
Keity Oliveira e Lorena Freitas – Acadêmicas do 4º semestre de RI da Unama
Natália Antunes – Acadêmica do 6º semestre de RI da Unama
A Amazônia é considerada o principal berço da biodiversidade do planeta. Fauna e flora particulares fazem da região a floresta tropical mais cobiçada do mundo. Dentre tantas formas de vida, existem na Amazônia microrganismos, como vírus e bactérias, ainda pouco conhecidos e estudados pela ciência, o que tem gerado grande preocupação diante do desenfreado desequilíbrio ambiental na área. A ação humana sobre a floresta tem construído o cenário perfeito para o surgimento de uma nova pandemia.
O cientista Paul Crutzen foi responsável por criar a teoria de uma nova era geológica, chamada de Antropoceno, em meados de 2000. Segundo a teoria, o planeta Terra sempre seguiu uma evolução predeterminada pelas forças geológicas desde a sua criação, há cerca de 4,5 milhões de anos. Porém, com o desenvolvimento da agricultura e o início da primeira Revolução Industrial, a população mundial teve um explosivo crescimento e este feito transformou a pressão sob o uso dos recursos naturais, promovendo uma acelerada exploração destes. Dessa forma, Crutzen explica que a partir das constantes transformações no clima e na biodiversidade, causadas por ações humanas, o planeta entraria em uma nova era geológica, chamada de Antropoceno, caracterizada pelos impactos do homem na Terra (ARTAXO, 2014).
Os vírus, enquanto circunscritos na natureza, estão em equilíbrio com seus hospedeiros, infectando-os sem lhes causar mal. Porém, o avanço do desmatamento, garimpos ilegais, construção de estradas e usinas hidrelétricas tem exposto o homem aos mais desconhecidos microrganismos (FAPESP, 2020). A degradação ambiental diminui a variedade de espécies, fazendo com que não haja predadores naturais para algumas, como morcegos e roedores, hospedeiros naturais de milhares de vírus com potencial pandêmico, provocando, assim, uma reprodução desordenada daquelas. Antes, o que estava restrito ao ambiente da floresta agora ganha maior proximidade com os seres humanos. Tal fenômeno é chamado pelos cientistas de “quebra de barreira”. Foi assim com o vírus ebola, da Aids e o Sars-cov-2, este último responsável pela atual pandemia.
Sob esta perspectiva, a biodiversidade na Amazônia, historicamente, teve e tem um significado econômico e geopolítico para o Estado, no qual sua preocupação central quanto à região, desde o período colonial até os dias atuais, é de garantir a continuidade da ocupação do território através da exploração de seus recursos (BECKER, 2011). Diante disso, uma imperativa urgência no avanço do crescimento econômico brasileiro, que implica em aumento da produção, da produtividade e da expansão territorial, permitiu a articulação de um padrão de desenvolvimento econômico voltado para a exploração dos recursos naturais advindos da floresta amazônica.
Dentre os principais tipos de exploração desses recursos, se destacam: desmatamento, queimadas, urbanização, garimpo e tráfico de animais. Todos esses meios possuem algo em comum: eles aumentam os riscos de doenças zoonóticas emergentes com potencial pandêmico, segundo Edenise Garcia, diretora de Ciências da ONG The Nature Conservancy (THOMAS, 2021). Nesse sentido, esses fatores, em especial o desmatamento feito de forma predatória, provocam a disrupção de ciclos ecológicos, o que pode resultar no incremento de populações de espécies conhecidas por hospedarem doenças transmissíveis aos humanos, como morcegos e roedores, permitindo que animais que nunca haviam tido convívio antes, entre em contato uns com os outros.
Na Amazônia, desde o período de extração da borracha, a malária se constitui como a infecção mais problemática na região, sendo uma doença causada por um protozoário transmitido por mosquitos e que resulta, principalmente, da degradação ambiental. Ainda hoje, a enfermidade é presente na região, no qual se teve em 2018, um decreto emergencial em São Gabriel da Cachoeira (AM) por conta de uma eclosão de 3.500% em casos da doença (RYLO, 2018). Assim como a malária, arboviroses como a febre amarela, dengue, oropouche e mayaro contribuem em larga escala para a mortalidade na Amazônia, todas surgindo como epidemias que resultaram de fatores como reprodução em criadouros urbanos, alterações do meio ambiente, assentamentos humanos sem controle e atividades clandestinas como a mineração (BOURSCHEIT, 2020).
