Albert Juan Lima Tavares — acadêmico do 3º semestre do curso de Relações Internacionais da Unama

A prática esportiva está envolvida na construção sociocultural da vida humana, desde os primórdios da formação de sociedades e grupos sociais. Hoje, ela afeta variados contextos e indivíduos, seja de maneira natural ou instrumentalizada. O escopo característico e natural do “espírito esportivo” foi evoluindo ao longo dos séculos e atualmente se aprofunda nas relações sociais baseadas em competição, regras e no contexto sociopolítico no qual está inserido (Starepravo; Mezzadri, 2003). O esporte está intrinsecamente ligado ao lazer de uma sociedade, afetando diversos espaços e discussões sociais devido ao amplo alcance midiático promovido por eventos que envolvem competições esportivas. Nas Relações Internacionais, percebe-se a relevância e o impacto que o esporte pode promover nas relações entre Estados, na dinâmica dos interesses e na mudança de comportamento dos atores do sistema internacional.

O mês de junho é conhecido por abrigar grandes eventos esportivos mundiais, assim como todo segundo semestre do ano, muito devido ao fato de ser verão no hemisfério norte. Em 2024, a Eurocopa, Copa América e as Olimpíadas de Paris são apenas alguns dos principais eventos promovidos pelas entidades internacionais esportivas pelas próximas semanas, todos conhecidos por receber grandes públicos e pela grande repercussão midiática pelo mundo. Esse mérito proporciona que tais eventos impactem o cotidiano da população, podendo promover a visibilidade de debates político-ideológicos, o que acaba reverberando nas relações entre os atletas e questões que possam envolver seus países de origem, principalmente em períodos de tensões sociais como no caso atual da crise política europeia, que sediará alguns destes principais eventos nas próximas semanas. 

Eventos como esses, que envolvem grandes números de pessoas e de maneira sintetizada, dão ênfase a uma identidade coletiva, em especial o futebol, que reforça de diversas maneiras uma identidade unitária, nacionalista e, por ora, até apaziguadora. Na França, a Eurocopa e as Olimpíadas são apontadas como eventos que podem reiterar esse aspecto “unido” de uma nação, que atravessa uma turbulência política após o presidente Emmanuel Macron dissolver o parlamento e convocar novas eleições após indícios de vitória inédita da extrema-direita no país (CNN Brasil, 2024).

Nesta primeira análise, sintetiza-se os eventos esportivos como importantes palcos de discussões sociais com o termo Soft Power, desenvolvido pelo teórico neoliberal Joseph Nye, que discute acerca do poder brando que utiliza de maneiras persuasivas indiretamente os interesses e o comportamento dos atores do sistema internacional, seja pela cultura, ideologia ou pelo esporte (Nye, 2004). Para Nye, o poder “encantador” seria essencial para a manutenção e consolidação dos Estados em múltiplos contextos, seja para difundir seus ideais ou para influenciar decisões que sejam benéficas para a manutenção da imagem do Estado, como em países sedes de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, que perpetuam seus interesses em sediar estes eventos por serem importantes para suas relações diplomáticas.

Não só os atores estatais, mas também os atletas são vozes relevantes no que diz respeito à difusão dos interesses de seus países de origem, e da sua identidade nacional. Muitos desses atletas utilizam sua imagem externa para propagar os interesses de suas nações e suas próprias ideologias, por manterem uma grande relevância na mídia e até legiões, correlacionando-se diretamente ao fanatismo promovido pelo futebol, aproveitado diretamente pelos interesses do Mercado. Para esta análise, aplica-se o termo Indústria Cultural de Theodor Adorno que explica como a lógica da manipulação dessa indústria desempenha um papel determinante na construção de “heróis esportivos” afetando o comportamento e influenciando de maneira passiva as objeções dos indivíduos ao entrarem em contato com a cultura de massa (Vaz, 2005).

Outros casos que envolvem posicionamentos à Guerra da Ucrânia, conflitos no Oriente Médio, o respeito à causa LGBTQIA+ e a luta contra o racismo dentro dos estádios também têm tomado conta das discussões políticas dentro dos eventos esportivos, e refletindo muitas vezes em tensões entre as grandes organizações do esporte e os atores governamentais (Ramos, 2021). As últimas edições da Eurocopa tiveram grande notoriedade nas discussões no sistema internacional, após posicionamentos do corpo atlético no que diz respeito a conflitos geopolíticos e que de alguma forma isto poderia impactar o globo.

Desta forma, se explicita a relevância de eventos como estes no impacto das discussões sociopolíticas na sociedade, assim como se prevê que no contexto atual as discussões no esporte sobre a atual crise na Europa aumentem  nas próximas semanas.

Logo, considera-se que os eventos esportivos são fundamentais instrumentos dos Estados e do mercado para a instrumentalização de seus interesses ideológicos, assim como são basilares exemplos da prática do poder brando para a perpetuação de seus interesses em uma sociedade e no sistema internacional. A prática esportiva, de diversas maneiras enraizada na cultura popular em várias partes do mundo, não só entretêm, mas também promovem debates político-sociais e influenciam as relações internacionais. O esporte continua a ser uma poderosa ferramenta sociopolítica, refletindo e moldando as dinâmicas culturais e internacionais.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vinícius. Artigo: Dia do Esporte. Sesi ES, 2023. Disponível em: https://sesies.com.br/artigo-dia-do-esporte/. Acesso em 13 Jun. 2024

Macron dissolve parlamento e convoca eleições legislativas antecipadas na França. CNN Brasil, 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/macron-dissolve-parlamento-e-convoca-eleicoes-na-franca/. Acesso em 13 Jun. 2024

NYE, Joseph. Soft Power: the means to success in world politics. Nova Iorque: PublicAffairs, 2004.

RAMOS, Mateus Rodrigues. A Eurocopa Além do Futebol: Geopolítica e Relações Internacionais.  Dois Niveis, 2021. Disponível em: https://www.doisniveis.com/ri-em-campo/a-eurocopa-alem-do-futebol-geopolitica-e-relacoes-internacionais/. Acesso em 13 Jun. 2024

STAREPRAVO, Fernando Augusto; MEZZADRI, Fernando Marinho. Esporte, Relações Sociais e Violências. Curitiba: Motriz, Rio Claro, v.9, n.1, p. 59- 63, jan./abr. 2003

Turbulência Política não atrapalhará Jogos Olímpicos, dizem COI e Paris 2024. CNN Brasil, 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/olimpiadas/turbulencia-politica-nao-atrapalhara-jogos-olimpicos-dizem-coi-e-paris-2024/. Acesso em 13 Jun. 2024

VAZ, Alexandre Fernandes; Esporte e Sociedade, Segundo Theodor Adorno. Florianópolis: Constelaciones – Revista de Teoria Crítica N° 3, 2011.

VAZ, Alexandre Fernandez; TORRI, Danielle. Teoria Crítica do Esporte: Apontamentos. Revista Virtual Efartigos. Natal, Dez. 2005. Disponível em: https://efartigos.atspace.org/esportes/artigo59.html. Acesso em 13 Jun. 2024