
Matheus Castanho Virgulino
Internacionalista
A violência, mais especificamente a violência sistêmica decorrente do crime organizado, é um fenômeno trágico e generalizado em toda a América Latina. Mas mesmo a violência do PCC ou dos senhores da cocaína colombianos empalidece em comparação com a brutalidade dos cartéis mexicanos e seu governo com mão de ferro em grande parte do país.
Desde a sua independência, o México tem sido dominado pela instabilidade econômica, social e política. Da Guerra Mexicano-Americana a inúmeras revoluções nos séculos 19 e 20, e políticas econômicas ruins que deixaram a nação em estado de pobreza, muitos passaram a chamar o México de “estado falido” (MINNS, 2023). No entanto, nenhum problema é mais insidioso ou difícil de lidar do que a presença cada vez maior dos cartéis de drogas que controlam o mercado internacional de drogas em grande parte da América do Norte. Pior ainda, é a corrupção e a fraca solidez institucional do Estado mexicano que o impedem de enfrentar adequadamente a questão.
Durante grande parte do século 20, o México, apesar de ser formalmente uma democracia, foi uma ditadura de partido único de fato liderada pelo Partido Revolucionário Institucional, que esteve no poder de 1929 a 2000. A relação do partido com os cartéis era de mútua não-interferência, pelo que foram autorizados a operar desde que não se intrometessem nos assuntos uns dos outros. Essa estrutura corrupta começou a entrar em colapso entre os anos 1970 e 2000, quando as pobres políticas econômicas do PRI levaram a um calote da enorme dívida da nação, o que levou a novos apelos à democracia (id.). No ano 2000, com a eleição de um presidente da oposição, foram levantadas as limitações e proteções impostas aos cartéis.
Nas décadas de 1970 e 1990, os Estados Unidos, juntamente com o governo colombiano, lançaram a “guerra às drogas” contra os cartéis de drogas colombianos que quebraram grande parte de sua influência. Isso permitiu que os cartéis mexicanos intensificassem e consolidassem sua presença no mercado, vendendo cocaína, heroína, maconha e metanfetamina no México e nos Estados Unidos além da fronteira. Com o enfraquecimento da capacidade do governo mexicano de combater os cartéis, eles passaram a se tornar uma verdadeira ameaça à segurança.
A situação atual começou em 2006, quando o presidente mexicano Felipe Cálderon declarou guerra aos cartéis com o apoio dos Estados Unidos, dando origem à “Iniciativa Mérida”, que surgiu como uma tentativa de desestabilizar o mercado de drogas. O número de cartéis aumentou devido a divisões dentro de grupos já existentes, e o nível de violência aumentou dramaticamente. Os cartéis agora se colocam em conflito direto com o Estado mexicano e, até agora, mais de 360 mil pessoas foram mortas em relação à guerra às drogas (id.).
A situação econômica precária do México significa que há um grande afluxo de novos recrutas para servir aos cartéis, e sua atividade aumentou em escopo para incluir sequestros, assassinatos políticos, armas ilegais e extorsão. Os grandes cartéis como o Sinaloa e os Los Zetas estabeleceram uma vasta rede logística de contrabando de drogas e controle de autoridades locais através dos estados do México e no resto da América Central (CFR, 2022). Os cartéis já se tornaram um problema sistêmico, com grandes territórios em todo o país sendo divididos entre eles, e com seu controle sobre a população prendendo-os em um sistema de tirania e violência.
De acordo com a teoria da paz de Johan Galtung (1969), o atual estado do México poderia ser caracterizado como uma ausência de paz negativa e positiva, pois a violência direta dos cartéis e suas causas estruturais e culturais permanecem sem solução. A violência torna-se um fato cotidiano da vida, de tal forma que se transforma em um fenômeno naturalizado. Uma nova abordagem começou com o atual presidente Manuel López Obrador que prometeu “abraços e não balas” em uma tentativa de reduzir a pobreza e salários como potenciais soluções (MINNS, 2023).
Os cartéis, no entanto, mostraram-se extremamente adeptos em se adaptarem às mudanças políticas e de se infiltrarem em novas áreas de atuação. Agora, os cartéis podem ser caracterizados como uma força de insurgência armada contra o Estado mexicano, devido ao seu poderio militar e controle direto de certos territórios. Para quebrar o poder dos cartéis, necessita-se não somente de uma ação militar efetiva mas também mudanças institucionais e estruturais profundas na sociedade mexicana.
Referências:
COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS (CFR). MEXICO’S LONG WAR: DRUGS, CRIME, AND THE CARTELS. Council on Foreign Relations, 2022. Disponível em: https://www.cfr.org/backgrounder/mexicos-long-war-drugs-crime-and-cartels
GALTUNG, Johan. VIOLENCE, PEACE, AND PEACE RESEARCH. Journal of Peace Research, Oslo, v. 6, ed. 3, p. 167-191, 1969.
MINNS, John. “HUGS, NOT BULLETS”: GOVERNMENT POLICY AND CARTEL VIOLENCE IN MEXICO. Australian Institute of International Affairs, 2019. Disponível em: https://www.internationalaffairs.org.au/australianoutlook/hugs-not-bullets-government-policy-and-cartel-violence-in-mexico/