Railson Silva (acadêmico do 4º semestre de RI da UNAMA)

Na história das teorias das Relações Internacionais a virada epistemológica, foi um marco chave na crescente onda de problematizações das premissas que dão base e alimentam os processos de conhecimento em RI. Nesse contexto, surgiu a crítica pós-moderna, que apresentou uma desconstrução dos discursos dominantes, destacando como as teorias tradicionais têm como fundamento um viés positivista e uma lógica instrumentalizada, que por sua vez, apresentavam uma linha de pensamento hierárquica, opressiva e excludente (REZENDE, 2010). Desse modo, os pensamentos Michel Foucault e Der Derian são indispensáveis para se entender as reverberações de tal corrente teórica.

Em primeira instância, no contexto de pós Guerra Fria, tornou-se necessário repensar as teorias vigentes e dominantes na área de RI. Nesse sentido, a crítica pós-moderna passa a dar atenção aos processos de significação e aos mistos de construção social da realidade internacional (REZENDE, 2010), e tem como cerne o julgamento sobre a “verdade”, na qual discutem se as produções de verdades não passariam de uma afirmação vinda de uma perspectiva privilegiada, representando assim, as estruturas de poder que as sustentam.

Nessa perspectiva, Foucault (1970), analisando as condições históricas específicas da geração de conhecimento, defende que o que é tido como verdade varia de acordo com o poder dominante em cada período (SARFATI, 2005). Logo, a verdade é considerada um instrumento de poder: para Foucault (1970), as produções de “verdades” também poderiam servir como instrumento de resistência em relação às produções das práticas hegemônicas.

Foucault (1970) argumentou que o conhecimento possui história e passado, logo ele não é natural. Esse pensamento levou a estabelecer uma relação entre poder e saber. Sob essa ótica, o que seria produzido como verdade só poderia ser legitimado por um discurso dominante de exclusão, que dita o que pode ser pensado, dito e imaginado sobre a própria realidade. Dessa forma, o discurso dominante privilegia, reproduz e consolida estruturas sociais que são legitimadas e naturalizadas por tais discursos, sendo assim, uma reafirmação da relação de poder/saber. (FOUCAULT, 1980, apud REZENDE,2010).

Nesse sentido, Foucault enfatiza a importância de uma resistência e emancipação da consciência humana para fins de crítica aos discursos dominantes, consequentemente desmitificando saberes que naturalização a realidade. Se a realidade constitui uma construção social e não é natural, a mudança é, portanto, possível (REZENDE, 2010). Para o crítico:

A verdade não existe fora do poder ou sem poder. A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados pelo poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua” política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 1979: 12, apud REZENDE, 2010)

Ademais, o processo de desconstrução da realidade e teórico das Relações Internacionais fomenta pela vertente pós-moderna traz consigo uma nova linha de pensamento voltada a segurança internacional, na qual as identidades estatais surgem quando confinam ameaças dentro das fronteiras nacionais, logo os conflitos são intrínsecos a construção dos estados (SARFATI, 2005). Nesse sentido, ao se analisar como se configurava a guerra no final do século XX e o início do século XXI, percebe-se que a condição humana é representada pelas novas tecnologias e mídias, que criaram um tipo novo de relação entre a representação e a realidade de guerra, sem poder discernir o que é real e o que é virtual, dando espaço para um novo conceito emergente chamado “hiper-realidade” de Baudrillard.

Tal conceito é levado ao extremo por Der Derian, que buscou se entender como uma determinada realidade é produzida e como ela cria as condições de possibilidade de estruturas, interesses e políticas, além da inédita dinâmica de guerra em contexto de pós-modernidade (SARFATI, 2005). Esta nova forma de fazer guerra, associada ao desenvolvimento tecnológico, é desenvolvida pelo crítico na obra “Virtuous War/Virtual Theory “, nele ele fala que estamos “entrando em uma imersão virtual amplificada digitalmente” (DERIAN, p. 774, 2000), pois acompanhamos o combate em transmissões ao vivo, que com a ajuda das mídias trazem o espectador para dentro da área de combate, mas isso não se aplica somente ao contato com guerras, como também desastres e catástrofes que ocorrem no globo (REZENDE,2010)

Além disso, Derian levanta a ideia de um tipo novo de guerra: a “guerra dos signos”, na qual ele faz uma comparação entre simuladores de guerra, utilizados pelos soldados estadunidenses em seu treino, com os jogos de guerra em vídeo games. Nesse viés, ele faz um panorama sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão, onde o número de baixas foi menor em relação às tropas estadunidenses do que com os combatentes do lado inimigo. O crítico enaltece uma guerra de precisão, na qual são planejadas de antemão em computadores e simuladas virtualmente (SARFATI,2005); tal pensamento é mais aprofundado em sua obra “War as a Game” (2003).

No contexto pós-Guerra Fria e pós-11 de setembro, Der Derian elucida ainda sobre as infoguerras (adjunto da guerra convencional) e uma emergente matriz heteropolar, em que surgem atores internacionais que são radicalmente diferentes em identidades e interesses, mas são comparáveis em sua capacidade ampla de produzir efeitos globais. Ademais, ressalta também com base no pensamento Paul Virillo sobre seu conceito de politização da velocidade, que a sociedade atual estaria marcada pela velocidade, e que em contexto de “guerras de signos”, o eixo desloca-se das conquistas materiais para as imateriais/virtuais, nesse sentido o espaço global é transformado em ciberespaço (REZENDE, 2010).

Finalmente, abordagens de Foucault e Derian oferecem um ponto de partida valioso para trazer a teoria de RI para a contemporaneidade, visto que enfatizam uma maior complexidade das relações humanas, sobretudo levando em conta o sistema internacional, e que botam em cheque as teorias convencionais em não conseguir oferecer todas as respostas. Sob esse viés, o pós-modernismo surge como uma via de desconstrução da realidade reproduzida por discursos dominantes.

Referências

DER DERIAN, James. Virtuous War/Virtual Theory. Royal Institute of International Affairs, 2000.

FOUCAULT, M. The Order of Things: An Archaeology of the Human Sciences. New York: Random House, 1970.

RESENDE, Erica Simone Almeida. A crítica pós-moderna/pós-estruturalista nas relações internacionais. Boa Vista: Editora da UFRR, 2010.

SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. 2005