Naiara Costa – Acadêmica do 6° semestre e Relações Internacionais da UNAMA

Durante a história houve momentos de aproximação e afastamento do Brasil para com o continente africano. Dentre os momentos de atração, o mais marcante e prolífico para as relações Brasil x África se deu no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o qual focou em uma cooperação sul-sul, dando atenção à África e estreitando relações por meio de missões de paz, investimentos e cooperação, sempre respeitando a autodeterminação dos povos.

Essa postura de cooperação sul-sul como base da política externa brasileira se deu graças à percepção da importância em ter os países em desenvolvimento, como os do continente africano, como aliados. Não somente a África é uma região cujas nações também sofreram com o processo de colonização como o Brasil, mas é o continente com o maior número de países – 54. Então, para além dos laços de proximidade histórico-culturais que possuímos para com os países africanos, estes nos oferecem uma vantagem numérica em organismos internacionais, principalmente dentro da Organização das Nações Unidas (ONU), quando se tratam de votações, indicações e confiabilidade. O ex-presidente Lula notou essa oportunidade e esperava que a colaboração com a região pavimentasse o caminho para um ganho de soft-power (NYE, 2004) (poder por meio da influência, sem utilização do militar) e possivelmente um assento permanente dentro do conselho de segurança da ONU.

A ex-presidente Dilma Rousseff tentou seguir os passos de Lula, contudo as crises políticas e econômicas que ocorreram em seu governo impossibilitou um maior sucesso das relações com a localidade, e estas entram em colapso no governo de Jair Bolsonaro.

Conhecido por frases como “Eu fui em um Quilombo em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Acho que nem para procriar serve mais” (BOLSONARO, 2017), e “O português nem pisava na África. Foram os próprios negros que entregavam os escravos” (BOLSONARO, 2018), o  atual presidente do Brasil já mostrava desrespeito para com a história afro-descendente desde sua camapanha. Ligado a isso, o governo de Bolsonaro é antiglobalista. No discurso da posse de Ernesto Araújo como ministro das relações exteriores, este declarou “Não estamos aqui para trabalhar pela ordem global […] Não mergulhemos nessa piscina sem água que é a ordem global”; e desde então o país tem tomado atitudes contra o multilateralismo.

Essa bandeira isolacionista não passou despercebida pela maior economia africana e nosso parceiro dos BRICS: a África do Sul. Em novembro de 2018 o presidente do país, Cyril Ramaphosa, avisou Bolsonaro que como ele entraria para a do família BRICS, a qual é comprometida com o multilateralismo e busca fortalecer o benefício mútuo, se ele fosse em uma direção diferente, isso prejudicaria o Brasil. Porém, em 2019, ao ser questionado sobre a falta de prioridade do governo Bolsonaro quanto à África, Ramaphosa em um tom mais apaziguador afirmou que “Você não pode ignorar um mercado de 1,2 bilhão de pessoas. Mesmo que queira fugir do continente e ignorá-lo, vai precisar negociar com ele”. Entretanto, aparentemente, este não somente é o caminho Brasil tem tomado, como o afastamento de Bolsonaro é o que os próprios países querem.

Em uma das críticas proferidas ao governo Bolsonaro pelo diplomata Roberto Abdenur em dezembro deste ano, este afirmou que “[…] o país não faz qualquer movimento em relação à África. Ignora totalmente o continente em mais um erro diplomático”. Pior do que não fazer nenhum movimento foi o fato de Bolsonaro seguir em frente com o plano de 2016 feito por Michel Temer e José Serra e fechar 3 embaixadas no continente africano em maio de 2020 – as quais foram construídas durante os governos Lula e Dilma na Libéria, Gana e Serra-Leoa.

Além destas fatalidades de Política Externa, o Brasil é cada vez mais renegado internacionalmente em virtude da postura negacionista ao Coronavírus de Bolsonaro. Apesar de alguns países como Madagascar e Tunísia adotarem uma postura similar, a maioria dos países do continente africano trabalham juntos por meio do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da África (CDC) e contam com o auxílio da Organização Mundial de Saúde (OMS) – que Bolsonaro avidamente critica.

