
Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 5º semestre de RI da UNAMA)
Atualmente, muito se debate sobre a produção de informação científica referente a Amazônia, que em sua maioria, é produzida por centros urbanos ou países estrangeiros que se localizam distantes das regiões amazônicas em detrimento de pesquisadores locais. As discussões atuais sobre a Amazônia ainda giram em torno de uma perspectiva de modernismo e de atraso, pensamentos que estão enraizados desde os primórdios coloniais e que são refletidas na forma em que se produz conhecimento e pesquisa sobre a região, sem levar em conta a verdadeira realidade do território e das populações locais que existem ali.
Em abril de 2023, a Universidade de São Paulo (USP) pronunciou a criação do Ceas (Centro de Estudos da Amazônia Sustentável), ação que ignorou diretamente os pesquisadores amazônidas e seus saberes científicos sobre a região (O LIBERAL, 2023) e que mostra a vigência de um modelo ainda colonialista e subalterno que atua sob regiões consideradas atrasadas. Nesse viés, é essencial discutir o papel das instituições de pesquisas na Amazônia e suas contribuições, como produções de artigos científicos, pesquisas referentes à complexidade amazônica, preservação do meio ambiente e os grandes desafios a serem superados (GALVÃO & OLIVEIRA, 2021).
A partir do século XX, a história da Amazônia se perpetuou através de governos desenvolvendo uma estrutura colonialista de exploração econômica e de ocupação territorial, que até hoje causam prejuízos ambientais e sociais. Convém ressaltar que a colonialidade continua fazendo parte da realidade amazônica, mesmo que passe despercebida em diversos momentos. Para o escritor Márcio Souza (2022), existe uma espécie de apartheid no Brasil, na qual o Sul é considerado desenvolvido e culturalmente avançado, enquanto o Norte é atrasado, visto mais como natureza do que cultura.
O desenvolvimento tem sido um dos grandes temas de discussão entre os Estados, até mesmo internamente, buscando uma política de governo que se adeque às suas necessidades. Ainda que não tenha um consenso na literatura do que seria exatamente o desenvolvimento, os argumentos têm sido formulados em um consenso implícito de que só pode haver uma categoria de desenvolvimento: um processo feito por precondições sociais, em que há a acumulação acelerada de capital e a inovação tecnológica e empresarial, conduzindo à formação de uma sociedade com economia nacional predominantemente urbana e industrial (WOLFE, 1976).
Marshall Wolfe, em seu livro “Desenvolvimento: para que e para quem?” (1976), analisa que, por um longo tempo, o desenvolvimento foi visto como sinônimo de um elevado PIB per capita através da industrialização e desenvolveu-se a ideia de crescimento econômico. Porém, Wolfe crítica que essas formas de interpretação não abrangem a distribuição equitativa dos recursos e da produção. Pelo contrário, muitos países que crescem em taxas mais elevadas, em termos de per capita, apresentam os maiores níveis de desigualdade de renda, o que gera o questionamento principal do estudo: desenvolvimento para que e para quem?
Trazendo a ideia de Wolfe para o contexto da região amazônica, é possível afirmar que a mesma é um retrato categórico da histórica imposição e vigência de projetos e modelos de desenvolvimento que não romperam com o colonialismo (externo e interno), no qual grupos dominantes do país assumem um papel estratégico na condição da subjugação ao Sul Global (SANTOS & CORREÂ, 2022).
Dessa forma, a relação sociedade-natureza, denominada por Kenneth Boulding de economia de fronteira, foi a responsável por caracterizar toda a formação latino-americana, incluindo a Amazônia, o que gerou as tentativas do governo brasileiro de mercantilizar a região na economia nacional através da exploração dos recursos naturais do bioma (BECKER, 2001). A exploração do território, através de atividades predatórias, trouxe consequências observadas até os dias de hoje, em que há intensa degradação da fauna e flora que atingem não somente a floresta, mas sobretudo, as condições de vida das comunidades pertencentes à região.
Porém, a vigência de um sistema com raízes coloniais não se perpetua somente nos grandes projetos de desenvolvimento para a Amazônia, mas também na produção de conhecimento científico em torno da região e das diversas comunidades locais existentes.
