Keity Oliveira e Lorena Carneiro – Acadêmicas do 5º semestre de RI da Unama

Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes, é o maior nome (EXAME, 2019), no Brasil e quiçá no mundo, quando se fala em luta para a preservação da floresta amazônica. Nasceu em Xapuri, no seringal Porto Rico, interior do Acre, já próximo à fronteira com a Bolívia, em 1944. Foi cria da floresta, sendo ela a sua base de subsistência e formação como cidadão e ativista, mesmo alfabetizado somente aos 16 anos de idade. Chico Mendes foi assassinado em 22 de dezembro de 1988, a mando do fazendeiro Darly Alves da Silva. A vida no seringal, junto à sua família, fez com que o jovem aprendesse desde cedo o valor da natureza e as injustiças cometidas em nome da sua exploração.

A extração de borracha na Amazônia sempre foi pautada em relações extremamente desiguais. O sistema de aviamento, cadeia econômica de fornecimento a crédito, ou seja, uma mercadoria em troca de outro produto (no caso, seringueiro entregando borracha x seringalista entregando produto industrializado), criou uma sociedade miserável e endividada. As tentativas de mudança na produção eram combatidas violentamente pelos donos dos seringais. Com a formação dos sindicatos na região e a convivência com alguns refugiados políticos, como Euclides Fernandes Távora (WWF, 2021), Chico começa a se articular politicamente em prol de benefícios para a sua comunidade, em especial ao que tange à propriedade das terras que usavam na extração da borracha.

Na década de 1970, com a crise do ciclo borracheiro e a política de ocupação da Amazônia, por meio da qual o governo federal oferecia as terras da região aos pecuaristas do Sul e Sudeste brasileiro, as comunidades locais, especialmente as do Acre, ficaram sem ter onde morar e muito menos tinham condições de sobrevivência. A venda dos seringais era feita às escuras, sem a participação popular e sem a preocupação do devido remanejamento. Era o início das grandes lutas fundiárias na Amazônia. O que importava para os “novos donos” era a destruição da floresta para a formação de pasto.

Foi nesse momento que a luta política de Chico Mendes e dos seringueiros toma força. Os “empates”, movimento de confisco a motosserras e barreiras humanas frente às árvores, defendido pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasiléia – STR, liderado por Wilson Pinheiro, foram criados e cada vez mais se tornaram o principal empecilho aos novos grandes proprietários de terras na Amazônia.

Em 1980, Wilson Pinheiro foi assassinado dentro da sede do sindicato. Foi a primeira resposta dos fazendeiros à luta dos seringueiros. Chico Mendes, em 1983, dá prosseguimento ao trabalho do sindicato (WWF, 2021), lutando pelos direitos dos seringueiros, pela preservação da floresta e pelo fim da ditadura.

A fim de consolidar sua luta, Chico Mendes filia-se ao MDB – Movimento Democrático Brasileiro e elege-se vereador por Xapuri. Com sua entrada no mundo político, consegue implementar vários projetos e dá visibilidade mundial ao problema que ocorria dentro da floresta. Em 1985, ele reúne, em Brasília, seringueiros, ribeirinhos, pequenos pescadores e quebradeiras de coco e forma a Aliança dos Povos da Floresta, onde a ideia principal era a criação de reservas extrativistas não-predatórias, reduzindo o desmatamento e gerando renda para as comunidades locais.

Chico Mendes internacionaliza a problemática da Amazônia quando participa de uma conferência do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, em 1987 (EXAME, 2019), expondo os impactos ambientais que a pavimentação da BR-364, Porto Velho-Rio Branco, traria à floresta. Diante dos fatos apresentados, o BID suspendeu o financiamento da obra e exigiu do governo brasileiro estudos dos impactos na região.

Paralelamente ao trabalho de denúncias, estudos e projetos de Chico Mendes para a Amazônia, crescia o desconforto dos proprietários de terras na área, especialmente em Xapuri, Acre. As ameaças de morte a ele e a todos os outros envolvidos na luta não paravam de chegar. Até que em 22 de dezembro de 1988, a caminho do banho, nos fundos de sua casa, Chico Mendes foi morto por Darcy Alves, filho de Darly Alves, fazendeiro e grileiro de terras. Chico Mendes passa de líder a uma ideia de Amazônia, tornando-se, assim, referência na luta pela preservação da floresta.

O episódio do assassinato de Chico Mendes produziu um efeito que repercutiu de forma imediata no mundo inteiro. A forte reação e pressão da opinião pública sobre o ocorrido, levou à condenação dos criminosos em 1990, fato que se tornou inédito na justiça rural no Brasil. Após 35 anos, o legado do seringueiro ainda ressoa em toda a Amazônia, no qual se tornou um verdadeiro mártir por ter lutado pela proteção da Bacia Amazônica e pelo desenvolvimento sem degradação ambiental.

