Jade Machado – acadêmica do 6° semestre de RI da UNAMA

A situação haitiana é turbulenta, e para se entender o caso, é preciso retroceder até pelo menos o ano de 2001, quando Jean- Bertrand Aristide venceu a eleição presidencial, na qual menos de 10% da população votou, o que acarretou na negação do resultado pela oposição e o começo de uma grande instabilidade política, que resultou na renúncia de Aristide e posteriormente na criação da MINUSTAH pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Desta forma, dentro das Relações Internacionais e da sua teoria clássica liberal, é necessário destacar que a cooperação entre atores é o principal tema de reflexões e discussões, onde, objetivando analisar criticamente a problemática do país, leva-se em consideração alguns de seus pressupostos teóricos.

Dentre os muitos autores base para o entendimento da teoria, pode-se destacar Immanuel Kant (1795), pois através de sua obra “À paz perpétua” consolidou o ideário liberal. Sua ideologia democrático-republicana salienta que uma democracia liberal se faz indispensável no interior dos países, uma vez que auxiliará, efetivamente, no progresso, desenvolvimento e alcance da paz. É importante destacar que, para Kant, deve-se respeitar a não intervenção assim como as leis internacionais, através do princípio do Direito Internacional Público, como preservação da não ingerência nos assuntos internos dos Estados, com exceção de uma grave demanda humanitária multilateralmente decidida (KANT, 1989).

Além disso, a teoria liberal sugere que as Organizações Internacionais possuem um importante papel de ajudar a preservar a paz, garantir o respeito mútuo e incentivar um comportamento cooperativo dos atores no sistema internacional (CASTRO; MARINHO, 2012).

A partir do cenário de instabilidade dentro do Estado haitiano, foi criada a resolução 1542, que deu início a MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti), uma missão de paz criada pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) e coordenada pelo Brasil, com propósito de reestabelecer a ordem no Haiti após a renúncia de Jean-Bertrand Aristid (GONÇALVES, 2021).

Apesar da aparente boa intenção, uma década após o início oficial da missão, a população haitiana se mostrava muito insatisfeita com o longo período de tropas da ONU no país, recorrendo a votações no senado e manifestações na fracassada tentativa de pôr fim a essa situação.

A missão foi alvo de muitas críticas relacionadas à violência desproporcional, abusos contra a população civil, repressão política e levar a epidemia de cólera, uma vez que a mesma já havia sido erradicada. Considerada por muitos apenas uma ocupação militar estrangeira no território haitiano, disfarçada de ajuda humanitária, já que até mesmo os recursos financeiros enviados eram controlados, a operação chegou ao fim após a realização das eleições presidenciais em 2016, a qual elegeu o empresário Jovenel Moïse (POLITIZE!, 2021).

A presidência de Moïse também foi alvo de críticas e muita oposição devido à controversa com a data final de seu mandato. O presidente estava, de fato, no poder desde fevereiro de 2017, um ano depois da realização das eleições em 2016, sendo assim, ele afirmava que seu governo só terminaria em 2022, pois seria levado em consideração o momento em que de fato assumiu seu mandato. No entanto, a Constituição Haitiana estabelece que, a duração de um governo no país é de cinco anos e a mudança de poder deve ocorrer no dia 7 de fevereiro. Nesse sentido, levando em consideração a data de eleição em 2016, o governo de Moïse deveria terminar em 2021.

Dado fevereiro de 2021, Moïse se recusou a deixar o cargo, o que resultou em grande parte da população insatisfeita e com suas manifestações reprimidas por militares. Além da corrupção e repressão, a revolta da população com o aumento das taxas de crimes, conflitos de gangues e sequestro, dissolução do parlamento e crise econômica durante o governo de Moïse estava imensa, o que culminou no assassinato do presidente a tiros por homens armados que invadiram sua casa (BBC NEWS, 2021).

Pode-se concluir que, apesar do propósito da MINUSTAH se enquadrar na principal ideia da teoria liberal, de cooperação, a mesma se distancia do resto das pautas, sendo cabível dizer que a situação atual de tanta instabilidade do Haiti têm heranças histórias de uma missão mal sucedida. Analisando os ocorridos, nota-se que a MINUSTAH feriu diversos princípios da teoria idealista clássica, haja vista que a independência nacional já não mais existia de forma íntegra.

 Após inúmeras denúncias de violência dos direitos humanos, a não intervenção foi abolida, pois a própria ONU autorizava atitudes controladoras e não houve solução pacífica de conflitos, já que muitas repressões se fizeram presentes através dos militares.

Deste modo, percebe-se que a MINUSTAH poderia sim ter sido uma missão de sucesso, cooperação e estabilização do Haiti. No entanto, as negligências da coordenação da missão e das próprias Nações Unidas contribuíram de forma negativa para o rumo do país, uma vez que após apenas quatro anos do fim de uma missão tão idealizada, a instabilidade se faz mais forte do que nunca.

REFERÊNCIAS:

CASTRO, Thales. Teoria das Relações Internacionais. Brasília: FUNAG, 2012. MARINHO, Henrique Jorge Medeiros.

KANT, Immanuel. À paz perpétua. Porto Alegre: L&PM, 1989.

GONÇALVES, Marina. Entenda a crise política no Haiti, onde o presidente foi assassinado nesta terça. O Globo, Rio de Janeiro, 7 de julho de 2021. Disponível em: <https://www.google.com.br/amp/s/oglobo.globo.com/mundo/entenda-crise-politica-no-haiti-onde-presidente-foi-assassinado-nesta-terca-1-25095227%3fversao=amp> Acesso em: 15 de julho de 2021.

PRESIDENTE do Haiti assassinado: entenda crise que culminou na morte de Jovenel Moïse. BBC News, 7 de julho de 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57752302.amp> Acesso em: 15 de julho de 2021.

HERMANN, Breno. Soberania, não intervenção e não indiferença: reflexões sobre o discurso diplomático brasileiro. Brasília: FUNAG, 2011.

MINUSTAH: o Brasil na Missão de Paz no Haiti. Politize!, 9 de outubro de 2018. Disponível em: < https://www.politize.com.br/minustah-missao-de-paz-no-haiti/> Acesso em: 15 de julho de 2021