Yasmim Salgado Santa Brígida – Advogada membro da comissão de Relações Internacionais da OAB

Em fevereiro de 2023, o presidente dos Estados Unidos, Joseph R. Biden e o presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, reuniram-se para reafirmar a relação Brasil-EUA. Os dois líderes abordaram a prioridade urgente na cooperação para os seguintes assuntos: mudança climática; desenvolvimento sustentável e transição energética; combate ao desmatamento e à degradação; o fortalecimento da bioeconomia, das ações de adaptação e a promoção de práticas agrícolas de baixo carbono.

Nesse ínterim, reconheceram a liderança que o Brasil e os EUA podem desempenhar por meio da cooperação bilateral e multilateral. Tal relação se fundamenta na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC); no Acordo de Paris; na Iniciativa Conjunta sobre Mudança do Clima estabelecida em 2015, que criou o Grupo de Trabalho de Alto Nível Brasil-EUA sobre Mudança do Clima (GTMC), o qual voltará a se reunir. Os EUA anunciaram a intenção de fornecer recursos para programas de proteção e conservação da Amazônia brasileira, incluindo o apoio ao Fundo Amazônia.

Na sequência, o enviado especial dos Estados Unidos para o clima, John Kerry, foi recebido no dia 27 de fevereiro de 2023, no Palácio Itamaraty. Na ocasião, foram novamente debatidos temas mencionados anteriormente – relevantes para o relacionamento Brasil-EUA.

Em meio ao que está sendo debatido no mundo, o Brasil busca se reinserir numa pauta de interesse e relevância, cuja tradição diplomática era protagonista e respeitada internacionalmente. Nesse contexto, faz-se relevante o papel da diplomacia pública, a qual busca entender os interesses geopolíticos do momento, adequando prioridades da política externa. A diplomacia pública é a relação entre o país e a sociedade estrangeira; e um componente importante da diplomacia pública é a diplomacia cultural (cujo elemento político é imprescindível). 

Nesse ínterim, a diplomacia cultural é importante para a reinserção positiva do Brasil. Pois, esta está atrelada a qual associação se está atribuindo ao país. O elemento cultural pode ser uma ferramenta estratégica muito significativa se os agentes tomadores de decisão investirem em seu uso correto, visto que há retornos proveitosos. A percepção de poder de um país é associada aos seus recursos como, força econômica e militar, porém estudioso Nye (2004) explorou o conceito do Soft Power (“poder brando”) como sendo a capacidade de alcançar objetivos por meio de atração e persuasão. 

O Soft Power, fundamentado na credibilidade internacional, cultura e governança, busca o aumento de prestígio internacional. O Soft Power é um instrumento essencial para países influenciarem seu processo político nos países de seu interesse. O Soft Power gera o envolvimento afetivo com o público consumidor de conteúdo, ao estabelecer vínculos (pela identificação ou inovação) entre Estado exportador do conteúdo e o Estado receptor, assim, instauram-se as oportunidades para a cooperação entre sujeitos em diversos campos – fator de atração de interesses mútuos dos atores internacionais. 

Conforme o exposto, para adquirir Soft Power é necessário alcançar os principais canais de comunicação; ter credibilidade; projetar valores e ideias em consonância com os do sistema internacional (neste caso, ocidentais). Um excelente exemplo recente de Soft Power, proveniente da diplomacia cultural, que ajuda a capacidade do Brasil alcançar suas metas políticas (ao fazer com que outros países criem empatia e admiração por seus valores) foi o ocorrido em outubro de 2022. Sob o comando de Marin Alsop (regente de honra norte-americana), a OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) apresentou-se no Carnegie Hall em Nova York – uma das mais prestigiosas salas de concerto do mundo. Foi a primeira vez que uma orquestra sinfônica brasileira participou da temporada do Festival Internacional de Orquestras do Carnegie Hall. 

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo tornou-se parte indissociável da cultura paulista e brasileira, nessa apresentação de 14 de outubro, o repertório musical começou com Sheherazade (Rimsky-Korsakov), e seguiu tocando obras de Villa-Lobos, compositor brasileiro de renome na música erudita. No dia seguinte, a OSESP fez uma sessão extra, com o programa intitulado “Floresta Villa-Lobos”, acompanhado por uma instalação visual de Marcello Dantas. 

A escolha acertada do repertório demonstra a imagem do Brasil preocupado com sua biodiversidade, suas questões de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável, além da riqueza cultural original e criativa. Villa-Lobos, em suas composições, traz à vida a paisagem e as culturas indígenas do Brasil, vejamos os destaques de algumas obras tocadas nesta ocasião: o Prelúdio das Bachianas Brasileiras Nº 4 faz parte de um notável conjunto de poemas tonais que combinam com música folclórica brasileira – onde o terceiro movimento da obra explora o ritmo nordestino do baião de forma elegante; além dessa, o repertório incluiu o Choros nº 10, obra coral-orquestral que combina harmonia modernista com canção popular, percussão afro-brasileira e escalas indianas. 

Logo, o concerto “Floresta Villa Lobos” foi a oportunidade da principal orquestra nacional de tocar num dos mais relevantes palcos do mundo, foi usada para expor o repertório erudito nacional e consequentemente, abordar os valores que o país escolheu para se autodefinir e os temas de principal interesse dos EUA – e da comunidade internacional como um todo – em manter atualmente um diálogo com o Brasil. Pois afinal, o soft power na perspectiva da diplomacia cultural faz-se a partir daquilo que é conhecido para introduzir novas questões, e discutir temas relevantes, como é o caso da mudança climática, do desenvolvimento sustentável e do combate ao desmatamento.

REFERÊNCIAS

NYE JR, Joseph S. Soft Power: the means to success in World Politics. New York: PublicAffairs, 2004d.

EMBASSYEUA. “Declaração conjunta da reunião entre os presidentes Lula e Biden”. Embaixada dos EUA; Brasília. Disponível em:< https://br.usembassy.gov/pt/declaracao-conjunta-da-reuniao-entre-os-presidentes-lula-e-biden>acesso em 06.03.2023.

GOVBR.’Visita ao Brasil do Enviado Especial do Presidente dos EUA para o Clima, John Kerry”. Nota à Imprensa Nº 72; Ministério das Relações Exteriores. Disponível em:<https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/visita-ao-brasil-do-enviado-especial-do-presidente-dos-eua-para-o-clima-john-kerry&gt;,acesso em 06.03.2023. 

CONCERTO.  “Osesp fará concerto em outubro no Carnegie Hall”. Revista Concerto, São Paulo. Disponível em:<https://concerto.com.br/noticias/exterior/com-marin-alsop-osesp-fara-concerto-em-outubro-no-carnegie-hall&gt;, acesso em 06.03.2023.

CARNEGIEHALL. São Paulo Symphony Orchestra. Carnegiehall, New York. Disponível em:<https://www.carnegiehall.org/Calendar/2022/10/14/Sao-Paulo-Symphony-Orchestra-0800PM&gt;, acesso em 06.03.2023.