
Lana Borges – acadêmica do 5° semestre de Relações Internacionais da Unama
O dia 11 de fevereiro foi o dia escolhido pela UNESCO para celebrar o dia das meninas e mulheres na ciência, visando dar destaque para as problemáticas da grande diferença que existe entre a quantidade de homens e mulheres na academia. Este é um tema complexo que se dá por diversas razões, sendo necessário abordar os desafios que mulheres enfrentam para entrar nas universidades e, claro, para permanecer e ascender na carreira.
Estas disparidades têm início na educação básica. Segundo um levantamento do Instituto Unibanco, feito a partir de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística) do ano de 2015, a porcentagem de mulheres entre 15 e 29 anos que não exercem atividade remunerada, não completaram o ensino médio e não estudam no Brasil é de 26%, contra 12,7% de homens na mesma situação (FERREIRA, 2018). Dentre as razões para tal, uma das principais é a questão das tarefas domésticas e cuidados com pessoas, que são declaradas como o motivo de 23% das brasileiras que não terminaram seus estudos, contra apenas 0,8% dos meninos (CERIONI, 2020).
Outro fator relacionado à evasão escolar das mulheres é a maternidade. Segundo estudos do Ministério da Educação com outras organizações, 18,1% das jovens brasileiras entre 15 e 29 anos apontam a gravidez como principal motivo para interromper os estudos, contra apenas 1,3% dos meninos na mesma faixa etária. Vale ressaltar que, de maneira qualitativa, a pesquisa também aponta que esta decisão está frequentemente relacionada a pedidos e sugestões do namorado ou marido (ZINET, 2016).
Dentro da Academia temos um cenário bem mais complexo. Segundo dados da UNESCO de 2020, apenas 30% dos cientistas do mundo inteiro são mulheres e, no Brasil, elas representam 40,3%. Porém, é importante ressaltar alguns pormenores desses dados. De acordo com um levantamento da plataforma lattes feito pelo Open Box da Ciência, as mulheres são maioria de pesquisadores nas áreas de ciência da saúde (57%), linguística e artes (53,7%); estão quase equiparadas em ciências sociais aplicadas (40,1%); porém são minoria em engenharias (26%) e ciências exatas (31,1%). Estes dados estão atrelados a questões culturais, uma vez que mulheres tendem a escolher profissões que sejam mais flexíveis em relação ao tempo, visando o cuidado dos filhos. Além disso, percebe-se que existem diferenças dentro da área da saúde, na qual as mulheres são maioria em áreas como pediatria e enfermagem, enquanto homens são a maioria dos cirurgiões, por exemplo (LEÃO, 2020).
Percebe-se que a participação feminina nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM – sigla em inglês) é muito inferior à masculina, o que é um dado preocupante uma vez que estas são as áreas mais promissoras no contexto atual de grandes transformações das profissões (TOKARNIA, 2022). Segundo o IPEA (Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade), apesar de as mulheres serem cerca de 54% dos estudantes de Doutorado no Brasil, elas enfrentam grandes dificuldades para ascender na carreira, sendo sub-representadas em posições de liderança, e recebendo remunerações mais baixas: são minoria na Academia Brasileira de Ciências e entre os beneficiários da Bolsa Produtividade (subsídio do governo aos cientistas mais produtivos).
Pode-se apontar como causa dessas diferenças a sobrecarga destas cientistas na esfera doméstica. Além de estarem mais propensas a abandonar a carreira por conta da licença-maternidade, elas também são mais responsabilizadas pelas tarefas do lar, executando em média 10 horas semanais a mais que os homens nestas atividades. De acordo com o Parent in Science (associação que estuda maternidade e paternidade no mundo da ciência), 81% das cientistas entrevistadas afirmam que a maternidade teve grande impacto negativo em sua carreira, afetando inclusive sua saúde mental.
A autora Silvia Federici explica essa discriminação através da idéia da Divisão Sexual do Trabalho. A autora aponta que, durante o processo de transição do Feudalismo para o Capitalismo, foi fundamental a construção e aprofundamento de uma ordem patriarcal que subjugasse a classe feminina e a colocasse meramente como reprodutora de mão de obra, de exército de reserva, de novos proletários. Para isso, foi fundamental sua exclusão do trabalho assalariado. Esse processo foi essencial para a acumulação de capital, relegando as mulheres a dependência financeira do marido, propiciando o surgimento da “dona de casa em tempo integral”, ao mesmo tempo que desvalorizou o cuidado das crianças e do lar, tornando-os atividades não remuneradas, que deixaram de ser consideradas trabalho, passando a ser vistos pela sociedade em geral como um papel natural, biológico e obrigatório às mulheres (ROSA, 2019).
