
Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 5º semestre de RI da UNAMA)
Sabe-se que o garimpo ilegal é praticado na Amazônia desde o século XVI, se fazendo presente a decênios, mas especificamente no norte do Brasil. Assim, na década de 70, durante a crise do petróleo, com o aumento do valor do ouro devido ao declínio do preço do dólar, observa-se um impulsionamento dessas atividades ilegais, o que na década seguinte com a corrida pelo ouro, representou o aumento da garimpagem e consequentemente de severos impactos ambientais.
Eventualmente, grandes multinacionais investem bilhões de dólares em companhias envolvidas na devastação dos territórios da floresta amazônica, como na extração de minério ilegal. Essas companhias utilizam-se de espaços territoriais protegidos pela Unidade de Conservação (UC) e terras indígenas, causando crimes hediondos contra os direitos indígenas. As empresas possuem diversos compromissos ambientais, porém, na prática, fecham os olhos para os impactos causados pelo garimpo.
O processo de colonização no Brasil, durante os séculos XVII e parte do XVIII, despontou a mineração como principal atividade econômica no país. O movimento dos bandeirantes paulistas impulsionou a busca por ouro, ervas, plantas e escravizados indígenas como forma de abrir novos caminhos para a integração do território nacional. Com o descobrimento de ouro e diamante no país, se deu início ao chamado Ciclo do Ouro, período que representou a intensa atividade extrativista de ouro na região de Minas Gerais e que atraiu milhares de garimpeiros em busca de riquezas na região.
Alguns anos depois, no Estado Novo de Getúlio Vargas, a partir de 1937, houve um projeto de integração nacional que buscava dar lotes de terras para pessoas pobres da região do Nordeste com o intuito de realizarem agricultura familiar, no entanto, a intenção do projeto não ocorreu como se imaginava. Os latifúndios existentes nessas regiões não se desarticularam e mantiveram-se contra o desenvolvimento do projeto, além de que, muitos garimpeiros migravam para a região pela corrida pelo ouro, já que se acreditava que essas terras pudessem guardar um Eldorado brasileiro.
Com o avanço da tecnologia, as técnicas de exploração de minerais nas minas remotas da região amazônica foram facilitadas, os garimpeiros dispondo de rádios, aviões, retroescavadeira e outros mecanismos passaram a explorar ainda mais os minérios (IMAZON, 2013). A chegada desse novo fluxo migratório, representou um desequilíbrio socioambiental na região, assim como se teve o aumento da proliferação de doenças de não indígenas para os povos que ali viviam.
Sob esta perspectiva, as consequências da atividade exploratória ainda são sentidas em diferentes graus nas regiões que abrigam o bioma amazônico e hoje, o garimpo ilegal se tornou uma das atividades mais lucrativas existentes, junto a outros crimes ambientais que formam um vasto mercado ilegal de destruição e morte por onde passam.
Nesse seguimento, segundo dados realizados pelo MapBiomas (2021), a atividade garimpeira, feita de forma ilegal, triplicou sua área de atuação na Amazônia, no qual se observa que seus grandes avanços se localizam em terras indígenas e em unidades de conservação. Este avanço faz parte de um lobby milionário do garimpo, composto por empresários e figuras políticas que apoiam a legalização da mineração em terras indígenas e que vendem minérios, principalmente o ouro, para países de fora e para grandes multinacionais (GÁMEZ, 2021).
Em documentos obtidos pelo Repórter Brasil, confirmou-se que os gigantes da tecnologia como Apple, Microsoft, Amazon e Google, compraram entre 2020 a 2021, ouro de diversas refinadoras, entre elas a italiana Chimet, investigada pela Política Federal por ser um dos destinos do minério extraído de garimpos clandestinos da Terra Indígena Kayapó, e a brasileira Marsam, fornecedora acusada pelo Ministério Público Federal de provocar danos ambientais por conta de ouro ilegal (CAMARGOS, 2022).
A transparência da cadeira do ouro é tão precarizada que o minério extraído clandestinamente de terras indígenas pode terminar em joias ou em filamentos eletrônicos de celulares, tablets, computadores e câmeras fotográficas, graças a fragilidade das leis brasileiras.
