis tais como economia e assets militares, e forças intangíveis como diplomacia e legitimidade (MARTINELLI, 2016). De tal forma, a característica derivativa e multi-estatal das forças de manutenção de paz podem ser vistos como facilitadoras para o cumprimento de suas diretrizes, a partir do momento em que pode se pôr como uma força arbitrária e utilitária em situações de conflito entre grupos fundamentalmente diferentes. O fato dos capacetes azuis serem um instrumento da lei internacional torna-se então sua principal força.

Apesar de seus objetivos teóricos benéficos, é inegável que a missão de manutenção de paz da Organização das Nações Unidas sofre uma severa crise. O amplo cenário de operações, desde Kosovo até o Congo e o Haiti, e a alta ambição de seus objetivos e limitações de margem de ação fazem com que os capacetes azuis muitas vezes falhem em realizar seus objetivos (AUTESSERRE, 2019). Episódios como o genocídio de Ruanda e os massacres nas guerras da Iugoslávia são golpes severos na reputação da ONU e no seu papel como garantidora das leis internacionais por conta da inanição do efetivo militar de capacetes azuis nestas áreas de combate, e até hoje em lugares como a República Centro Africana e no chifre da África problemas similares de capacidade são observados. A não ser que reformas sejam feitas na organização e implementação das missões de paz o mundo verá cada vez mais abusos de autoridade e maus tratos postos sobre populações civis.

REFERÊNCIAS:

AUTESSERRE Séverine. THE CRISIS OF PEACEKEEPING. Foreign Affairs, 2019. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/2018-12-11/crisis-peacekeeping acesso em 12 de Setembro de 2021.

BROWN Garret et al. OXFORD CONCISE DICTIONARY OF POLITICS & INTERNATIONAL RELATIONS. Oxford University Press, 2018.

ONU. OUR PEACEKEEPER. Organização das Nações Unidas, 2021. Disponível em: https://peacekeeping.un.org/en/our-peacekeepers acesso em 11 de setembro de 2021.

MARTINELLI Caio. O JOGO TRIDIMENSIONAL: O HARD POWER, O SOFT POWER E A INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA SEGUNDO JOSEPH NYE. UNAERP, Ribeirão Preto, 2016. NETO José. TEORIA GERAL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS. Editora Saraiva, 2012.