Lana Borges – 5° semestre acadêmica de Relações Internacionais

O conflito entre Israel e Palestina é um dos mais complexos que temos no mundo hoje. Ele começou no fim da década de 40, e já teve diversos desdobramentos até os dias atuais. Sabemos que existe uma série de interesses econômicos e geopolíticos na região, no entanto, hoje se fala muito sobre a violação dos Direitos Humanos e o princípio de autodeterminação dos povos palestinos diante do poderio militar de Israel. 

A Palestina viveu muitos anos sob o domínio de imperialistas. Em 1917, foi assinada a carta que daria o pontapé inicial no conflito que perdura até hoje: a Declaração de Balfour. Nesta carta, o ministro das Relações Exteriores reconhecia o apoio do governo britânico para o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina, o que foi considerado uma traição aos árabes, já que essa potência havia também prometido apoio militar aos árabes contra o domínio do império turco otomano (BBC, 2017). 

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os franceses e ingleses dividiram o império Otomano entre si e, nesta divisão, a Palestina ficou sob o domínio do império britânico. A partir disso, foi aberto o processo de migração de judeus para a região, mas foi a partir da partilha da resolução 181 da Assembléia Geral da ONU, de 1947, que esse processo foi oficializado e intensificado, com a determinação de 55% da área do país para o que viria a ser o Estado de Israel, e 44% para o Estado Árabe Palestino (MPPM, 2009).

Os árabes não ficaram nada satisfeitos com a resolução. Para eles, o Estado de Israel era um corpo estranho na região, representante dos interesses ocidentais imperialistas. Além disso, o Estado de Israel tinha como parte dos ideais sionistas a colonização completa da região, por isso, durante esses 75 anos houve diversos conflitos armados e guerras. Antes mesmo de 1947, já havia um processo em curso de colonização e expulsão dos palestinos de sua terra. Após esse marco, este processo se intensificou e ficou mais violento. Apoiado pelas grande potências ocidentais, Israel tinha grande aparato militar, que foi utilizado para subjugar os palestinos, expulsando-os de suas casas, destruindo aldeamentos e desalojando pessoas, o que resultou na expulsão de cerca de 1 milhão de árabes palestinos, processo que ficou conhecido como Nakbah (catástrofe, em árabe) (ANDRADE, 2021). 

Durante esse tempo, o Estado de Israel, guiado pelas ideias sionistas de colonização e limpeza étnica, promoveu políticas de expulsão ou extermínio dos palestinos. Conforme afirmado pelo General Moshé Dayan, em seu discurso que reproduzia as palavras do fundador do Estado de Israel, David Ben-Gurion, ele ressaltava que não poderia haver integridade da terra da Palestina para além da colonização judaica, que “o objetivo e a verdadeira questão de fundo do sionismo é a implementação concreta da colonização pelos judeus de todas as áreas da Terra de Israel” (Mylena, 2021). Desse modo, os palestinos tiveram que fazer resistência a essa dominação, o que resultou em diversos conflitos como a guerra dos 6 dias, a do Yom Kippur e as Intifadas. Hoje, a Palestina encontra-se totalmente dividida e dominada militarmente e politicamente pelos israelenses. 

Os autores Nur Marsala (1992) e Ilan Pappé (2006) explicam, em suas obras, o porquê da colonização judaica na Palestina ter o objetivo de praticar uma limpeza étnica. Eles afirmam que, diferente de outros processos de colonização, a mão de obra local não foi utilizada para fins de exploração e trabalho: eles tem sido expulsos com violência, além do fato de que os que ficam sofrem grande discriminação, tanto de maneira institucional, como pelos cidadãos judeus. A ideia concebida no projeto sionista de criação do Estado de Israel era de uma nação puramente judia, um Estado étnico. Por isso, foi feito um processo de incentivo de migração de judeus para a região, ao mesmo tempo que os palestinos que foram forçados a se deslocar na Nakba tem seu direito de retorno proibido. 

Para ilustrar a situação em que se encontram os palestinos, podemos ver os relatos da Professora Doutora em Sociologia na UnB, Berenice Bento, que visitou o local duas vezes. Ela relata como os trabalhadores são humilhados nos postos de controle militares, que impede a livre circulação das pessoas e, por vezes, cometem atos de violência arbitrários. Eles estão cercados por muros e check points, que controlam o acesso a água, alimentos e serviços básicos de saúde. Além disso, frequentemente expropriam casas de palestinos, praticam demolições e expulsão de vilas inteiras, como na comunidade beduína Khan al-Almar e Sheikh Jarrah. 

O conceito de Apartheid, segundo o Tribunal Penal Internacional (TPI), é “A intenção de manter a dominação de um grupo racial sobre outro”. Esta intenção fica evidente nos processos de transferência forçada de palestinos para a imposição de assentamentos israelenses ilegais, privação de direitos dos palestinos com base em sua identidade, negação do direito de liberdade e movimentos de resistencia, prisões ilegais, assassinatos, torturas, perseguições e leis de discriminação racial (Beaklini, 2021). 