Esta divisão se consolidou de tal forma que vemos esta ideologia presente nos estereótipos e preconceitos reproduzidos no seio familiar, nas escolas, no mercado de trabalho, na academia e em todos os demais âmbitos sociais até os dias atuais, o que explica o porquê as mulheres são as maiores responsáveis pelo cuidado com os filhos e pelas tarefas domésticas, fatores que atrapalham e dificultam seu desenvolvimento pleno no âmbito profissional. Além disso, estas problemáticas se acentuam quando analisamos os fatores classe e raça, tornando essas injustiças ainda mais gritantes.
Para que possamos superar esses problemas, é necessario primeiramente desconstruir estes preconceitos, começando pela educação infantil, evitando a separação de brincadeiras por sexo/gênero, dando espaço para que meninas brinquem com jogos mais educativos, que exercitem o pensamento crítico e despertem o espírito investigador, tornando-as mais interessadas nas ciencias, de maneira geral. Também é importante que o poder público entre com o suporte e a rede de apoio que é direito de toda mulher, ampliando o acesso às creches públicas, e que as mesmas sejam disponibilizadas próximo às escolas e universidades, facilitando a vida de mulheres mães.
Em resumo, o dia das mulheres e meninas na ciência serve para refletir e promover o debate acerca da participação feminina na academia, propondo resoluções para os problemas da exclusão e subrepresentação das mesmas nestes espaços, e buscando sempre anular estas desigualdades.
REFERÊNCIAS
FERREIRA, Lola. Meninas são mais do que dobro de meninos entre jovens fora da escola e sem atividade remunerada. Gênero e Número, 2018. Disponível em:https://www.generonumero.media/reportagens/meninas-sao-mais-do-que-o-dobro-dos-meninos-entre-jovens-que-nao-completaram-ensino-medio-e-nao-exercem-atividade-remunerada/ . Acesso em: 09 de fevereiro de 2023.
CERIONI, Clara. Gravidez, prostituição: evasão escolar de meninas traz perdas trilionárias. Exame, 2020. Disponível em: https://exame.com/brasil/gravidez-prostituicao-evasao-escolar-de-meninas-traz-perdas-trilionarias/ . Acesso em: 09 de fevereiro de 2023.
ZINET, Caio. Gravidez é responsável por 18% da evasão escolar entre meninas. Portal Geledés, 2016. Disponível em: https://www.geledes.org.br/gravidez-e-responsavel-por-18-da-evasao-escolar-entre-meninas/?gclid=CjwKCAiA0JKfBhBIEiwAPhZXD8bs8VgHkc07lLi8BN5W8jlTxBYMReTRSTK2h4XhGgneKGUzZz7H_BoCPT8QAvD_BwE . Acesso em: 09 de fevereiro de 2023.
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Mulheres são 40% dos pesquisadores do Brasil que declaram ter doutorado nas 5 maiores áreas de conhecimento, aponta levantamento. Fapes-PB, 2020. Disponível em: https://fapesq.rpp.br/noticias/mulheres-sao-40-dos-pesquisadores-do-brasil-que-declaram-ter-doutorado-nas-5-maiores-areas-de-conhecimento-aponta-levantamento#:~:text=O%20Brasil%20tem%20ao%20menos,40%2C3%25%20s%C3%A3o%20mulheres. Acesso em; 09 de fevereiro de 2023.
TORKANIA, Mariana. Mulheres são 46% do total de pesquisadores da América Latina e Caribe. Agência Brasil, 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2022-03/mulheres-sao-46-do-total-de-pesquisadores-da-america-latina-e-caribe. Acesso em: 09 de fevereiro de 2023.
Mulheres na ciência no Brasil: ainda invisíveis?. IPEA, 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/artigos/artigos/177-mulheres-na-ciencia-no-brasil-ainda-invisiveis. Acesso em: 09 de fevereiro de 2023.
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ROSA, V. de C. A DISCRIMINAÇÃO DO TRABALHO FEMININO A PARTIR DA DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO. Revista de Estudos Jurídicos da UNESP, [S. l.], v. 21, n. 33, 2020. DOI: 10.22171/rej.v21i33.2945. Disponível em: https://periodicos.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/view/2945. Acesso em: 9 fev. 2023.
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