Neste vácuo de influência, países como a China e Rússia, que percebem a necessidade de buscar poder através da diplomacia e entendem o potencial da África, já fazem movimentos para aumentar sua presença na região, ganhando poder internacionalmente, enquanto o Brasil cada vez mais diminui sua credibilidade.

Perdemos votos nos organismos de governança internacional – o que para Bolsonaro não parece significar nada, uma vez que rechaça as instituições com sua postura antiglobalista – e, juntamente com isso, nossa influência e respeito. O alinhamento automático com Donald Trump, o qual já estava fadado a trazer mazelas ao Brasil, agora nem se quer é possível com a eleição de Biden, e nossa política sul-sul está destruída. Como um país subdesenvolvido como o Brasil haverá de sobreviver isolado no cenário anárquico internacional, tendo perdido o pouco de soft-power que lhe restava? Na miséria – que agora atinge 13,88 milhões de brasileiros.

REFERÊNCIAS:

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ARAÚJO, Wemblley Lucena; FREITAS, Jeane Silva. A Política Externa Brasileira para a África: o envolvimento do Brasil nas operações de paz como instrumento de inserção internacional no continente africano. Revista Política Hoje: UFPE, Recife, v. 23, ed. 1, p. 105-121, 2014. PDF.

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BÔAS, Bruno Villas. Pobreza extrema cresce pelo quarto ano seguido e atinge 13,88 milhões: Cálculo foi feito pela LCA Consultores com os microdados da Pnad Contínua, divulgada pelo IBGE. Rio de Janeiro: Revista Valor Econômico, Grupo Globo, 6 maio 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/05/06/pobreza- extrema-cresce-pelo-quarto-ano-seguido-e-atinge-1388-milhoes.ghtml. Acesso em: 3 dez. 2020.

BRASIL 247. África do Sul critica sinais da política externa de Bolsonaro: “Se [Bolsonaro] atuar contra o que defendem os países dos BRICS, isso será em detrimento do Brasil e dos brasileiros”, declarou o presidente sul-americano Cyril Ramaphosa. [S. l.], 2 nov. 2018. Disponível em: https://www.brasil247.com/mundo/africa-do-sul-critica-sinais-da- politica-externa-de-bolsonaro. Acesso em: 3 dez. 2020.

COLETTA, Ricardo Della. ‘Ninguém pode ignorar um mercado de 1,2 bilhão de pessoas’, diz presidente da África do Sul: Cyril Ramaphosa quer ser porta de entrada do Brics na África e minimiza desacordos no bloco. Brasília: Folha de São Paulo, 15 nov. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/ninguem-pode-ignorar-um- mercado-de-12-bilhao-de-pessoas-diz-presidente-da-africa-do-sul.shtml. Acesso em: 3 dez. 2020.

FOLHA DE SÃO PAULO. Veja falas preconceituosas de Bolsonaro e o que diz a lei sobre injúria e racismo: Presidente já atacou indígenas, mulheres, LGBTs, negros e japoneses. São Paulo, 26 jan. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/veja-falas-preconceituosas-de-bolsonaro-e-o-que-diz-a-lei-sobre-injuria-e-racismo.shtml. Acesso em: 03 de dez. 2020.

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FREIRE, Diego. Bolsonaro extingue embaixadas na África e no Caribe criadas em governos do PT. São Paulo: CNN Brasil, 14 maio 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/05/14/bolsonaro-extingue-embaixadas-na-africa-e-no-caribe-criadas-em-governos-do-pt. Acesso em: 3 dez. 2020.

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NANTULYA, Paul. Grand Strategy and China’s Soft Power Push in Africa: China is doubling down on its soft power initiatives in Africa as part of China’s Grand Strategy to tap emerging markets, shape global governance norms, and expand its influence.. [S. l.]: Africa Center for Strategic Studies, 30 ago. 2018. Disponível em: https://africacenter.org/spotlight/grand-strategy-and-chinas-soft-power-push-in-africa/. Acesso em: 3 dez. 2020.

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