Giovanna Lima – Acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais da UNAMA

A segunda metade do século XX representa a emergência da democracia, que é a principal forma de governo com a adesão por praticamente todos os Estados-Nações ocidentais e é caracterizada pelo direito dos governados de escolherem os governantes (SILVA, SETTI, PARANHOS, NASCIMENTO; 2013). No entanto, de acordo com o relatório realizado em 2020 pela Freedom House, atualmente existem 49 ditaduras mundo, ou seja, países classificados como aqueles que não desfrutam de liberdade.

Em face disso, essa perda de liberdade, isto é, a morte da democracia, pode se dar de diversas formas. De acordo com Levitsky e Ziblatt (2018), as democracias podem morrer na mão de homens armados, ou seja, por meio de golpes militares, mas também através de líderes eleitos.  

Com a pandemia do novo coronavírus, a América Latina já ultrapassa 600 mil mortos pela doença. Desse modo, com a crise de saúde que se instaurou, se tornou iminente a deterioração ainda maior da democracia na região, pois houve um gradual enfraquecimento das regras democráticas disfarçadas de medidas para contenção da Covid-19. De acordo com o Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral, muitos países usaram medidas ilegais, sem necessidade ou exageradas durante a pandemia

De acordo com o jornal The New York Times, alguns casos são o da Venezuela, onde o ditador Nicolás Maduro deteve jornalistas, ativistas e líderes da oposição após questionarem os números do governo a respeito dos casos da covid-19; ou do Presidente Daniel Ortega, da Nicarágua, que libertou milhares de presos devido à ameaça do vírus, mas o mesmo não ocorreu em relação aos presos políticos; na Guiana houve bloqueio dos protestos contra a tentativa do governo de permanecer no poder mesmo tendo perdido as eleições; e até mesmo o caso boliviano, onde o governo interino usou a pandemia como pretexto para adiar as eleições e ainda gastou dinheiro do fundo emergencial com a sua própria campanha eleitoral.

Tendo isso em vista, a defesa da democracia teve no jusfilósofo italiano Noberto Bobbio, uma voz firme e propositiva, trazendo a reflexão para um dos temas mais importantes da história da Humanidade (FACHIN, SILVA, FACHIN; 2019). Bobbio viveu os regimes totalitários de direita e de esquerda durante século XX e contribuiu para os estudos de direitos humanos, paz e democracia com uma vasta produção literária. Na sua obra As Ideologias e o Poder em Crise (1995), Bobbio advoga que democracia e ditadura excluem uma à outra, ou seja, a aceitação da primeira implica necessariamente a rejeição da segunda, e vice-versa.

Na sua obra Diário da Política (1983), Bobbio apresenta regras que são chamadas de “procedimentos universais”, onde, em suma, afirma que todos os cidadãos que alcançaram a maioridade devem ser eleitores. Todos devem ser livres para poder votar de acordo com sua própria opinião e seja por eleições, seja por decisão coletiva, deve valer a regra da maioria numérica, ou seja, deve ser decidido pelo maior número de votos.

Desse modo, fica claro que para Bobbio, portanto, a ditadura é marcada pela falta da democracia, ou seja, o aumento de medidas dos governos nacionais que limitam e violam o pleno exercício dos direitos humanos previstos, positivados também na Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas, a qual prevê que os governos devem assegurar, entre várias outras coisas, o direito à liberdade de expressão, participação política e que ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado, medidas estas que foram ou estão sendo tomadas por governos de países latinoamerianos e representam uma ameaça à democracia na região, podendo encaminhar países para medidas ditatoriais.

Portanto, com este agravamento da polarização política, da corrupção, níveis de criminalidade e de fragilidade de países da América Latina, é necessário ficar em alerta para retrocessos democráticos em uma região já muito desigual e com muitos problemas estruturais, especialmente se tratando de intervenções e boicotes em eleições. Por isso, é necessário identificar essas tentativas de ruptura e direcionamentos para uma ditadura para que não haja uma morte da democracia na América Latina.

REFERÊNCIAS

A América Latina está enfrentando um ‘declínio da democracia’ durante a pandemia. Disponível em < https://www.nsctotal.com.br/noticias/a-america-latina-esta-enfrentando-um-declinio-da-democracia-durante-a-pandemia>. Acesso em 19 mar 2021

BOBBIO,Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise. 4.ed. Tradução de João Ferreira. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995.Título original: Ideologie e il potere in crise. p. 162.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 11.ed. Editora Universidade de Brasília.1983

FACHIN, Zulmar; DA SILVA, Deise Marcelino; FACHIN, Jéssica. Democracia: Reflexões em torno do pensamento do Noberto Bobbio. Em Tempo – Marília – v. 18 – 2019. (P. 329 – 342).

FREEDOM IN THE WORLD 2020. A Leaderless Struggle for Democracy. Disponível em<https://freedomhouse.org/sites/default/files/202002/FIW_2020_REPORT_BOOKLET_Final.pdf&gt;

SILVA, Denisson; SETTI, Gabriel; PARANHOS, Ranulfo; NASCIMENTO, Willber Teoria Democrática Contemporânea: Modelo Democrático Competitivo e Modelo Democrático Popular. Em Tese, Florianópolis, v. 10, n. 1, jan./jun., 2013.