Murilo Lopes (acadêmico do 1º semestre de RI da UNAMA)

Em 2021, militares do Mianmar orquestraram um golpe contra o governo civil, eleito no ano anterior. Abruptamente, as lideranças da Liga Nacional pela Democracia (LND) – partido civil de maior força política no país – acusadas de fraude nas eleições pelos representantes do exército, foram destituídas do governo e levadas a encarceramento.

Entretanto, o recente golpe que levou as forças armadas ao poder não foi uma grande surpresa, haja vista o próprio caráter contraditório que assumiu o processo de redemocratização do país asiático, após 23 anos de ditadura (1988-2011). Isso porque, mesmo com a elaboração de uma nova constituição no ano de 2008, a formalização de uma democracia em 2011, e as eleições nos anos seguintes, não houve uma efetiva punição pelos crimes do regime repressivo. Se optou por uma via conciliatória, relembrando o pacto de esquecimento, vivido no Brasil, no período pós-ditadura (MACIEL, Camila. 2021).

Sendo assim, os breves 10 anos de democracia formal (2011-2021), foram constantemente ameaçados, pela garantia constitucional da implementação de um Estado de Emergência, pelas forças armadas, a posse de cadeiras fixas do parlamento por parte dos militares, e a necessidade de parte dos ministérios serem geridos pelos mesmos. Ou seja, o golpe de 2021 não passou de uma atitude para salvaguardar ao exército a manutenção de seu poder, sem as “ameaças” das vitórias eleitorais consecutivas de forças democráticas (mesmo que conciliatórias e contraditórias) (MARIN, Pedro. 2021).

Com a derrubada do governo – parcialmente – civil, a população foi chamada às ruas, por parte dos congressistas que apoiavam a continuação do processo de tímidas reformas, do período pós-ditadura. Os protestos, que contaram com a presença de milhares de indivíduos, exigiam a volta da conselheira de estado Aung San Suu Kyi, pertencente à Liga Nacional pela Democracia, e a saída imediata dos militares do poder do Estado, de maneira pacífica. Apesar disso, o exército do país não hesitou em fazer uso da violência de tropas de choque, e até mesmo, de atiradores de elite, contra sua própria população, causando mortes em meio aos primeiros dias de manifestações (G1. 2021).

Em meio a generalização da repressão, a sociedade civil passou a radicalizar o enfrentamento à ditadura, de tal forma, que jovens urbanos do país estão deixando suas casas, para se unir às milícias armadas e outras forças paramilitares de resistência no campo. Dessa maneira, organiza-se um poder paralelo ao Estado do Mianmar, passando a controlar regiões agrárias do país e mobilizando o campesinato , a juventude e outros setores sociais, contra o golpe militar (EBBIGHAUSEN, Rodion. 2022).

Entre os grupos de resistência, um dos que mais se destaca no enfrentamento armado, é a Força de Defesa do Povo, fundado em 2021, logo após a tomada do poder, por parte de representantes do governo eleito anteriormente, que já não enxergavam uma saída no processo democrático formal.

Entretanto, não há apenas o grupo armado do antigo governo na disputa política, haja vista, a insurreição de organizações também militarizadas de minorias étnicas do Myanmar,. As quais, sempre estiveram na mira da violência arbitrária das forças de repressão do país asiático, seja no regime militar, ou no governo de coalizão civil. A exemplo disso, há o caso do grupo étnico Rohingya – população muçulmana e de língua própria, que distingue da maioria budista residente do Myanmar -, o qual sofreu com a exclusão do programa vacinal durante a pandemia de COVID-19, vivenciando um caso de limpeza étnica reconhecido internacionalmente por organizações defensoras dos Direitos Humanos (KYED, Helene Maria. 2021).

Sendo assim, atualmente, o Myanmar vive um processo de ebulição social, que não caminha para uma solução pacífica, mas sim, em direção ao agravamento da já estabelecida guerra civil, originada não unicamente pelo golpe de 2021, mas pelo acúmulo de poder dos militares, durante décadas de conciliação entre representantes democráticos e ditatoriais. Além do estado de intolerância e perseguição étnica, existente desde a constituição da nação. Portanto, a resolução das contradições nacionais estão direcionadas a uma transformação brusca e, infelizmente, violenta.


Referências:


EBBIGHAUSEN, Rodion. ROHIGYAS CONTINUAM SEM PERSPECTIVAS DE
VOLTAR A MIANMAR.
Deutsche Welle, 2022.
G1. ENTENDA O GOLPE MILITAR EM MIANMAR. G1, 2021.
KYED, Helene Maria. THE MILITARY JUNTA IN MYANMAR WEAPONIZES COVID-19 AGAINST ITS OPPONENTS. Danish Institute for International Studies, 2022.
MACIEL, Camila. GOLPE EM MIANMAR: EXÉRCITO ALEGA FRAUDE ELEITORAL E PRENDE PRESIDENTE E NOBEL DA PAZ. Brasil de Fato, 2021.
MARIN, Pedro. O GOLPE MILITAR EM MIANMAR. Revista Opera, 2021.