Segundo dados da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a maior parte do conhecimento e informação científica sobre a região é produzida por pesquisadores alheios à região, em que 70% de todos os estudos são produzidos pelos Estados Unidos, países da União Europeia (UE) e os 30% restantes, são de centros urbanos brasileiros distantes da região, onde ficam instituições científicas que são responsáveis por somente 3% dos estudos (AGÊNCIA EFE, 2013).
A recente notícia da criação do Ceas (Centro de Estudos da Amazônia Sustentável) pela USP (Universidade de São Paulo), colocou em perspectiva a questão do retroalimento de um sistema elitista e estratégico que reproduz o modelo colonial ao ignorar pesquisadores locais e amazônidas que pesquisam e identificam a complexidade de dinâmicas dos processos humanos e ambientais que fomentam a Amazônia e seu desenvolvimento.
A comunidade científica da UFPA (Universidade Federal do Pará), especialmente os pesquisadores da região ligados a instituições como o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea), reconhecido mundialmente como um centro de excelência em pesquisa e formação de docentes, questionou a ação da USP e apontou que a instituição desconsiderou os saberes locais das comunidades e “sequestrou” pautas relevantes para os que na Amazônia vivem (O LIBERAL, 2023).
Os institutos de pesquisa e ciência na Amazônia são voltados para o estudo de um complexo de variáveis que abrangem múltiplas interações entre redes de pesquisadores e instituições na Amazônia, tendo-se ênfase em descrições que se referem a práticas de comunicação e tradução da ciência no mundo (FAULHABER, 2005).
São instituições que dependem 100% de financiamento governamental e que durante os últimos anos, sofreram drásticas reduções em seus orçamentos, a suspensão e congelamento de bolsas de pós-graduação e a queda e falta de pesquisadores e técnicos em atividades. Em 2019, por exemplo, não houve programas estruturados de investimento na área da Amazônia, somente 3% dos investimentos nacionais foram direcionados a em ciência e tecnologia (BBC NEWS BRASIL, 2019).
Segundo o pesquisador Adalberto Luis, sem a devida valorização do conhecimento científico da Amazônia, as instituições serão condenadas à irrelevância, pois são de fundamental relevância para os desafios a serem enfrentados na preservação ambiental da floresta (BBC NEWS BRASIL, 2019). São espaços públicos que dependem de participação da sociedade civil, especialmente a amazônida, para que continuem funcionando e gerando conhecimento e produção científica sobre a região e sua realidade.
Tendo em vista o que já foi mencionado, é de fundamental importância valorizar as pesquisas científicas produzidas por povos naturais da Amazônia, que sofrem com os impactos causados pela ideia de “Progresso” e lutam para manter o ambiente preservado, como Márcio Souza destacou em sua entrevista para a Amazônia Latitude:
“Há um projeto não declarado de reduzir ao silêncio a grande região amazônica. Eu pergunto: quantas vezes Vicente Salles foi lido e estudado na universidade Federal do Rio de Janeiro? Os escritores do Pará e do Amazonas não são reconhecidos. Temos excelentes editoras aqui na Amazônia, com livros de qualidade que não chegam às livrarias do Sul.” (AMAZÔNIALATITUDE, 2022).
A descolonização de conhecimentos é de fundamental importância e requer um grande esforço dos centros acadêmicos em desenvolver medidas interpretativos para a floresta, ou seja, significa dizer que para a Amazônia ser cada vez mais amazônida (e não amazônica), para que ela seja vista de dentro para fora e não de fora para dentro, é necessário combater os estigmas endocolonialista e mostrar uma amazonidade ativa de profissionais que lutam pelo reconhecimento de seus saberes e lutam também para combater os paradigmas de subalternização da região e seus povos. (AMAZÔNIALATITUDE, 2019)
Diante da temática exposta, recomendamos algumas das principais instituições voltadas para a pesquisa e produção de conhecimentos acerca da Amazônia e de suas comunidades. É válido ressaltar que são espaços constituídos 100% de pessoas amazônidas, que moram em algum dos Estados que abraçam a floresta e que buscam evidenciar a importância da conservação do bioma, da fauna e flora e das populações tradicionais, que através de seus saberes seculares, agem na manutenção e proteção da região.