Entre as principais heranças deixadas por Mendes, se destaca as Reservas Extrativistas, que segundo Lévi-Strauss (2003), se constituem como a melhor esperança para salvar a Amazônia, ao lado das Terras Indígenas. As reservas se transformaram na reforma agrária dos seringueiros, o qual se têm o reconhecimento de áreas florestais, ocupadas tradicionalmente por seringueiros e outros extrativistas, como áreas de jurisdição da União, com uso exclusivo dos seringueiros organizados em associações ou cooperativas (BARBOSA DE ALMEIDA; ALLEGRETTI & POSTIGO, 2018). Nelas serão respeitadas a cultura, os saberes e as formas tradicionais de organização e de trabalho dos seringueiros, que continuarão a realizar a extração de produtos de valor comercial em harmonia com o meio ambiente.

A antropóloga e professora Mary Allegretti, grande amiga de Chico Mendes, foi a responsável por aproxima-lo de ONGs e jornalistas internacionais e de desenvolver o modelo jurídico das Reservas Extrativistas, que posteriormente passou a integrar a legislação brasileira. Em 2000, a reserva passou a fazer parte da lei nacional, juntamente com a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). A luta do seringueiro resultou na criação de 94 Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, federais e estaduais que beneficiam um milhão e meio de pessoas, provendo serviços ambientais para o país e o planeta (OBSERVATÓRIO JUSTIÇA E CONSERVAÇÃO, 2021).

Além das reservas e demais unidades de conservação, Allegretti auxiliou Mendes em uma parceria que deu origem ao Projeto Seringueiro, a primeira experiência de alfabetização de adultos na floresta. Mary, após pedir demissão de seu emprego, fez uma cartilha chamada Poronga, nome dado a uma lâmpada que os seringueiros colocam na cabeça quando vão extrair borracha de noite e com Chico e outros colegas, construíram uma escola e deram início ao projeto de educação. O projeto visa como principal objetivo, a democratização ao acesso à educação de moradores em comunidades isoladas, sejam eles seringueiros, indígenas ou ribeirinhos e mantém viva a história de vida e resistência do patrono da Amazônia.

Anos após sua morte, os desafios relacionados à preservação e conservação das reservas são inúmeros, continuando a serem disputadas por suas riquezas que trazem atividades ilegais nas regiões, voltadas para extração de madeira, minério ou pasto para gado. Nesse sentido, são territórios que continuam em disputa por conta do modelo capitalista predatório que muitas vezes, é beneficiado pelo próprio Governo Federal (VALLE, 2018). Outrossim, essas problemáticas refletem a necessidade de políticas públicas que apoiem as reservas extrativistas, garantindo a subsistência das comunidades e a perpetuação de um desenvolvimento econômico para os mesmos, sem agressões as florestas.

As reservas extrativistas surgiram com o protagonismo dos seringueiros e principalmente, com o movimento de resistência criado por Chico Mendes. Sobre isso, Mary Allegretti destaca que “é preciso assimilar o protagonismo de populações pobres e marginais, respeitá-las como igual, como grupo detentor de saber, de conhecimento” (WWF, 2021). Dessa forma, a articulação das comunidades amazônidas, através de ações de resistência, se torna essencial para que aja preservação e conservação do bioma amazônico e este é o legado fundamental deixado por Chico.

Portanto, o líder seringueiro se tornou a maior referência mundial do movimento ambientalista e de defesa da Amazônia. Foi o grande responsável por construir um objetivo comum entre seringueiros e ambientalistas que permitiu a realização de uma aliança estratégica que mudou os moldes do que deveria ser o desenvolvimento da região.

Como principal legado, Chico Mendes ressignificou o papel dos movimentos sociais do campo na Amazônia e da participação da sociedade civil que cada vez mais, se articula em redes locais, nacionais e internacionais de apoio para formular alternativas para a resolução de conflitos sociais. Dessa forma, como dito pelo próprio patrono, a sua luta, ao contrário do que ele próprio acreditava, não era pelos seringueiros ou pela floresta amazônica, mas sim pela humanidade.

Diante da temática exposta, recomenda-se o Instituto Chico Mendes, uma organização não governamental que homenageia o seringueiro lembrado internacionalmente como um símbolo de resistência frente as degradações ambientais. A instituição, fundada em 2004, desenvolve programas, ações e projetos buscando a conservação dos recursos naturais para a melhoria da qualidade de vida dessa e das futuras gerações. Além disso, desenvolvem ações voltadas para a proteção ambiental, promoção humana e inclusão social, por intermédio de geração de renda, difusão de técnicas e conhecimentos, eventos, pesquisas e projetos de ação social. Para mais informações, acesse:

Site Oficial: < https://institutochicomendes.org.br/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/institutochicomendes.oficial/ >

Facebook: < https://www.facebook.com/institutochicomendes >

Outrossim, recomendamos dois documentários sobre a temática exposta. O primeiro se chama “Genésio – Um Pássaro Sem Rumo” (2018), dirigido pela jornalista Maria Fernanda Ribeiro. O longa conta a história de Genésio Ferreira da Silva, que na adolescência foi a principal testemunha do episódio que culminou na morte do líder seringueiro Chico Mendes. A obra está disponível para ser assistida no Youtube, através do link a seguir:

