
Fabiana Barros Monteiro – Acadêmica do 3º semestre de Relações Internacionais
Tendo em vista os recentes conflitos ocorridos no Sudão, é importante enfatizar o contexto histórico no qual surgem esses enfrentamentos no território do continente africano, visto que, a tragédia não se encontra inerente a este continente e tem como causa diversas variantes. Sendo a principal delas, a Conferência de Berlim realizada por potências europeias em 1885 com o intuito de criar rígidas fronteiras que beneficiassem os interesses imperialistas desses Estados (SCHNEIDER, 2008), desconsiderando questões étnicas, culturais e religiosas. Portanto, isso veementemente se reverbera até os dias atuais no Sistema Internacional.
Nesse sentido, infere-se que os embates ocorridos no Sudão se iniciam logo no período colonial, quando por volta do século XVI d. C os egípcios se locomovem para o Norte do país e posteriormente entre 1820 e 1822, o Sul é conquistado pelo Egito e mais tarde passa a ser vítima da influência da Inglaterra (LERICH e ARNOLD, 2017).
Assim, se inicia um longo e turbulento período de discordâncias e enfrentamentos devido a discrepância religiosa, social, política etc. entre ambas as regiões, pois enquanto o Norte se via sob influência do Egito, que visava a “arabização” do Sudão por meio do controle político (JOHNSON, 2016), o Sul era alvo de forte controle da colonização britânica que buscava promover a disseminação de seus valores cristãos na região.
Aliado a isso, suas disparidades não se limitavam apenas ao âmbito religioso, pois à medida que a influência e participação do Norte aumentava no país, era reduzida a relevância do Sul (AHMAD, 2010), subjugando os sulistas e os impedindo de participar da formação do espaço político.
Em 1953 isso mudou quando as potências colonizadoras Egito e Inglaterra entraram em um acordo, permitindo o direito de autogoverno do Sudão após 3 anos de transição, assim, alcançando a independência em 1956. No entanto, mesmo com o fim da colonialidade de forma legal, as guerras civis passaram a assolar o país desde dado momento, sendo um dos motivos a postura anti-imperialista adotada pelo Sul, alegando que o Norte perpetuava a antiga estrutura colonial (CAMPOS, 2017).
Dessa forma, a primeira guerra civil do país durou entre os anos de 1955 até 1972 e tinha como uma das causas os embates entre as elites nortistas e sulistas, no qual o primeiro buscava a “islamização” do Sul, que demonstrava resistência (CAMPOS, 2017). Além disso, também eram notáveis as desigualdades na distribuição de poder, existência de direitos e autonomia, num contexto de um Norte emergente e Sul subserviente.
O primeiro grande conflito no Sudão após a independência se findou apenas em 1972, quando ocorreu o cessar-fogo intitulado como Paz de Addis Ababa, esse também provendo certa autonomia para a região Sul do país. Entretanto, esse período de trégua durou apenas 11 anos, quando em 1983 o acordo de paz foi rompido a partir de embates ocorridos entre o governo do Sudão, concentrado na capital do país, Cartum, no Norte e o Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA), que tinha a finalidade de libertar os sulistas da opressão proveniente da capital (CAMPOS, 2017).
A segunda guerra civil possuía as mesmas motivações da primeira, porém potencializando as questões religiosas, de poder e recursos naturais, com a tentativa de imposição de uma lei islâmica no país e redefinição de fronteiras por conta de recursos energéticos. Além do mais, um regime militar foi instaurado no país em 1985 por meio de um golpe, aumentando a repressão de diversas manifestações culturais e religiosas, isolando ainda mais o Sul.
O segundo embate teve seu fim apenas em 2005 depois da intervenção da Organização das Nações Unidas, determinando que em um período de 6 anos dali em diante, a população do Sul teria o direito de escolha acerca da unidade com o Norte, optando ou não pela sua emancipação, essa realizada em 2011. Dessa maneira, fundando o Sudão do Sul, que hoje em dia é o país mais recente no Sistema Internacional.
