Prof. Dr. Mário Tito Almeida – Coordenador e docente do curso de Relações Internacionais da Unama

Em 10 de dezembro comemora-se o Dia Internacional dos Direito Humanos. A data marca a oficialização, pela Organização das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), ocorrido em 1948.

Já se passaram 74 anos desde que os Estados Nacionais chegaram a um acordo sobre uma declaração abrangente de direitos humanos inalienáveis e se comprometeram por meio de um diploma legal internacional a garantir direitos civis e políticos, como o direito à vida, à liberdade, liberdade de expressão e privacidade, e dos direitos econômicos, sociais e culturais, como o direito à segurança social, saúde e educação.

Muitas abordagens já foram feitas sobre esta Declaração e sobre sua importância e suas lacunas. Este presente texto apenas objetiva discutir de maneira breve o que significa e qual a potência da expressão “direitos humanos”, especialmente na contemporaneidade, marcada pelos mais variados tipos de violações a estes direitos, tão duramente conquistados. Assim, a análise partirá da base teórica contemporânea das Relações Internacionais (RI) para, em seguida, tecer considerações sobre a necessidade de construir resistências no âmbito internacional e local frente a estas questões.

Do ponto de vista teórico, o século XXI trouxe um renovado estímulo para a área de RI, na medida em que foram construídas transversalidades com outros campos de saber, enriquecendo a área e levando-a a ir além do viés positivista. Esta virada epistemológica permitiu que RI recepcionasse pensadores da área da sociologia e filosofia contemporânea, bem como incorporasse nas suas análises novos postulados e paradigmas. Dentre estes, encontram-se o pensamento de Hanna Arendt e Giorgio Agamben, tão centrais para compreender os direitos humanos.

A filósofa Hannah Arendt, em seu livro As Origens do Totalitarismo, aborda a trágica realidade daqueles que, com os eventos da II Guerra Mundial, perderam não apenas seu lar, mas a proteção do governo. Com isso, ficaram destituídos de seus direitos e, também, sem a quem pudessem recorrer. Diante disso, Arendt afirma que, antes de todos os direitos fundamentais, há um primeiro direito a ser garantido pela própria humanidade: o direito a ter direitos, isto é, de pertencer à humanidade.

Conforme assevera Arendt (1989),

a calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados da vida, da liberdade ou da procura da felicidade… Sua situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas sim de não existirem mais leis para eles… (p. 329)

O espírito da Declaração reside nesta necessária defesa: a da lei que garante que a humanidade dos seres humanos seja protegida, garantida e defendida. Parece redundante, mas trata-se de uma afirmação altamente relevante, pois funciona como um alicerce para os ulteriores desdobramentos da DUDH. Antes de mais nada, por isso, é preciso garantir que o humanum, isto é a essência da humanidade, seja respeitado em cada habitante do planeta, independente de tempo, de localização ou de qualquer outra característica específica.

Ademais, as ideias do filósofo italiano Giorgio Agamben são também fundamentais para compreender o que se entende por “direitos humanos”. Segundo ele, o homem é zoé e bios. É zoé pois assemelha-se a todo e qualquer animal que é guiado pelo instinto de sobrevivência e pela busca de condições mais otimais de vida. No entanto, ele é mais que isso: ele é bios, ou seja, ele está inserido em um agrupamento humano (a sociedade) cujo arcabouço legal e proteção jurídica o garante não só a sobrevivência como também possibilidade de se desenvolver como ser humano. De fato, o ditado latino é apropriado “Ubi societas, ibi ius” (“Onde houver a sociedade, lá estará o direito”).

Acontece que nem todos podem estar abrigados nesta estrutura de leis. Em suas pesquisas, Agamben descreve uma figura presente no antigo direito romano que era de tal forma excluído dessa proteção jurídica que podia ser eliminado, mas o autor do ato não seria punido. Era o “homo sacer”, alguém que não contava nada para a sociedade, um habitante do território da desproteção jurídica.

É bastante esclarecedor, por isso, o que Agamben (1995), afirma: “no homo sacer, enfim, nos encontramos diante de uma vida nua residual e irredutível, que deve ser excluída e exposta à morte como tal, sem que nenhum rito e nenhum sacrifício possam resgatá-lo” (p. 70 – Tradução nossa).

Giorgio Agamben afirma que o “homo sacer” é um ser nudificado, um “vida nua”, alguém despido de toda e qualquer vestimenta de proteção da lei, um nada. Para ele, essa figura se concretiza claramente no campo de concentração, onde quem para lá era levado já não contava mais nada, era um número, um marcado para morrer. Esse desnudamento existencial, que se torna um escândalo ao fim da segunda guerra mundial, conduz à promulgação da DUDH, mas também revela que ele pode sempre voltar a acontecer toda vez que os totalitarismos, os fascismos e as ditaduras relegam populações à exclusão social.

A partir do que afirmam Arendt e Agamben, pode-se perceber que “direitos humanos” são valores irrenunciáveis que garantem a toda e qualquer pessoa a condição de ter uma vida saudável, na qual as várias dimensões de sua existência sejam possibilitadas com excelência: saúde, educação, trabalho, moradia, assistência social, alimentação, sonhos, artes, utopias…

Os direitos humanos não são um dado histórico acabado ou uma conquista definitiva. Eles são processuais, se configuram à luz dos movimentos sociais, das percepções de negações e desnudamentos sociais,  das idas e vindas dos processos democráticos ou anti-democráticos, do jogo de forças da economia política e das classes dominantes. Enfim, direitos humanos, mais do que dados são conquistados.

Não é uma Declaração que os constituem. É a dinâmica dos dispositivos de resistência configurados nos gritos de quem vem sendo calado, nas marchas de quem é impedido de caminhar, nas organizações sociais que insistem em não aceitar as padronizações de modos de comer, de vestir, de andar, de falar, de pensar… enfim, de ser.

Esta é uma data ser comemorada mas também uma ocasião para renovar o compromisso com a inclusão dos vários “homo sacer” que estão no mundo (refugiados, famintos, estrangeiros…) e com a humanização de quem é excluído do banquete da vida.

Referências:

AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer I: il potere sovrano e la nuda vita. Turim: Einaudi, 1995.

ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. São Paulo : Companhia das Letras, 1989