< https://www.youtube.com/watch?v=vGO_CZNavRA&ab_channel=Amaz%C3%B4niaReal >

O segundo se chama “Chico Mendes: Cartas da Floresta” (2008), dirigido por Dulce Queiroz. O longa utiliza de cartas, bilhetes e entrevistas que mostram como Chico Mendes – criado longe dos bancos da escola – aprendeu a ler, a escrever e se tornou o maior líder seringueiro do país. Além de testemunhar a luta dos seringueiros contra a opressão do latifúndio e a devastação da floresta, os textos revelam detalhes de como era o cotidiano de Chico Mendes. O documentário foi premiado como o Melhor Média-metragem no 4º Festival Internacional de Cinema Socioambiental, em 2010 e recebeu Menção Honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos em 2009. Está disponível para ser assistido no Youtube, através do link a seguir:

< https://www.youtube.com/watch?v=yuzxU–uNNM&ab_channel=EddieSilva >

Além desses, recomendamos a leitura do livro “Chico Mendes – Crime e castigo” (2003), que reúne reportagens escritas por Zuenir Ventura a respeito do líder ambientalista. O autor relata a história de vida e de resistência do seringueiro que ao longo de sua vida, lutou contra a devastação e chamou a atenção do mundo para essa luta. A obra está disponível para ser adquirida através dos seguintes links:

< https://www.companhiadasletras.com.br/livro/9788535904482/chico-mendes-crime-e-castigo >

< https://www.amazon.com.br/Chico-Mendes-castigo-Zuenir-Ventura/dp/8535904484 >

Por fim, destacamos o trabalho realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), fundado em 2007, sendo uma autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Dessa forma, a instituição é responsável por gerir, proteger, monitorar e fiscalizar uma importante porção do território brasileiro chamada de unidades de conservação federais (UCs). Assim como, objetiva promover e fomentar a pesquisa e monitoramento, políticas públicas das comunidades tradicionais que vivem no interior ou entorno das unidades de conservação, incentivar a participação da sociedade civil por meio da educação ambiental e do voluntariado, entre outros. Para mais informações, acesse:

Site Institucional: < https://www.gov.br/icmbio/pt-br >

Instagram: < https://www.instagram.com/icmbio/?hl=pt >

Facebook: < https://pt-br.facebook.com/ICMBio/ >

REFERÊNCIAS

CAMINHOS DA REPORTAGEM. Chico Mendes, sua luta e seu legado. Publicado em 2014. Canal Youtube TV Brasil. Disponível em: Caminhos da Reportagem | Chico Mendes, sua luta e seu legado. Acesso em: 10 de janeiro de 2023.

DE ALMEIDA, Mauro W. Barbosa; ALLEGRETTI, Mary Helena; POSTIGO, Augusto. O legado de Chico Mendes: êxitos e entraves das Reservas Extrativistas. Desenvolvimento e meio ambiente, v. 48, 2018. Disponível em: < https://revistas.ufpr.br/made/article/view/60499 > Acesso em: 16 de janeiro de 2023.

EXAME. Quem foi Chico Mendes e por que seu legado ainda faz diferença hoje. Publicado em 13 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://exame.com/brasil/a-resistencia-dos-seringueiros-conheca-a-historia-de-chico-mendes/. Acesso em: 12 de janeiro de 2023.

Lévi-Strauss, C. Compte-rendu: Manuela Carneiro da Cunha e Mauro Barbosa de Almeida, eds. Enciclopédia da floresta. O Alto Juruá – práticas e conhecimentos das populações. L’Homme, 167-169, 366-369, 2003. Acesso em: 16 de janeiro de 2023.

Observatório Justiça e Conservação. Legado Chico Mendes, o líder seringueiro que deu vida pela luta contra a devastação ambiental. Publicado em: https://justicaeco.com.br/legado-chico-mendes-o-lider-seringueiro-que-deu-vida-pela-luta-contra-a-devastacao-ambiental/ > Acesso em: 16 de janeiro de 2023.

VALLE, Leonardo. Legado de Chico Mendes, reservas extrativistas ajudaram a frear desmatamento da Amazônia. Instituto Claro. Publicado em: 18 de dezembro de 2018. Disponível em: < https://www.institutoclaro.org.br/cidadania/nossas-novidades/reportagens/legado-de-chico-mendes-reservas-extrativistas-ajudaram-a-frear-desmatamento-da-amazonia/ > Acesso em: 16 de janeiro de 2023.

WWF. Chico Mendes: conheça a história do maior líder ambientalista do Brasil. Publicado em 15 de dezembro de 2021. Disponível em: https://www.wwf.org.br/?81068/Chico-Mendes-Conheca-a-historia-do-maior-lider-ambientalista-do-Brasil. Acesso em: 12 de janeiro de 2023.