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A prática de formas contemporâneas de escravidão é uma problemática muito presente na América Latina, mesmo com os compromissos assumidos pelos países na ONU e na OIT de erradicar a escravidão. A exploração de mão de obra por meio da coerção é fomentada pela vulnerabilidade econômica na região, muitas vezes envolvendo a migração de pessoas menos favorecidas em busca de melhores oportunidades de trabalho. Desse modo, faz-se necessário compreender os fatores que contribuem para o aumento da vulnerabilidade, assim como elucidar os desdobramentos internacionais do combate às formas contemporâneas de escravidão.
A escravidão contemporânea é um conceito que se aplica a diversas formas de exploração pautadas no controle profundo exercido sobre um indivíduo, incluindo práticas como – trabalho forçado, servidão, exploração sexual e tráfico de pessoas. Variáveis como altas taxas de desemprego para trabalhadores pouco qualificados, que necessitam de trabalho para garantir a própria sobrevivência são determinantes para tornar uma pessoa mais vulnerável à escravidão contemporânea. Outrossim, fatores como a instabilidade social, política e corrupção também alimentam as práticas de formas contemporâneas de escravidão. (RANGEL, 2020)
Além disso, há de se destacar a busca por melhores condições de vida, uma vez que muitos empregadores se aproveitam disso para atrair trabalhadores, muitas vezes trazendo-os de outras regiões, para situações coercitivas de trabalho, muito diferente do que haviam prometido (Ibid.).
No Brasil, o caso deflagrado em Bento Gonçalves demonstra essa dinâmica, uma vez que a maioria dos empregados haviam sido transportados da Bahia para a Serra gaúcha, onde foram submetidos à práticas como “atrasos nos pagamentos dos salários, violência física, longas jornadas de trabalho e oferta de alimentos estragados” (G1, 2023, online). Ademais, a prática de formas contemporâneas de escravidão no Brasil já causaram constrangimentos internacionais, como a condenação por tolerar formas modernas de escravidão na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2016 (EL PAÍS, 2016, online).
No restante da América Latina, a escravidão também segue sendo um problema muito grave. Uso de mão de obra escrava vinda do Peru e Bolívia para o setor têxtil da Argentina e exploração sexual em minas de ouro na Colômbia e no Peru estão entre as práticas relatadas e denunciadas na região (RANGEL, 2020 p.50 e 52). Neste sentido, é importante destacar que fatores como o impacto da pandemia de COVID-19, bem como as crises políticas em países como o Peru, Haiti e Nicarágua podem agravar o quadro da escravidão na América Latina.
Aliado a isso, pode-se afirmar que a escravidão contemporânea exemplificada é uma forma de manutenção sistemática do colonialismo e dos padrões de poder baseados na exploração do capital-trabalho que se sustenta a hegemonia capitalista e sustenta fortemente as problemáticas econômicas latinoamericanas. Na visão de Aníbal Quijano, sociológico peruano, o atual padrão de poder mundial é:
“ o primeiro em que cada um dos âmbitos da existência social estão articuladas todas as formas historicamente conhecidas de controle das relações sociais correspondentes, configurando em cada área um única estrutura com relações sistemáticas entre seus componentes e do mesmo modo em seu conjunto. (…) é o primeiro em que cada uma dessas estruturas de cada âmbito de existência social, está sob a hegemonia de uma instituição produzida dentro do processo de formação e desenvolvimento deste mesmo padrão de poder. Assim, no controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, está a empresa capitalista; no controle do sexo, de seus recursos e produtos, a família burguesa; no controle da autoridade, seus recursos e produtos, o Estado-nação; no controle da intersubjetividade, o eurocentrismo. (..) cada uma dessas instituições existe em relações de interdependência com cada uma das outras. Por isso o padrão de poder está configurado como um sistema. (..) este padrão de poder mundial é o primeiro que cobre a totalidade da população do planeta.” (QUIJANO, 2005, p. 123)
Atrelando a ideia do padrão de poder atual de Quijano, com a explanação de Lenin (1916, apud SSARFATI, 2005, p. 115-119), que possui uma visão que pode ser implementada no contexto contemporâneo devido a exploração do capital-trabalho ser cíclica, pode-se confirmar que os capitalistas (padrão burguês atual) visam freneticamente o lucro, resultando em uma manutenção das práticas exploratórias do imperialismo e do colonialismo afetando majoritariamente os países emergentes e subdesenvolvidos (na visão econômica o eurocentrismo), onde consta a América Latina.
Dessa forma, pode-se perceber que as formas contemporâneas de escravidão na América Latina extrapolam os limites das fronteiras nacionais e aflige toda região, logo, o seu combate exige um esforço internacional, visando eliminar a prática em toda a região. Para erradicar o problema, além da investigação e punição dos que usufruem do trabalho escravo, é indispensável que os fatores que acarretam no aumento da vulnerabilidade econômica, como a pobreza, a instabilidade política e social também sejam tratados.
Referências
EL PAÍS. Brasil recebe a primeira condenação da CIDH por escravidão. EL PAÍS, 16 dez 2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/16/internacional/1481925647_304000.html. Acesso em: 11 mar 2023
G1. Empresário é preso por manter 150 trabalhadores em condições análogas à escravidão em Bento Gonçalves, diz polícia. G1, 23 fev 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/02/23/empresario-e-preso-por-manter-150-trabalhadores-em-condicoes-analogas-a-escravidao-em-bento-goncalves-diz-policia.ghtml. Acesso em: 11 mar 2023
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires, CLACSO – Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005.
RANGEL, Fernanda Cavalcante. Escravidão contemporânea na América Latina e no Brasil: uma abordagem econômica. 2020. 86 f. Tese (Doutorado em Ciências Econômicas) – Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo, Saraiva, 2005.