
Camila Neris – acadêmica do 5° semestre de RI da UNAMA
Recentemente foi aprovado no parlamento ugandense projeto de lei que prevê prisão perpétua e até pena de morte para pessoas que pratiquem atos LGBT (CNN). Segundo Nagamine (2014), É possível analisar o contexto político por trás da decisão através da vertente do construtivismo, uma vez que não se pode negar a influência de duas redes de ativismo transnacional: uma na defesa dos direitos desse grupo e outra que se articula para a criminalização destes.
A teoria da rede de ativismo transnacional, elaborada por Keck e Sikkink (1999), analisa os níveis e formas de articulação em favor da defesa de uma causa. O advocacy é a configuração mais informal de articulação, se caracteriza por ser um espaço de compartilhamento de valores, informações e discursos. Ele é mais comum de acontecer onde não há comunicação do grupo doméstico com o seu Estado, seja por inexistência de um canal de comunicação entre eles, ineficiência ou negligência em atender determinada demanda.
As redes de advocacy possuem táticas recorrentes para conseguir galgar seus objetivos. Se tornar um veículo de comunicação confiável e ágil para divulgar as informações, cobrar atores poderosos para se posicionar a respeito da causa e chamá-los a se envolver na situação, funcionando como uma alavanca, ou política de leverage, que pode ser material, através do repasse de recursos financeiros, ou moral, demonstrando apoio e cobrando de outros atores um posicionamento. (KECK; SIKKINK, 1999)
As autoras definem duas formas mais comuns de interação transnacional nesse tipo de situação. O “efeito bumerangue” se trata da articulação em rede com núcleo em diferentes lugares para que estes cobrem seus Estados ou até mesmo organizações internacionais a cobrarem, por sua vez, o governo alvo da rede. O efeito espiral é quando o Estado passa a incorporar normas internacionais que dizem respeito à demanda, de forma que permite gerar novas movimentações nas estruturas internas.
Como a teoria é da vertente construtivista, acredita que as redes são também espaços para produzir o debate na sociedade, pois a mudança somente se efetiva a partir da sua aderência ou simpatia à causa. Para promover esse envolvimento com a sociedade, é feito o frame, o diagnóstico de uma problemática na sociedade e proposta de solução, a partir disso é feito o framing, o processo de construção de significados aos acontecimentos, trazendo sua interpretação e situando participantes, opositores e observadores, é uma forma de mobilizar as pessoas e convidá-las a aderir à causa.
Durante o decorrer dos anos 2000, foi identificado que a homofobia presente em Uganda estava fortemente atrelada a ação de igrejas e líderes religiosos. Porém, foi na Conferência de Lambeth de 1998 que reuniu cristãos anglicanos ugandenses, norte-americanos e de outros países da África que definiram a condenação efetiva da homossexualidade, dando início a uma rede de ativismo transnacional voltada a criminalização de práticas homossexuais na Uganda. Em 2014 chegou ao parlamento o projeto de prisão perpétua e pena de morte para aqueles que praticassem ou influenciassem a homossexualidade.
Os primeiros grupos de proteção e promoção dos direitos LGBT criados em Uganda, surgiram por volta de 2000, voltados à prevenção da AIDS e reconhecimento da cidadania. No entanto, a proporção transnacional se deu apenas após o episódio envolvendo a prisão arbitrária de dois ativistas LGBT e a morte de um deles, levando a International Gay Lesbian Rights Comission (IGLHC) a publicar uma nota escrita por uma ONG ugandense expondo a situação do país. A repercussão obteve rápido impacto internacional, de modo que Estados Unidos se movimentaram para pressionar demais países a retirarem recursos financeiros de Uganda, barrando o citado projeto de 2014. (NAGAMINE, 2014).
Portanto, a aprovação pelo parlamento do projeto de criminalização de atos homossexuais em 2023 se reflete como resultado da articulação a nível internacional de políticos conservadores, religiosos e grupos privados. Apesar do cenário, não há como negar o impacto da rede de ativismo pró-LGBT em Uganda, na projeção internacional e na exposição de crimes de perseguição. Ambos os movimentos se mostram altamente dependentes de fatores diversos na política internacional e interesses vigentes.
REFERÊNCIAS
KECK, Margaret E.; SIKKINK, Kathryn. Redes de advocacia transnacionais na política internacional e regional. Revista internacional de ciências sociais , v. 51, n. 159, pág. 89-101, 1999.
NAGAMINE, Renata. R. V. K. Os direitos de pessoas LGBTI em Uganda: redes transnacionais de advocacy e a lei anti-homossexualidade. Lua Nova. Revista de Cultura e Política, p. 273-302, 2014.
MADOWO, Larry. NICHOLLS, Catherine. Uganda parliament passes bill criminalizing identifying as LGBTQ, imposes death penalty for some offenses. CNN news. Disponível em <https://edition.cnn.com/2023/03/21/africa/uganda-lgbtq-law-passes-intl/index.html> Acesso em 01 de abril de 2023.