A falta de fiscalização, enfraquecimento das instituições e órgãos responsáveis pela preservação e conservação do meio ambiente nos últimos anos, tem tornado a Amazônia cenário de destruição e morte, transformando-a, inclusive, em um exponencial palco da próxima pandemia. Para o historiador Rômulo de Paula Andrade, integrante da Casa de Oswaldo Cruz (2020) “à medida que a Amazônia for sendo desmatada e se intensifique a atividade humana é mais do que natural que novos vírus e novas doenças surjam…Quem sabe aqui no Brasil não pode surgir um vírus como o Sars-Cov-2?”.
Os estudos realizados pelo Centro Nacional de Informação Biotecnológica, dos Estados Unidos, mostram que sete em cada dez pandemias modernas têm origem na vida selvagem (TAYLOR; LATHAM; WOOLHOUSE, 2001). Doenças como o Ebola, SARS (sigla em inglês de Síndrome Respiratória Aguda Grave), H1N1 (gripe suína) e outras zoonoses chegaram às pessoas através de variações de vírus antes hospedados por animais, emergindo por conta do deslocamento de populações humanas e da destruição dos habitats naturais desses animais. O processo de degradação ambiental reduz de forma significativa a biodiversidade, alterando os padrões ecológicos e favorecendo o crescimento de grupos taxonômicos, como pequenos mamíferos, em especial roedores e morcegos que são menos sensíveis a distúrbios (GIATTI et al, 2021).
Aliado ao desmonte operacional feito pelo governo Bolsonaro (AMAZÔNIA REAL, 2022), a falta de investimentos em pesquisa, como em institutos como Oswaldo Cruz, Butantã e Evandro Chagas, referências mundiais em estudo e desenvolvimento científico, dificulta o monitoramento das consequências biológicas da destruição da floresta. A crítica situação ficou evidente durante o ápice da atual pandemia, quando a Rede de Pesquisa Solidária (2020) lançou nota técnica afirmando a falta de compromisso do governo brasileiro na pesquisa sobre a Covid-19. Não houve financiamento estatal para o aprofundamento dos estudos sobre a doença no país.
Portanto, o possível surgimento de numa nova pandemia é apenas um de uma longa lista de prejuízos causados pelo desmonte da Amazônia. A prática exploratória que causa o desequilíbrio ambiental no bioma precisa ser rompida, problemáticas que são ainda tratadas como consequências a longo prazo batem à porta, colocando em risco a sobrevivência da população que mal superou a pandemia do Covid-19.
Diante da temática exposta, recomendamos dois documentários que tratam sobre o tema discorrido. O primeiro se chama “Coronavírus: alerta ambiental” (2020) que reúne pesquisadores que buscam entender mais sobre a SARS-CoV-2. No documentário, os estudiosos de diferentes locais do planeta, traçam um paralelo entre a doença e a relação entre os humanos e os animais selvagens. O documentário está disponível para ser assistido na plataforma do National Geographic Brasil.
ALERTA DE GATILHOS: cenas de animais mortos ou semimortos; tráfico indiscriminado e ilegal de animais.
O segundo se chama “Forest Fear” (2022), produzido pela rádio britânica BBC, que aborda os estudos realizados pela pesquisadora Alessandra Nava, do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) sobre o monitoramento de animais silvestres e o novo coronavírus. Tem como narrativa o surgimento de novas doenças e ressurgimento de outras por meio do desmatamento da floresta, linha de estudo das pesquisas desenvolvidas por Nava. O documentário está disponível para ser ouvido na plataforma de streaming da BBC, “BBC Sounds”.
Outrossim, recomendamos o trabalho realizado pelo Instituto Evandro Chagas, criado em 1936, como a primeira instituição do gênero na Amazônia. O IEC atua na pesquisa científica e em ensinos voltados para a produção, disseminação e divulgação de conhecimento e inovações tecnológicas que subsidiem as políticas de saúde. Atuante na região amazônica há mais de 80 anos, a instituição busca produzir ciência e tecnologia a serviço da saúde pública, e os resultados de seus estudos e investigações possibilitam elucidar problemas e colaborar com evidências científicas para uma melhoria da qualidade de vida da população. Além disso, a instituição possui um núcleo de ensino e pós-graduação em diversas áreas como: Virologia, Epidemiologia e Vigilância em Saúde, Biologia Parasitária, Pesquisa Clínica e outros.
