
Railson Silva (acadêmico do 5º semestre de RI da UNAMA)
O impacto dos estudos e pensamentos pós-coloniais nas relações internacionais tem gerado grandes reverberações nos últimos tempos, visto que tal corrente avança o argumento de que há uma necessidade de se rever a história, evidenciando que a autoconstrução ocidental das relações internacionais ignorou o contexto imperial das origens modernas da disciplina, além de destinarem o pensamento europeu, da Grécia antiga ao iluminismo, como herança da área (GROVOGUI, 2013). Nesse viés, obras do professor guineano Siba N’Zatioula Grovogui partem dessa preocupação ao demonstrar uma resistência aos discursos dominantes.
Em primeira instância, o autor e professor de Teoria e Direito das Relações Internacionais, Siba N’Zatioula Grovogui, considera que estudos pós-coloniais se apresentam como um conceito plural, ou seja, desenvolve-se em diversas questões e temas relevantes, trazendo assim uma releitura da história, em especial, da África colonial. Assim sendo, considerando que os processos de colonização ao redor do mundo se deram de formas diversas, os estudos pós-coloniais refletem nas diferentes formas de estudar as sociedades, a ciência, o conhecimento e a forma como as ideologias modernas são abordadas – liberalismo, marxismo, pós-modernismo e feminismo, por exemplo (GROVOGUI, 2013).
Em “International Relations Theories: Discipline and Diversity”, Grovogui, disserta sobre o pós-colonialismo e argumenta que o termo se refere a uma gama de perspectivas, tradições e abordagens a questões de identidade, cultura e poder, além de possuir múltiplos pontos de origem dos países colonizados, dessa forma tal corrente tem por objetivo buscar participar na construção de “verdades” que promovam a justiça, paz e o pluralismo político. Para isso, contesta a omissão das narrativas tradicionais e das várias formas de afirmação da superioridade da produção do conhecimento ocidental. (GROVOGUI, 2013).
Ademais, em seus estudos, Grovogui (2013) mostra sua preocupação sobre a relação conhecimento-poder. Para ele essa relação oferece possibilidades de resistência a discursos dominantes de representação através da criação de narrativas alternativas. Sob essa ótica, em sua primeira obra, Sovereigns, Quasi Sovereigns and Africans (1996), o autor faz uma reavaliação a produção do “conhecimento internacional” a respeito do “não ocidental”, em especial a partir da presença de discursos de autodeterminação e raça no processo de descolonização da África e no direito internacional.
Seguindo essa mesma lógica, em sua segunda obra, Beyond Eurocentrism and Anarchy (2006) enaltece uma crítica ao eurocentrismo e ao ocidentalismo, inerente ao “postulado que a Europa é a proprietária exclusiva da ciência legítima, das instituições e moral universal e dos cânones intelectuais indispensáveis” (GALINDO, G. R. B.; RORIZ, J. H. R., 2015). Logo a relação conhecimento-poder se estende ao longo do processo construção de narrativas pro-ocidente, na qual é definitivamente influenciado pela perspectiva pós estruturalista de autorreferência na produção do conhecimento que se reafirma e se retroalimenta de forma contínua, sempre de um mesmo lugar. (GROVOGUI, 2013).
Em última análise, o pensador afirma que através dos vários processos de colonização que ocorreram ao redor do globo, se desenvolveu os estudos pós-coloniais que deram margem para uma reavaliação da história africana, na qual foi gerando um maior destaque às vozes silenciadas dos povos marginalizados, favorecendo assim análises mais críticas as heranças deixadas na África moderna, resultantes do extenso período de dominação colonial exercido pelos europeus. Nas palavras do autor, “[…] o discurso colonial reconciliou o direito dos povos coloniais à autodeterminação com a necessidade dos colonialistas de preservarem suas posições hegemônicas.” (GROVOGUI, 1996, p. 6), para o autor, foi permissiva à propagação dessa relação assimétrica colonial, resultando assim no subdesenvolvimento e marginalização do continente africano nos dias de hoje. Nesse sentindo, o crítico sintetiza:
“A relação entre o self Europeu e o outro não-Europeu foi caracterizada primeiramente pela confrontação que surge da expansão europeia e pela resultante exploração do outro. Esta interação exploradora foi organizada em torno de um conjunto de valores, uma ideologia, cujo sistema filosófico, ou episteme, emergiu durante o Iluminismo para guiar a práxis Ocidental. […] Em adição, a constelação de princípios e regras que se aplicavam aos não-Europeus era parte de um processo gerador dependente de uma tradição de alteridade e ocultamento, de silenciamento de direitos, reivindicações, e interesses de comunidades não ocidentais”. (GROVOGUI, 1996, p. 63).
Diante do exposto, Siba Grovogui levanta relevantes questões ao criticar as cicatrizes deixadas pelo processo de colonização e como história da África foi claramente construída pelos europeus, muito mais do que pelos próprios africanos. Dessa forma, o pensador traz grandes contribuições e ferramentas aos estudos pós coloniais nas relações internacionais, permitindo que análises a respeito da continuidade das relações coloniais na modernidade sejam realizadas, além de reconhecer que a problematização da relação assimétrica no SI (sistema internacional) se ver necessária, assim como o reconhecimento da complexidade e pluralidade da produção de conhecimento africana, que por muito tempo foi oprimida por um único viés (eurocêntrico).
Referências:
GROVOGUI, S.N. Beyond Eurocentrism and Anarchy. Culture and Religion in International Relations. Palgrave Macmillan, a division of Nature America Inc. New York , 2006.
GROVOGUI, Siba N’Zatioula. Sovereigns, Quasi Sovereigns and Africans. Minneapolis: University of Minessota Press, 1996.
GROVOGUI, Siba N. Postcolonialism. In: Dunne, Tim; Kurki, Milja; Smith, Steve. International Relations Theories – Discipline and Diversity. United Kingdom: Oxford University Press, 2013.
GALINDO, G. R. B.; RORIZ, J. H. R. Da teoria à política: a perspectiva pós-colonial nos estudos de relações internacionais e direito internacional. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABRI, 5, 2015, Belo Horizonte.
NOBRES, G. Giannattasio. Heranças Coloniais Na África Moderna: Análise Pós-Colonial. Universidade Federal Do Rio De Janeiro. Rio de Janeiro, 2017.