Kalwene Ibiapina – Acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais da UNAMA

As Relações Internacionais (RI) como campo interdisciplinar nem sempre contou com tanta diversidade de temas e abordagens. Devido a um fenômeno das ciências sociais denominado de Consenso Ortodoxo, quando as RI “nasceram”, no início do século XX, já eram “positivadas”, ou seja, fechadas a outras abordagens e campos do saber. Essas análises se limitavam, fundamentalmente, à dicotomia indivíduo-sociedade – como partes independentes ou dissociadas – à factibilidade, ao objetivismo, ao racionalismo e à generalidade ou nomotetismo.

Com a expansão de valores relacionados ao meio ambiente e direitos humanos, o surgimento de novas identidades e o fim da Guerra Fria, foi-se emergindo uma crise paradigmática que aflorou a necessidade de novos aparatos teóricos capazes de atualizar os debates e preencher as lacunas deixadas pelas teorias até então vigentes. Foi neste contexto que, com o movimento chamado Virada Linguística Epistemológica, abriram-se as portas das RI para outras esferas do conhecimento.

A Virada aconteceu entre a década de 70 a 80 e, basicamente, consiste na introdução da linguagem e do subjetivismo como ferramentas analíticas capazes de explicar a realidade, não por meio da descrição dos fenômenos, mas como sendo partes constituintes e construtoras desta realidade. Isso possibilitou a introdução de uma nova maneira de conhecimento e, foi a partir disto, que surgiram as teorias pós-positivas, cujas análises se pautam nas ações dos sujeitos agora como agentes construtores da sua própria realidade, por meio do papel da linguagem, da intersubjetividade e da intangibilidade dos objetos de estudo.

Neste sentido, as RI é um exemplo de campo que, após a Virada, exerceu um movimento de retorno ao status pré Consenso e pôde, assim, abranger e se utilizar de outras matrizes teóricas. Exemplo disto, é a “psicologização” da disciplina, um fenômeno de aproximação das RI com as vertentes da área de Psicologia, como descrito por Ramírez e Torregrosa (1996, p.206), e que localiza este campo do saber em uma “região” de fronteira às RI, ligada pela convergência de objetos e temas a serem estudados, dissecados ou esclarecidos.

Uma destas vertentes é a Psicologia Política, uma área nova e que se dedica a estudar os sujeitos e as subjetividades intrínsecas à política que, segundo Carlos Barracho, “ […] diz respeito à vida cotidiana, às atitudes, opiniões e representações sociais que os cidadãos têm perante a vida política.” (BARRACHO, 2011, p. 58-59)

A partir disto, é possível analisar nas RI velhos objetos de estudo como negociações, conflitos, guerras, migrações, movimentos de massa e lideranças políticas e até mesmo preconceitos e estigmas sociais, que são comuns ao campo de RI e da Psicologia, sob novas perspectivas, e se utilizando de ferramentas teóricas importadas desta última.

Exemplo disto é a obra do filósofo Byung Chul Han, chamada “Psicopolítica: neoliberalismo e as novas técnicas de poder”, que fala sobre temas como poder, liberdade, exploração e submissão do indivíduo no mundo digital, celebrado pelo capitalismo do regime neoliberal. À rigor, o que mais nos interessa desta obra é a crítica feita por Byung às ideias de Michel Foucault – autor pós-positivista das RI -, no que consiste ao controle exercido sobre os corpos dos indivíduos, a que este denomina Biopolítica.

Han vai além de Foucault ao entender que o poder de controle agora não se pauta mais apenas sobre os corpos, mas sobre as mentes. Para ele, “A biopolítica é a técnica de governança da sociedade disciplinar, mas é totalmente inadequada para o regime neoliberal, que, antes de tudo, explora a psique” (HAN, 2018, p. 35).

O autor introduz então a ideia de que os “Big Data” – um grande e complexo volume de dados digitais – possibilita a exploração dos indivíduos por meio da conjugação de informações disponibilizadas pelos próprios sujeitos, no ato de sua liberdade, para efetuar uma análise de suas características psicológicas e otimizar este material a fim de exercer controle sobre as pessoas que, neste contexto neoliberal, incide na produtividade destas.

Han explica ainda que isso acontece para além do nível individual: “a partir do big data é possível extrair não apenas o psicograma individual, mas o psicograma coletivo, e quem sabe até o psicograma do inconsciente. Isso permitiria expor e explorar a psique até o inconsciente” (HAN, 2018, p.36). Tal ideia revela uma grande ferramenta de controle da mente que, incidindo sobre determinados agentes, pode gerar palco para ações nocivas ao bem estar social geral.

É interessante ressaltar como as análises antes limitadas a ferramentas e teorias específicas, pautadas na tangibilidade e imutabilidade da estrutura do sistema vigente e nas ações do indivíduo, agora são guiadas por outros recursos teórico-metodológicos que se baseiam na psique humana e residem em um ambiente intangível como as plataformas digitais. Atualizando, portanto, o debate e as análises e importando-as ao plano imaterial, não táctil ou subjetivo.

Por fim, a obra de Byung Chul Han demonstra a relevância do uso de substratos teóricos de outras áreas para preencher possíveis lacunas epistemológicas ou metodológicas de teorias das RI, e embasar de maneira eficaz as análises sobre o mundo contemporâneo e seus mais complexos agentes e fenômenos, localizando, portanto, a importância da Psicologia Política como nova área de fronteira teórica das Relações Internacionais, à julgar pela convergência de objetos e temáticas a serem estudadas, elucidadas e compreendidas, que são compartilhadas entre si.

Referências:

ÁLVARO-ESTRAMIANA, J. L., GARRIDO-LUQUE, A., TORREGROSA, J. R. Psicología Social Aplicada – Hill/ Interamericana de España. Madrid, 1996

BARRACHO, Carlos. Psicologia Política – Lisboa: Escolar, 2011. p271. Psicologia Política. VOL. 13. No 28. PP. 601-605. SET. – DEZ. 2013

FOUCAULT, Michel . Microfísica do poder. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989

HABOWSKI, Adilson Cristiano; CONTE, Elaine. Psicopolítica, neoliberalismo e as novas formas de poder. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 28, n. 2, jun. 2020. ISSN 1982-9949.

KERTZER, Joshua D., TINGLEY, Dustin. Political Psychology in International Relations: Beyond the Paradigms. Annual Review of Political Science, 2018, 319-339.

PEREIRA, Chyara Sales, RAMOS, Leonardo César Souza, SANTOS FILHO, Onofre dos. Governança global, governamentalidade e uma nova visão acerca da relação entre explicação e compreensão nas Relações Internacionais. In: 3° Encontro Nacional ABRI 2011, 3., 2011, São Paulo

What is big data. Oracle, 2021. Disponível em: <https://www.oracle.com/br/big-data/what-is-big-data/>. Acesso em: 12.09.21