
Lara Victoria Araujo Lima – acadêmica do 5° semestre de Relações Internacionais da Unama
A vinculação entre religião e Relações Internacionais vem sendo cada vez mais observada, porém pouco discutida. Essa relação vem desde as civilizações antigas, ganhando força no período medieval entre os séculos X e XV, onde a igreja tinha o maior poder dentro do Estado, não só o poder religioso, mas tinha um poder material. Parte dos territórios feudais eram controlados pela igreja, nessa época possuir terras significava obter riqueza e poder político. No feudalismo, a sociedade era organizada em um formato militar e uma das grandes funções desempenhadas pela igreja foi lutar para manter a paz e a ordem.
Com a Reforma Protestante, em 1517, foram desencadeados uma série de conflitos entre católicos e protestantes, como por exemplo a guerra dos trinta anos (1618-1648), onde o poder papal não conseguiu manter a ordem e a paz. A guerra só teve fim com o “Tratado de Westfália” em 1648, também conhecido como tratado de Münster e Osnabruck, que encerrou a guerra dos trinta anos e trouxe paz. É considerado que, a partir do tratado de Westfália, as RI seguiu sob a óptica da racionalidade, tendo como ator unitário e soberano, o estado.
No séc XVIII, com a Revolução Francesa e a utilização da razão, a premissa de que o Estado e a religião são como uma instituição homogênea, vai ser desconstruída, e a religião vai ser colocada em segundo plano no sistema político internacional. Assim sendo marginalizada durante décadas, somente em 1980 e 1990, vão começar a inserir a religião nos estudos de Relações Internacionais.
O filósofo Maquiavel, em seu livro “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio” de 1531, irá articular sobre a temática da religião como instrumento político útil, quando a razão não é suficiente para persuadir o povo, recorremos à religião, que traz o sentimento de amor, respeito às leis, à pátria e a devoção pelo divino. É válido lembrar que o pensador não recomenda ao governante utilizar a religião em uso de benefício próprio. Mas respeitá-la, mesmo não crendo, fazendo dela uma boa estratégia de ordem civil.
Em síntese, os conflitos étnico-religiosos, vem ganhando espaço na ordem geopolítica mundial. Como o atentado às Torres Gêmeas, em 2001, símbolo de poderio dos Estados Unidos, organizado por Osama Bin Laden e pelo grupo radical Islamismo Al-Qaeda. Esse atentado foi denominado pelos EUA, como “Guerra ao Terror”, sob o comando do presidente George Bush, do partido republicano, que usou a religião como instrumento político. Os norte-americanos bombardearam o Afeganistão e invadiram o Iraque, países esses que professam a fé Islâmica, Bush sempre detinha seu discurso “A luta do bem contra o mal” dando referência a americanidade da religião civil nos Estados Unidos, demonizando o inimigo. Em 2004 Bush, utilizando de um forte discurso de conservadorismo religioso, conseguiu se reeleger.
Vale destacar também, a atuação do Vaticano no decorrer da Guerra Fria e na queda do Regime Soviética. No país a soberania é exercida pela Santa Sé e sua autoridade máxima é o papa, que dispõe de um poder que vai além da influência cultural e religiosa, transcendendo as fronteiras geográficas, tendo um grande número de fiéis e dioceses espalhadas pelo mundo. No ano de 2010, é notória a influência religiosa do Vaticano, no segundo turno das eleições brasileiras para presidente, que foi marcado por um debata moral sobre a questão do aborto, principalmente entre eleitores religiosos. O Papa Bento XVI advertiu aos bispos brasileiros, que estavam no Vaticano, que orientassem os fiéis, a votarem em candidatos imiscuídos com o respeito absoluto à vida.
Sob o enfoque da teoria dos jogos de dois níveis, criada em 1980, por Robert Putnam. O autor tece críticas às teorias estatocêntricas, porque elas desconsideram em suas análises, os processos, conflitos e a conjuntura de grupos de interesses da política doméstica, que influenciam diretamente na tomada de decisão da política externa. Essa influência se dá através da esfera nacional, denominada de nível II, composta por grupos que perseguem seu interesse, pressionando o chefe de estado a adotar políticas favoráveis, um exemplo são as organizações e instituições religiosas, que buscam seus interesses baseados nos princípios de suas crenças. Exercendo influência direta no âmbito internacional, denominada de nível I, composto por governos nacionais que buscam satisfazer as pressões domésticas, para obter um Win-Sets, ou seja, conjunto de vitórias.
Em face do exposto, vislumbramos que as origens dos conflitos e guerras atuais, existentes na história das Relações Internacionais, se dão pelas diferentes formas de práticas e crenças religiosas. As religiões como budismo, protestantismo, hinduísmo, islamismo, catolicismo, judaísmo e várias outras, sofrem com divisões religiosas, que muita das vezes transcendem continentes. A violência não se dá somente por cunho religioso, mas também por embates ideológicos e doutrinários, que influenciam diretamente na política, economia, raça e etnias do mundo.
Referências:
A SEPARAÇÃO DO ESTADO E DA IGREJA PARA O BEM DO DIREITO: UMA ANÁLISE JURÍDICA FUNDAMENTADA NO CONTEXTO HISTÓRICO. mbito Jurídico, 2008. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-separacao-do-estado-e-da-igreja-para-o-bem-do-direito-uma-analise-juridica-fundamentada-no-contexto-historico/. Acesso em: 04 abr 2023
CAMPOS E GALINDO, Marcio Antônio e Rogério Waldrigues. Bento XVI defende ação política da Igreja contra o aborto, Gazeta do Povo, 2010. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/eleicoes/2010/bento-xvi-defende-acao-politica-da-igreja-contra-o-aborto-0s9ak98uver2fjlo5qbwj0fv2/. Acesso em: 05 abr 2023
CORRÊA, Alessandra. ‘Nossa religião também foi sequestradas’, diz líder islâmico sobre 11/09. BCC NEWS Brasil, 2011. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/09/110909_11setembro_muculmanos_ac_versao_cluster. Acesso em: 05 abr 2023
O QUE FOI A REFORMA PROTESTANTE. Portas Abertas, 2022. Disponível em: https://portasabertas.org.br/artigos/o-que-foi-a-reforma-protestante. Acesso em: 04 abr 2023
SABOLESKI, Josete. A RELIGIÃO COMO INSTRUMENTO FORMADOR E MANTENEDOR DO ESTADO EM MAQUIAVEL. UFG, 2011.
SANTOS, Alberto Pereira. GEOGRAFIA, TURISMO, RELIGIÃO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA INTRODUÇÃO ACERCA DAS INTERFACES TEÓRICAS. UERJ, 2014. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/view/18909. Acesso em: 03 abr 2023
SILVA, Daniel Neves. Atentados de 11 de setembro. HISTÓRIA do Mundo. Disponível em: https://m.historiadomundo.com.br/amp/idade-contemporanea/11-de-setembro.htm. Acesso em 05 abr 2023
HARTMANN E JUNIOR. Gabriel Henrique e Renê Carlos. O VATICANO COMO UM ESTADO SUI GENERIS: APONTAMENTOS SOBRE
SUA FORMAÇÃO E O SISTEMA JURÍDICO, 2018. Disponível em: https://publicacoeseventos.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia/article/view/9038/7741. Acesso em 05 abr 2023
PUTNAM.Robert. TEXTO DIPLOMACIA E POLÍTICA DOMÉSTICA: A LÓGICA DOS JOGOS DE DOIS NÍVEIS. UFPR, 2010.