O primeiro é o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea), da Universidade Federal do Pará, referência na Amazônia no ensino ao nível de pós-graduação em desenvolvimento regional sustentável. Seus principais objetivos são a identificação, a descrição, a análise e interpretação e o auxílio na solução de problemas regionais amazônicos e a difusão de informações dentro da realidade amazônica, desenvolvendo e priorizando a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão.
Para mais informações acesse:
Site institucional: < http://www.naraufpalbr/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/naea.ufpa/ >
O segundo é o Programa Globalizando, projeto de extensão do curso de Relações Internacionais, da Universidade da Amazônia (UNAMA), um programa de rádio transmitido na Rádio UNAMA 105.5 fm aos sabádos, às 9hrs.
É um projeto produzido por acadêmicos do curso e que conduz programas de diferentes temas que englobam as Relações Internacionais com a participação de convidados especialistas em cada tema proposto. Entre seus objetivos, destacam-se: levar informação e conhecimento à população local e aos alunos da universidade e estimular o corpo docente e discente do curso com o aprofundamento de temáticas, análises e debates. O Globalizando também evidencia a importância e necessidade da valorização da Amazônia e de seus pesquisadores regionais em seus programas.

Para mais informações, acesse:
Instagram: < https://www.instagram.com/pglobalizando/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/programaglobalizando/?locale=pt_BR >
Twitter: < https://twitter.com/pglobalizando >
Youtube: < https://www.youtube.com/channel/UCSyOQJ_wq6m5ExOMla26chg >
O próximo é o nosso próprio site, o Internacional da Amazônia, projeto de extensão e grupo de pesquisa CNPq dos acadêmicos do curso de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia (UNAMA). Possui como intuito, incentivar a pesquisa e produção de artigos e discussão sobre a área, no tocante a assuntos diversos e abordando a Amazônia como diferencial, especialmente no Amazônia em Foco, nosso quadro que evidencia o olhar de um amazônida sobre a Amazônia.

Para mais informações, acesse:
Site: < https://internacionaldaamazonia.com/2019/04/03/programa-globalizando/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/interdamazonia/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/InternacionalDaAmazonia/?locale=pt_BR >
Twitter: < https://twitter.com/interdamazonia >
Youtube: < https://www.youtube.com/channel/UCQKRVhgtmem2S2YUp5u_1gQ >
O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) é um instituto criado em 1952 com sede em Manaus e que possui como objetivos, a geração e disseminação de conhecimentos, tecnologias e capacitação de recursos humanos para o desenvolvimento da Amazônia.
Para mais informações, acesse:
Site institucional: < https://pesquisa.inpa.gov.br/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/inpa_mcti/ >
Facebook: < https://www.instagram.com/inpa_mcti/ >
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) é uma organização não governamental, criada em 1995 e que possui como objetivos, a produção de conhecimento, implementação de iniciativas locais e influência em políticas públicas, de forma a impactar o desenvolvimento econômico, a igualdade social e a preservação do meio ambiente.
Para mais informações, acesse:
Site institucional: < https://ipam.org.br/pt/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/ipam_amazonia/?hl=pt-br >
Facebook: < https://www.facebook.com/IPAMAmazonia/ >
Por fim, recomendamos a leitura de dois livros, o primeiro se chama “História da Amazônia: Do período pré-colombiano aos desafios do século XXI” (2019) do autor Márcio Souza, o livro aborda desde o período pré-colombiano até a contemporaneidade, a obra trata da totalidade de um território geográfico e a sua história. O autor ao decorrer do livro faz diversas análises sobre os ataques sofridos ao meio ambiente, por maquinários com incentivos governamentais, também traz uma reflexão sobre a economia sustentável e a urgência de busca alternativas. Está disponível para a compra no site da Amazon e em ebook gratuito, através do link a seguir:
O segundo se chama “De Olho na Amazônia” (2008) da autora Ingrid Biesemeyer Bellinghausen. O livro retrata como a floresta amazônica grita por socorro ao mundo, devido ao desmatamento do seu verde dia após dia, a ameaça constante da perda da biodiversidade e os impactos causados a humildade. A autora Ingrid Biesmeyer propõe aos seus leitores infantis que eles cuidem da natureza e alerta para a extinção de diversas espécies. Está disponível para a compra no site da Amazon, através do link a seguir:
REFERÊNCIAS
Agência EFE. Estrangeiros dominam 70% das pesquisas na Amazônia. Gazeta do Povo. Publicado em: 14 de maio de 2013. Disponível em: < Estrangeiros dominam 70% das pesquisas na Amazônia > Acesso em: 19 de maio de 2023.
