Cristine Oliveira – acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais da Unama

O termo soft power, desenvolvido pelo teórico neoliberal Joseph Nye, surgiu a partir da necessidade de analisar as mudanças da política estadunidense após o fim da guerra-fria. Segundo Nye, o soft power ou poder brando é “a capacidade de obter os resultados desejados e, se necessário, mudar o comportamento dos outros para obtê-los” (NYE, 2002, p. 30). Dessa forma, a disseminação da cultura e dos ideais de um país são fundamentais para a garantia de poder e influência no cenário internacional.

Nas últimas décadas, devido ao desenvolvimento e crescimento econômico desses países, tem se observado uma crescente propagação da cultura asiática no ocidente. Esse fenômeno não se deu de forma espontânea, mas sim como resultado de uma série de investimento em diferentes áreas, como, por exemplo, o entretenimento, a tecnologia e a educação.

A partir da cultura pop, é possível notar uma grande mudança no que é consumido globalmente, o movimento “Cool Japan” e a “Onda coreana” ou “Hallyu”, são exemplos bem-sucedidos da adoção dessas políticas. O Japão, devastado após a segunda guerra mundial, usou do soft power para reconstruir a sua imagem internacional, passando de imperialista para país da cultura e inovação tecnológica (COELHO, 2021). Os investimentos japoneses no audiovisual eram tão significativos que, nos anos 80, os programas de televisão, como os animes, eram tidos como verdadeiras commodities (COELHO, 2021, p. 29 apud NEWITZ, 1994, p.1). É, também, nos anos 80, que o Studio Ghibli, notável estúdio de animação, foi fundado por Hayao Miyazaki e Isao Takahata, e ao longo de sua trajetória coletaram diversos prêmios internacionais com suas obras inovadoras, tornando-se um importante instrumento do soft power japonês.

Assim como o Japão, a Coreia do Sul, a qual é conhecida hoje pelo K-pop e os K-dramas, passou por um processo de mudanças internas que resultaram na criação de uma agenda voltada para a indústria cultural. No fim dos anos 90 e início dos anos 2000, em resposta à entrada de conteúdo estrangeiro no país, a Coreia do Sul passou a investir na exportação de produtos culturais, que além de aumentar sua influência, seria uma forma de superar a crise do FMI (SILVA, 2020). A criação do Ministério de Cultura, Esportes e Turismo foi um grande diferencial durante esse processo, segundo dados de 2019 do Ministério da Economia da Coreia do Sul, o setor cultural recebeu investimento de cerca de 6,4 bilhões de dólares. A música pop sul-coreana é um dos pilares da “Onda Hallyu”, sendo assim, os grupos de K-pop são como uma vitrine para o mudo, de tal forma que em 2021, os integrantes do grupo BTS, a convite do ex-presidente Moon Jae-in, participaram da 76° Assembleia da ONU e discursaram sobre o impacto da pandemia na juventude, esse evento salientou o destaque dado à diplomacia cultural.

No que diz respeito a tecnologia, países como a Índia e China se sobressaem. A Índia, além de fazer uso do soft power através da indústria cultural, com a chamada “Bollywood”, é considerada uma potência global no meio tecnológico. Os investimentos na área de TI, ao decorrer das décadas foram se tornando cada vez maiores e as políticas públicas voltadas para essa área também. No ano de 2015, o governo Indiano investiu inicialmente cerca de 255 bilhões de dólares no projeto “Digital India” com o objetivo de fornecer Internet móvel a todo o território nacional, além de fomentar a integração digital, ampliação de serviços governamentais de forma digital e apoio a criação de empresas (RODRIGUES, 2020). No que se refere a China, a consolidação no campo tecnológico, só foi possível graças ao forte investimento do Governo em políticas que permitissem a participação de universidades e institutos de pesquisa na criação e administração de empresa, além de privilegiar uma organização dos conglomerados nacionais de modo que eles possam concorrer com o mercado internacional (CASSIOLATO, 2013).

No campo educacional, é evidente o papel que a China e a Coreia do Sul desempenham. Além do Instituto Confúcio, que é uma importante ferramenta para a difusão da língua e da cultura chinesa, o Governo chinês investe fortemente em programas de intercâmbio para atrair estudantes estrangeiros, um exemplo dessa medida é o Chinese Scholarship Council (CSC), instituição responsável pelos programas de bolsas de estudos do Governo, ele tem o objetivo de firmar colaborações na área educacional, acadêmica e científica, resultando em um formato de cooperação win-win, oferecendo ganhos para ambos os lados envolvidos (QUERINO, 2020). Similarmente ao CSC, a Global Korea Scholarship (GSK) é uma iniciativa do Governo sul-coreano, que, não somente promove a divulgação da língua, do conhecimento e da cultura do país no ambiente acadêmico, como também contribui economicamente, abrangendo as trocas diplomáticas com os demais países (DIRIR, 2022).

Dessa forma, conclui-se que o avanço Soft Power asiático só se tornou possível mediante o investimento direto em políticas de desenvolvimento da indústria tecnológica, educacional e cultural. Essa crescente tende a não só a quebrar com estereótipos estabelecidos pelo ocidente  como também, garantir uma posição de destaque e influência no cenário global, sem necessariamente passar pelo uso da força como poder coercitivo.

Referências:

CASSIOLATO, J. E. As Políticas de ciência, tecnologia e inovação na China. http://www.ipea.gov.br, 1 abr. 2013.

COELHO, L.; VICTOR, J. Cool Japan: o efeito do soft power na transformação da imagem do Japão após a Segunda Guerra Mundial. repositorio.animaeducacao.com.br, 18 dez. 2021.

DIRIR, Kadir . Japan and South Korea’s Implication of Soft Power: Cultural Aspects, Education, and Foreign Aid Diplomacy. Humanities and Social Sciences. Vol. 10, No. 4, 2022, pp. 271-280. doi: 10.11648/j.hss.20221004.20

NYE Jr., J. S. O paradoxo do poder americano: porque a única superpotência do mundo não pode prosseguir isolada. Tradução de Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo : Ed. da UNESP, 2002

ORTEGA, Rodrigo. K-pop é poder: Como Coreia do Sul investiu em cultura e colhe lucro e prestígio de ídolos como BTS. Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2019/05/23/k-pop-e-poder-como-coreia-do-sul-investiu-em-cultura-e-colhe-lucro-e-prestigio-de-idolos-como-bts.ghtml&gt;.

QUERINO, J. A Cooperação Educacional Chinesa. Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais – RPPI, v. 5, n. 3, p. 117–133, 28 dez. 2020.

RODRIGUES, D. S. N. Crescimento econômico indiano e a indústria de TI: a gaiola de ouro. Orientador: Helton Ouriques. 2020. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Relações Internacionais. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020. SILVA, M. C. B. DA. Soft Power e a Hallyu: Um olhar para o desenvolvimento da Coreia do Sul. repositorio.animaeducacao.com.br, 2020.