Mas os Palestinos também estão organizados e continuam resistindo a essa dominação. Pessoas que nasceram e ainda vivem na região contam com o apoio dos palestinos que foram expulsos durante a Nakba e seus descendentes para realizar campanhas e protestos em defesa dos Palestinos, como por exemplo a iniciativa do BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que busca pressionar o Estado de Israel economicamente a respeitar os direitos humanos dos palestinos. Também estão organizados em diversos movimentos como Free Palestine e na Frente Popular de Libertação da Palestina, que é um organização nacionalista anti-colonial marxista-leninista, que luta contra o imperialismo e capitalismo ociental no Oriente Médio (BBC, 2014). Foi formada em 1967, e teve Laila Kaled como importante participante, sendo a primeira mulher a entrar na organização e se tornado um símbolo de força e resistência palestina (Bento, 2021).

Achille Mbembe nos ajuda a compreender a questão da Palestina sob a perspectiva da Necropolítica, invocando os conceitos de biopoder (ou biopolítica), de Michel Foucault, e o estado de exceção, de Giorgio Agamben. O primeiro conceito diz respeito aos mecanismos de controle exercidos pelo Estado sobre populações e grupos sociais. “A biopolítica transforma o ser biológico em objeto da política, controlado pelo poder do Estado que decide quem deve morrer e quem deve viver” (Copetti, Wermuth, 2020). Aprofundando este conceito, Agamben procura compreender em que momento a humanidade passou a viver segundo estas normas e, portanto, de que maneira foi estabelecido o controle do biopoder sobre a sociedade. Em seu livro “Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I”, ele diferencia o homem na zoé (estado natural), na bíos (vida politizada) e na vida nua. Esta última seria a situação em que se encontra o hommo sacer (homem sacro), que tem a vida politizada alterada por determinadas condições sociopolíticas, que não possui direito à cidadania, e que vive no “estado de excessão”. Em outras palavras, o Estado exclui essas pessoas da proteção jurídica por não se submeterem à “ordem do poder soberano” (Martins, 2016). 

Mbembe coloca que “A forma mais bem sucedida de necropoder é a ocupação colonial contemporânea da Palestina” (Mbembe, 2015). Para ele, o conceito de biopoder não é suficiente para explicar a complexidade das relações de opressão modernas, propondo a noção de necropolítica e necropoder para ressaltar o terror e o mundo de violência e morte ao qual estamos inseridos, com a utilização de armas e tecnologias bélicas cada vez mais sofisticadas, relegando alguns povos a uma situação de “mortos-vivos”. Neste sentido, nossas formas de poder contemporâneas “subjugam a vida ao poder da morte” (Mbembe, 2015).

Para concluir, podemos perceber, através dos conceitos apresentados, que o Estado de Israel promove a necropolítica através das permanentes violações de Direitos Humanos básicos dos Palestinos, o que está ligado um interesse político ideológico, que submete estes povos, que já ocupavam aquelas terras a milhares de anos, a uma situação de degradação, colocando-os no lugar de Homo Sacer: pessoas sem direito a cidadania, vivendo em situação de permanente terror e humilhação. Porém, em contraposição a essa tentativa de dominação extermínio, estes povos seguem resistindo a décadas, se organizando de diversas maneiras, levantando a bandeira palestina com orgulho, mantendo viva a cultura e identidade de um povo que é exemplo de luta, determinação e resistência para o mundo. 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Gabriel Bezerra de. O que é Nakba?. 2021.  Disponível em : https://sites.unipampa.edu.br/lehmai/o-que-e-nakba/ 

BENTO, Berenice. Vidas na Palestina, entre a colonização e a resistência. 2021. Disponível em: https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/vidas-na-palestina-entre-a-colonizacao-e-a-resistencia/ 

BEAKLINI, Bruno Lima Rocha . ONU, Palestina e o Apartheid Colonial do século XXI. 2021. Disponível em: https://www.brasildefators.com.br/2021/06/21/onu-palestina-e-o-apartheid-colonial-do-seculo-xxi 

BBC NEWS. Profile: Popular Front for the Liberation of Palestine (PFLP). 2014. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-middle-east-30099510 

COPETTI, Dhyani. WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. O Conceito De Biopolítica Em Michel Foucault: Uma Análise A Partir Do Sistema Prisional Brasileiro. XXVIII Seminário de Iniciação Científica ODS: 10 – Redução das desigualdades. 2020.  file:///C:/Users/ljbor/Downloads/17848-Texto%20do%20artigo-51001-509258-2-20201020.pdf 

Cronologia da História da Palestina: 2. Do Mandato Britânico à proclamação do Estado de Israel. MOVIMENTO PELOS DIREITOS DO POVO PALESTINO. 2009. Disponível em: https://www.mppm-palestina.org/content/cronologia-da-historia-da-palestina-2-do-mandato-britanico-proclamacao-do-estado-de-israel 

Declaração Balfour, as 67 palavras que há 100 anos mudaram a história do Oriente Médio.  BBC NEWS. 2017. https://www.bbc.com/portuguese/geral-41842505 

MARTINS, Juliane Caravieri. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I, de Giorgio Agamben. Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v.44 | n.1 | p.195-201 | jan./jun. 2016 | ISSN 2178-0498

MYLENA, Gercyane. Para entender o singular colonialismo israelense. 2021. Disponível em: https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/para-entender-o-singular-colonialismo-israelense/ 

Mulheres palestinas: o pilar da resistência. 2023. Disponível em: https://lavrapalavra.com/2023/03/15/mulheres-palestinas-o-pilar-da-resistencia/ 

MBEMBE, Achille.  NECROPOLÍTICA. revista do ppgav/eba/ufrj | n. 32. 2016. Disponível em: https://www.procomum.org/wp-content/uploads/2019/04/necropolitica.pdf