AMAZÔNIALATITUDE. Há um projeto não declarado de silenciar a Amazônia, diz Márcio Souza. Publicado em: 04 de abril de 2022. Disponível em: < https://www.amazonialatitude.com/2022/03/04/ha-um-projeto-nao-declarado-de-silenciar-a-amazonia-diz-marcio-souza/ > Acesso em: 20 de maio de 2023.
AMAZÔNIALATITUDE. Incorporação e integração da Amazônia: perpetuação da colonialidade. Publicado em: 17 de novembro de 2019. Disponível em: < https://www.amazonialatitude.com/2019/12/17/incorporacao-e-integracao-da-amazonia-perpetuacao-da-colonialidade/#:~:text=A%20incorpora%C3%A7%C3%A3o%20da%20Amaz%C3%B4nia%20marcada,para%20o%20Rio%20de%20Janeiro > Acesso em: 21 de maio de 2023.
BBC NEWS Brasil. Crises dos mais antigos centros de pesquisas da Amazônia ameaça proteção da floresta. Publicado em: 17 de novembro de 2019. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50396127#:~:text=As%20duas%20mais%20antigas%20institui%C3%A7%C3%B5es,ouvidos%20pela%20BBC%20News%20Brasil > Acesso em: 21 de maio de 2023
BECKER, Bertha. Revisão das políticas de ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para projetar cenários? 2001. Disponível em: < https://docs.ufpr.br/~adilar/GEOPOL%C3%8DTICA2019/Geopolitica%20da%20Amazonia/Amaz%C3%B4nia_Pol%C3%ADtica%20de%20ocupa%C3%A7%C3%A3o.pdf > Acesso em: 19 de maio de 2023.
FAULHABER, Priscila. A história dos institutos de pesquisa na Amazônia. Estudos Avançados, v. 19, p. 241-257, 2005. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/ea/a/j4p4F4CLNT7MNhCLyCsRDpg/?lang=pt > Acesso em: 19 de maio de 2023.
INTERNACIONAL DA AMAZÔNIA. Os avanços e desafios dos institutos de pesquisas e ensino superior na Amazônia . Publicado em: 21 de dezembro de 2021. Disponível em: <https://internacionaldaamazonia.com/2021/12/21/os-avancos-e-desafios-dos-institutos-de-pesquisa-e-ensino-superior-na-amazonia/ > Acesso em: 21 de maio 2023
O LIBERAL. USP cria Centro de Estudos da Amazônia e gera polêmica entre cientistas da UFPA, revela Repórter 70. Publicado em: 28 de abril de 2023. Disponível em: < https://www.oliberal.com/para/usp-cria-centro-de-estudos-da-amazonia-e-gera-polemica-entre-cientistas-da-ufpa-revela-reporter-70-1.674066 > Acesso em: 19 de maio de 2023.
SANTOS, Cynara Fernanda Aquino dos. CORREÂ, Sérgio Roberto Moraes. Estudos decoloniais: pedagogias outras no contexto rural-ribeirinho amazônico. Retratos da Escola, v. 16, n. 36, p. 1051-1071, 2022. Disponível em: < https://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/view/1629 > Acesso em: 19 de maio de 2023.
WOLFE, Marshall. Desenvolvimento: para que e para quem? In: Coleção: O Mundo Hoje, vol 11. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. Acesso em: 19 de maio de 2023.