Apesar dos órgãos investigadores brasileiros terem provas de que Chimet e Marsam compraram, de maneira indireta, o minério extraído ilegalmente, as duas refinadoras são certificadas e consideradas “aptas” a vender nos Estados Unidos e na Europa. Enquanto os conflitos na Amazônia se agravam por conta do garimpo ilegal e suas consequências as gigantes de tecnologia lucraram, juntas, US$ 74 bilhões somente no quarto trimestre de 2021 e parecem não se preocupar com a real origem do ouro que utilizam (CAMARGOS, 2022).
Outro exemplo a ser citado é as violações feitas pela Vale, terceira maior mineradora do mundo, que tem seu trajeto marcado pelas tragédias de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019, os dois maiores desastres ambientais de mineração que ocorreram no país.
O primeiro aconteceu sob responsabilidade da empresa Samarco, controlada pela Vale, em que uma barragem no munícipio de Mariana se rompeu e provocou uma enxurrada de lama tóxica, que dizimou o distrito de Bento Rodrigues e deixou 19 mortos, além de devastar a bacia hidrográfica do Rio Doce, matar a vida aquática e acabar com a subsistência de milhares de pessoas. O segundo, sob responsabilidade da Vale, causou a morte de 272 pessoas e três desaparecimentos e espalhou resíduos de minério por toda a bacia do Rio Paraopeba (CÂMPERA, 2019).
O que essas empresas têm em comum? Elas representam o principal vetor de poder mundial e seu controle se mantém através das esferas políticas, econômicas e culturais dentro de um sistema econômico que beneficia uma minoria, enquanto subjuga a maioria (DOWBOR, 2017). E o que esses casos representam? Uma das facetas mais cruéis e atrozes do sistema capitalista que avança sob os biomas e seus povos com atividades de cunho exploratório e predatório, feitas de forma ilegal e muitas vezes, com o aval do governo brasileiro.
O avanço do garimpo ilegal é resultado da falta de fiscalização, omissão das autoridades, leis frágeis e vulnerabilidade das áreas exploradas. Dessa forma, Aiala Couto destaca que “o desenho atual para a região amazônica é um desenho neoliberal na sua essência […] que demonstra a tentativa de legitimidade de um modelo de desenvolvimento de caráter predatório e capitalista que avança sob a região” (PAJOLLA, 2022).
A complexidade amazônica monta o cenário perfeito para a atuação de grandes redes do crime organizado que atuam lado a lado com o Estado brasileiro em atividade interligadas que movimentam uma gigantesca economia ilegal na região e que ficam impunes de quaisquer responsabilidades sob esses crimes.
Portanto, é necessário o estabelecimento de um novo paradigma de governança na região, no qual haja fiscalização e leis concretas acerca do garimpo ilegal e da participação de multinacionais e do próprio Estado como incentivador da prática criminosa. É necessário ter consciência real de que a Amazônia é vital para o desenvolvimento do Brasil, não apenas com a manutenção da floresta, mas também, com o fomento às comunidades, promovendo avanços sociais e econômicos sem propiciar atividades predatórias que deixam entre seus rastros, destruição e morte.
Diante da temática exposta, recomendamos dois documentários, o primeiro se chama “O vazio que atravessa” (2022), dirigido pelo jornalista Fernando Moreira e dedicado as vítimas da tragédia de Brumadinho que esse ano, completou quatro anos. Através do longa, somos confrontados com o vazio psíquico que tomou parentes e amigos dos que pereceram no desastre que continua impune. O longa termina com a resposta habitual que a Vale utiliza, quando questionada sobre as causas da tragédia e a impunidade que prevalece até hoje: as vítimas estão sendo assistidas. Ele não se encontra disponível para ser assistido online, porém, é possível verificar nas redes sociais do documentário, as datas de sua exposição em plataformas digitais.