Junto a essa contextualização, é inevitável citar a instabilidade política no qual o Sudão se encontra atualmente, dado que, depois de quase três décadas de governo, o ex-presidente do país, Omar al-Bashir foi derrubado de seu cargo em 2019 por meio de uma iniciativa civil militar com o intuito de estabelecer um governo democrático após 3 anos de transição desde a destituição do autocrata. Sendo essa iniciativa guiada pelos militares Abdel Fatah al-Burhan, general das Forças Armadas do Sudão e Mohamed Hamdan Dagalo, chefe das unidades paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR).
Acontece que, próximo ao prazo de fim da transição, houve um golpe militar orquestrado por Buhan para se manter como atual presidente, e o embate se iniciou a partir das primeiras negociações para a retomada da transição democrática, pois o plano do presidente seria integrar as Forças de Apoio Rápido às Forças Armadas, assim enfraquecendo a sua relevância e definindo o subordinado na nova estrutura (CNN, 2023).
Estima-se que o conflito causou 413 mortes e 3.551 feridos segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 21 de abril (Brasil de Fato, 2023). Evidenciando que a disputa por poder compromete principalmente a integridade dos civis, vítimas de um conflito ao qual não participam.
Diante disso, é importante refletir sobre a dinâmica colonial aplicada no Sudão e no restante dos países do continente africano, visto que, foram divididos em fronteiras que discordam de suas diferenças culturais e étnicas, tendo consequências até os dias atuais. Isso evidencia um tema de grande relevância discutido por Edward Said em sua obra “Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente” de 1978, no qual na própria produção intelectual colonizadora se cria a dicotomia de Ocidente e Oriente, sendo o segundo, alvo de estudo e julgamento que deve ser disciplinado (SAID, 2007, p. 73), servindo a construção desse conhecimento como uma forma de justificar a colonização feita no “Oriente” pelos europeus, buscando sentido nesse violento processo.
Conclui-se então, que mesmo o colonialismo não sendo o único fator determinante para a realidade em que se encontra o Sudão, há a necessidade de ressaltar a diversidade étnica, cultural, linguística e religiosa presente no vasto continente africano, que por décadas foi alvo de interesses e ações imperialistas que reverberam até atualmente, gerando conflitos que atingem grande parte da população.
REFERÊNCIAS
AHMAD, Peter; CHIRISA, Innocent; MAGWARO-NDIWENI, Linda; MICHUNDU, Mazuba W.; NDELA, WILLIAM N.; NKONGE, Mphangela, SACHS, Daniella. Urbanising Africa: the city centre revisited. IHS Working Papers, 2010. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1765/32177>. Acesso em: 09/05/2023.
CAMPOS, Lígia. M. C. L. O atual conflito no Sudão do Sul. Unesp, 2017. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/serie—o-atual-conflito-no-sudao-do-sul.pdf>. Acesso em: 06/05/2023.
ELBAGIR, Nima; QIBLAWI, Tamara; ORIE, Amarachi. Rival generals are battling for control in Sudan. Here’s a simple guide to the fighting. CNN, 26/04/2023. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2023/04/26/africa/sudan-conflict-explained-intl>. Acesso em: 09/05/2023.
Entenda o conflito que eclodiu no Sudão. Brasil de Fato, 2023. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2023/04/21/entenda-o-conflito-que-eclodiu-no-sudao>. Acesso em: 09/05/2023.
GURJÃO, Rafael; PEREIRA, Diego. Formação da República do Sudão do Sul e o conflito pela demarcação de fronteiras. Rio de Janeiro.
JOHNSON, Douglas H. The Root Causes of Sudan’s Civil Wars: Old Wars and New Wars. 3ª Edição. Boydell & Brewer, 2016.
LERICH, Matthew; ARNOLD, Matthew. South Sudan: From revolution to independence. Londres: Cambridge University Press, 2017.
MARTINS, Estevão N. Os Conflitos no Sudão antes e Depois da Independência (1983 A 2011): O caso do Sudão do Sul. Repositório ISCED-HUÍLA, 2022. Disponível em: <https://repositorio.isced-huila.ed.ao/handle/20.500.14190/23>. Acesso em: 08/05/23.
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. 1ª Edição Brasil: Companhia de Bolso, 29/07/2007.
SCHNEIDER, Luíza G. As causas políticas do conflito no Sudão: Determinantes estruturais e estratégicos. Porto Alegre. 2008. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/16012>. Acesso em: 06/05/23.