Mário Tito Almeida – professor doutor em Relações Internacionais (UnB)

A guerra entre Ucrânia e Rússia completa um ano. Na Síria já leva mais de uma década. No Iêmen, passa dos sete anos. No mundo, um grande número de conflitos armados vive, com durações diversas, este macabro aniversário. Cada dia de guerra representa um fracasso para a humanidade e, mais especificamente, para a mediação pacífica de conflitos e para a diplomacia.

Do ponto de vista conceitual, a guerra é um estado de conflito armado entre países ou diferentes grupos de um mesmo país. Guerra, portanto, é a violência em seu estado mais bruto e é geradora de um espiral cada vez mais denso de violência. Da guerra não pode nascer a paz, pois da morte (inclusive de inocentes e civis) não se alcança a vida.

O conflito entre Rússia e Ucrânia recebe maior destaque internacionalmente por não somente por envolver países centrais, mas também por ter camadas de complexidade que geram reverberações para o sistema internacional como um todo.

Para fazer um balanço desta guerra é preciso olhá-lo a partir de três níveis de análise: local, regional, global.

Numa perspectiva mais local, entende-se que o interesse da Rússia em manter o controle dos destinos da Ucrânia foi motivada pela ocupação de áreas cuja população é de maioria russa e, por isso, justificou-se a entrada nesses territórios para garantir sua segurança diante do governo pró-Ocidente de Zelensky. À luz da ocupação da Crimeia em 2014, os russos esperavam uma ocupação rápida, com ajustes posteriores de fronteiras e arcabouço jurídico. No entanto, isso não aconteceu especialmente pela forte resistência ucraniana. O que nos leva ao segundo nível de análise.

Por este viés, observa-se que o conflito entre Rússia e Ucrânia vai além das fronteiras dos dois países, alcançando os interesses hegemônicos regionais da Rússia e da OTAN na Europa. Esta, uma organização que reúne países do Ocidente que assinaram um Tratado de aliança para a segurança, nasce no contexto da guerra fria, mas continua mesmo após esse período e é liderada pelos EUA. Funcionando com braço de segurança e defesa na e da Europa, vem buscando aumentar seu poderio e seu alcance na região pela inclusão de novos membros, como a Ucrânia.

No entanto, a entrada da Ucrânia na OTAN representa para a Rússia como uma ameaça, pois aumentar a defesa bélica pode sempre indicar aumento da capacidade ofensiva. E isso a Rússia não aceita, pois sua doutrina militar sustenta que o Leste europeu é sua zona de influência geopolítica, na medida em que seu “destino manifesto” é garantir sua predominância nos países da região. Assim, o conflito ganhou ainda maior fôlego com a entrada da OTAN e seus aliados Europeus. É nesse contexto que se entende a possível entrada de Finlândia (e Suécia) na organização, já que ela faz fronteira com o norte da Rússia…

No âmbito mais global, o conflito deve ser compreendido também à luz das disputas entre as grandes superpotências pela hegemonia mundial. O crescimento da China na arena internacional, seja na área econômica, quanto na política e de segurança oferece uma chave de leitura para compreender as forças internacionais em questão. Ao EUA interessa mostrar sua força e dos seus aliados diante do avanço da China na Ásia e na Europa. Apesar do país asiático não estar diretamente ligado ao conflito, este background explica, de um lado,  os recentes movimentos do Presidente Biden (inclusive sua visita surpresa à Ucrânia) e, de outro, os discursos de Putin com afirmações contra o Ocidente e filo-orientais.

Um ano de guerra. Um ano de mortes, destruição, comércio intenso de armas, de discursos vazios, de semiótica violenta, da defesa de armas e de narrativas que justificam grupos neo-nazistas e comércio ilegal de armas.

É preciso que a comunidade internacional não desista da paz e que urgentemente sejam construídas pontes diplomáticas para que as pessoas estejam no centro dos interesses de todos e seus direitos sejam protegidos na Ucrânia, na Síria, no Iêmen e em todo lugar do planeta.