Thais Vitória Borges – acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia

A inclusão de novas temáticas ao campo das Relações Internacionais, ocorrida durante a década de 1970, permitiu o avanço dos estudos da disciplina para além das questões estatais, que até então eram o foco, trazendo pautas como os debates de gênero, pós-colonialismo e pós-modernismo. No que concerne ao pós-modernismo, este advoga pela revisão de conceitos e pensamentos cristalizados na disciplina, agindo assim nos aportes teóricos sobre a própria teoria das Relações Internacionais (CASTRO, 2012).

O pós-modernismo surgiu de um movimento mais abrangente do campo das Ciências Sociais, e parte da perspectiva de crítica à racionalidade que o modernismo alegava possuir, este intrínseco aos ideais iluministas (SARFATI, 2005). Assim, os debates da teoria social, influenciados sobretudo por autores como Giddens, Habermas e Foucault adentram nas Relações Internacionais (NOGUEIRA; MESSARI, 2005).

Dos expoentes desta linha de pensamento, Richard Ashley e Robert Walker marcam os estudos pós-modernos voltados para as RI, dialogando acerca da manipulação de poder na produção das ditas “verdades” da disciplina, explorando assim, o mundo das metanarrativas – as narrativas que estão por trás das narrativas sociais. Nesse sentido, os estudos desenvolvidos por Michel Foucault acerca do poder que, legitima que essas “verdades” produzidas se tornem de fato ideias cristalizadas no campo da disciplina e, entendidas portanto, como verdades absolutas e impassíveis de questionamentos, são essenciais para o entendimento desta perspectiva aplicada às Relações Internacionais.

 De origem francesa, Michel Foucault (1926 – 1984), foi um historiador e filósofo que se desenvolveu nos ramos dos movimentos estruturalistas e pós-estruturalistas (GUTTING; OKSALA, 2022). O autor advém de um contexto marcado pelos impactos da Segunda Guerra Mundial, o nazismo, União Soviética, e do fracasso da política colonialista, tanto na França quanto nos países subdesenvolvidos, fatores que o instigaram a questionamentos filosóficos (GOLDBERG, 2018, p. 99).

No que tange às contribuições que vão impactar os estudos pós-modernos, vale o enfoque nas indagações do autor sobre as ciências humanas modernas, estas que buscam auferir verdades científicas universais, mas que na verdade se tratam de expressões  de compromissos éticos e políticos estabelecidos socialmente em certa sociedade. A partir deste questionamento, Foucault expõe as forças históricas que moldam essas verdades científicas universais (GUTTING; OKSALA, 2022). Empregando portanto o método arqueológico e o genealógico.

Por arqueologia, esta é definida pelo autor como o estudo do espaço em que o pensamento se desenvolve, as condições e sua maneira. Já a genealogia se volta para o estudo do poder, a genealogia é utilizada como indicador da sedimentação histórica das relações de força sobre as normas morais, normalizações e códigos de legitimação (GOLDBERG, 2018, p. 133).

 Assim, compreendendo que o discurso, pela ótica do autor, é entendido como uma representação culturalmente construída pela realidade que, não se constitui como uma cópia exata desta, o discurso produz e reproduz o poder e conhecimento (IBIDEM, 2018). Em outras palavras, os discursos são resultados e reproduzem certas relações de poder. Nesta perspectiva, a “verdade”, como propõe Jacques Derrida – teórico pós-estruturalista das Relações Internacionais, e ex-aluno de Foucault – podem ser desconstruídas, tendo em vista que não existe uma verdade universal, pois estas sempre partirão de um ponto de vista e se desenvolverão sob a base de determinados valores (DEVETAK, 2022).

Desse modo, argumentando pela inexistência de verdades absolutas universais e neutras, apresentando como fatores a historicidade dos discursos, a relação poder saber e advogando por análises de casos de maneira singular, os pensamentos de Foucault vão ser utilizados por teóricos internacionalistas, tanto pós-modernistas quanto pós-estruturalistas, para uma aplicação ao contexto internacional. Contribuindo para indagações sobre a ordem do sistema, os conceitos tidos como verdades absolutas e neutras que sedimentam a disciplina das Relações Internacionais, assim como arcabouço para se desenhar novos limites e perspectivas para o campo. 

Percebe-se que as RI se desenvolve a partir dos debates, que marcam rupturas e aberturas de novos horizontes, estas advém primeiro do movimento de crítica e de questionamento de pensamentos hegemônicos, nesse sentido, as indagações pós-modernistas/pós-estruturalistas, que partem de muitas pesquisas de Foucault, são questões que corroboram para a constante evolução dos estudos das Relações Internacionais.


Referências 

CASTRO, Thales. Teoria das relações internacionais. Fundação Alexandre de Gusmão, 2012.

DEVETAK, Richard; TRUE, Jacqui (Ed.). Theories of international relations. Bloomsbury Academic, 2022.

GOLDBERG, Beatriz Sabia. O limite das relações internacionais como campo de conhecimento: a busca de perspectivas críticas em Michel Foucault. 2018.

GUTTING, G.; OKSALA, J. Michel Foucault. STANFORD, 2003. Disponível em: <https://plato.stanford.edu/entries/foucault/&gt;.

NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das relações internacionais. Elsevier, 2005.

SARFATI, Gilberto. Teorias de Relações Internacionais. Saraiva, 2005.