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Site Oficial: < https://antigo.iec.gov.br/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/iec_br/ >
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Ademais, se destaca o trabalho realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma instituição de saúde que possui como objetivos, produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e que contribuam para a promoção da saúde e da qualidade de vida da população brasileira. Com mais de 120 anos de história, a Fiocruz tornou-se um dos principais centros de pesquisa e produção de conhecimento, sendo amplamente reconhecida por suas atuações durante a pandemia do Covid-19.
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Por fim, se destaca as realizações feitas pelo IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, uma instituição brasileira de pesquisa que tem como objetivo, promover conservação e desenvolvimento sustentável na Amazônia. Com 30 anos de existência, o Imazon é uma organização dedicada à pesquisa e busca por soluções para os problemas de uso e conservação dos recursos naturais da Amazônia.
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Site Oficial: < https://imazon.org.br/ >
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REFERÊNCIAS
AMAZÔNIA REAL. Brasil: meio ambiente sob ataque no governo Bolsonaro. Publicado em 04 de outubro de 2022. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/brasil-meio-ambiente-sob-ataque-no-governo-bolsonaro/. Acesso em 16 de novembro de 2022.
ANDRADE, Rômulo de Paula. Uma floresta cheia de vírus: intervenção desenfreada na Amazônia pode ser estopim para epidemias. Publicado em 09 de setembro de 2022. Disponível em: https://www.coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1846-uma-floresta-cheia-de-virus-intervencao-desenfreada-na-amazonia-pode-ser-estopim-para-epidemias.html. Acesso em 18 de novembro de 2022.
ARTAXO, Paulo. Uma nova era geológica em nosso planeta: o Antropoceno? Revista Usp, n. 103, p. 13-24, 2014. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/ea/a/TRsRMLDdzxRsz85QNYFQBHs/?format=html > Acesso em: 15 de novembro de 2022.
BECKER, Bertha. Biodiversidade e Desenvolvimento da Amazônia Legal: desafios e opções estratégicas. Ateliê Geográfico. Revista Eletrônica da UFG. Goiânia, Goiás. 2011. Disponível em: < https://revistas.ufg.br/atelie/article/view/15495/9479 > Acesso em: 14 de novembro de 2022.
BOURSCHEIT, Aldem. Uma próxima pandemia poderia surgir na Amazônia? InfoAmazônia. Publicado em: 01 de abril de 2020. Disponível em: < https://infoamazonia.org/2020/04/01/uma-proxima-pandemia-poderia-surgir-da-amazonia/ > Acesso em: 15 de novembro de 2022.
FAPESP. O que o desmatamento tem a ver com novas pandemias? Canal Pesquisa Fapesp. Publicado em 2020. Disponível em: O que desmatamento tem a ver com novas pandemias?. Acesso em 18 de novembro de 2022.
GIATTI, Leandro Luiz et al. Emerging complexities and rising omission: Contrasts among socio-ecological contexts of infectious diseases, research and policy in Brazil. Genetics and Molecular Biology. 2021, v. 44, n. 1. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/gmb/a/yMr5HQWSNsWDMqCfdBXhrVy/?lang=en# > Acesso em: 15 de novembro de 2022.
JORNAL DA USP. Falta de investimento e estratégia para inovação dificultarão saída da crise no Brasil. Publicado em 19 de maio de 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/falta-de-investimento-e-estrategia-para-inovacao-dificultarao-saida-da-crise-no-brasil/. Acesso em 18 de novembro de 2022.
RYLO, Ive. São Gabriel da Cachoeira, no AM, decreta situação de emergência após registros de 5 mil casos de malária. G1 Globo. Publicado em: 15 de maio de 2018. Disponível em: < https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/sao-gabriel-da-cachoeira-no-am-decreta-situacao-de-emergencia-apos-registros-de-5-mil-casos-de-malaria.ghtml > Acesso em: 14 de novembro de 2022.
TAYLOR, L. H; LATHAM, S. M; WOOLHOUSE, M. E. Risk factors for human disease emergence. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2001. Disponível em: < https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11516376/ > Acesso em: 14 de novembro de 2022.
THOMAS, Jennifer Ann. Por que a Amazônia pode ser a origem de uma nova pandemia. Um Só Planeta. Publicado em: 09 de julho de 2021. Disponível em: < https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2021/07/09/por-que-a-amazonia-pode-ser-origem-de-uma-nova-pandemia.ghtml > Acesso em: 14 de novembro de 2022.