O segundo se chama “Rio de Lama” (2016), feito em Realidade Virtual e assinado por Tadeu Jungle. O longa retrata os escombros da vila Bento Rodrigues em contraposição com a memória afetiva de seus antigos moradores. Está disponível para ser assistido no Youtube, através do link a seguir:
< https://www.youtube.com/watch?v=7zQZqqSkJq0&ab_channel=RIODELAMA%2FRIVEROFMUD >
Além disso, recomendamos a leitura do livro “Arrastados: os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, o maior desastre humanitário do Brasil” (2022) da jornalista Daniela Arbex. A autora foi a campo para reconstituir em detalhes as primeiras 96 horas após o colapso e entrevistou sobreviventes, familiares das vítimas, bombeiros, médicos-legistas, policiais e moradores das áreas atingidas. O livro também apresenta fotografias que ajudam a dimensionar e humanizar a tragédia, ajudando na construção de memórias sobre a catástrofe para que ela não se perca na banalidade do noticiário cotidiano. Está disponível para a compra no site da Amazon e da Livraria da Vila, através dos links a seguir:
< https://www.amazon.com.br/Arrastados-Bastidores-Rompimento-Brumadinho-Humanit%C3%A1rio/dp/6555605642 >
Por fim, destacamos o trabalho feito pelo Observatório da Mineração, fundado em 2015 pelo jornalista Maurício Angelo. É um centro de jornalismo investigativo, análise crítica, pesquisa e mentoria sobre a mineração, as violações socioambientais, a crise climática e transição energética, as relações políticas e o lobby do setor mineral. Para mais informações sobre, acesse:
Site: < https://observatoriodamineracao.com.br/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/obsmineracao/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/observatoriodamineracao >
Twitter: < https://twitter.com/obsmineracao >
REFERÊNCIAS
CAMARGOS, Daniel. Exclusivo: Apple, Google, Microsoft e Amazon usaram ouro ilegal de terras indígenas brasileiras. Repórter Brasil. Publicado em: 25 de julho de 2022. Disponível em: < https://reporterbrasil.org.br/2022/07/exclusivo-apple-google-microsoft-e-amazon-usaram-ouro-ilegal-de-terras-indigenas-brasileiras/ > Acesso em: 21 de abril de 2023.
CÂMPERA, Francisco. Vale, exemplo mundial de incompetência e descaso. El País Brasil. Publicado em: 28 de janeiro de 2019. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/27/opinion/1548547908_087976.html > Acesso em: 21 de abril de 2023.
Climainfo. As grandes marcas por trás da expansão do garimpo na Amazônia. Publicado em: outubro, 2021. Disponível em: <https://climainfo.org.br/2021/10/29/as-grandes-marcas-por-tras-da-expansao-do-garimpo-na-amazonia> Acesso em: 21 de abril de 2023.
DOWBOR, Ladislau. A era do Capital Improdutivo: a nova arquitetura do poder, sob dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Autonomia Literária, 2017. Acesso em: 21 de abril de 2023.
Empresas dos EUA são ‘cúmplices’ de desmatamento e abusos na Amazônia, diz Amazon Watch. CORREIO BRASILIENSE, Distrito Federal. Publicado em: outubro, 2020. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2020/10/4884989-empresas-dos-eua-sao-cumplices-de-desmatamento-e-abusos-na-amazonia-diz-amazon-watch.html> Acesso em: 23 de abril de 2023.
GÁMEZ, Luna. O rastro de destruição do mercado ilegal de ouro brasileiro. El País Brasil. Publicado em: 08 de outubro de 2021. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2021-10-08/o-rastro-de-destruicao-do-mercado-ilegal-de-ouro-brasileiro.html > Acesso em: 21 de abril de 2023.
Imazon. Impactos da Garimpagem de Ouro na Amazônia (n° 2). Publicado em: Julho, 2023. Disponível em: <https://imazon.org.br/impactos-da-garimpagem-de-ouro-na-amazonia-n-2/>Acesso em: 21 de abril de 2023.
MapBiomas – Área ocupada pela mineração no Brasil cresce mais de 6 vezes entre 1985 e 2020. Publicado em: agosto, 2021. Disponível em: < https://mapbiomas.org/area-ocupada-pela-mineracao-no-brasil-cresce-mais-de-6-vezes-entre-1985-e-2020 > Acesso em: 22 de abril de 2023.
PAJOLLA, Murilo. Banditismo, necropolítica e lucro a qualquer custo: a Amazônia virou uma terra sem lei? Brasil de Fato. Publicado em: 22 de junho de 2022. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2022/06/22/banditismo-necropolitica-e-lucro-a-qualquer-custo-a-amazonia-virou-uma-terra-sem-lei > Acesso em: 22 de abril de 2023.