
Keity Oliveira e Lorena Freitas (acadêmicas do 4º semestre de RI da UNAMA)
Natalia Antunes (acadêmica do 6º semestre de RI da UNAMA)
A Amazônia, epicentro mundial da biodiversidade e riquezas energéticas, é alvo não só de projetos para preservação/conservação ambiental e desenvolvimento na região, mas também de redes criminosas (MENEGASSI, 2020) que se aproveitam da gigantesca variedade de fauna e flora para alimentar o comércio ilegal de espécies raras, muitas vezes ameaçadas de extinção.
Aves, tartarugas e peixes ornamentais são os principais produtos “encomendados”. A motivação torpe desses crimes é o que mais choca. Alguns animais são transformados em pets exóticos e até colocados em rinhas, como é o caso do canário-da-terra (MENEGASSI, 2020), que sofre um processo de alteração comportamental para se tornar mais agressivo. O ciclo criminoso varia de acordo com as épocas, com a vontade do “cliente” e com a maior/menor fiscalização ambiental na área de captura.
A biodiversidade é, de forma simplificada, a variedade de vidas que existe no planeta. A biodiversidade consiste na variabilidade genética de espécies da natureza e, de acordo com Bertha Becker, é um conceito com concretude social porque tem caráter geográfico e formas de apropriação, o que lhe confere valor material. (BECKER, 2011) No contexto amazônico, a biodiversidade sempre teve valor econômico e de produção para o Estado, que ocupou, historicamente, e ocupa até hoje, a região amazônica para a exploração de seus recursos.
Somado ao caráter econômico, a biodiversidade amazônica é também fundamental para a sobrevivência de povos e comunidades tradicionais cujas atividades produtivas e de subsistência dialogam com a sustentabilidade e a conservação do bioma.
A diversidade biológica amazônica choca pesquisadores de todo o globo, e nem é conhecida por inteiro. Ano após ano, espécies novas são descobertas na região e a potencialidade da biodiversidade da Amazônia cresce com a variedade da vida que ali existe. A floresta em pé representa uma infinidade de recursos, como fonte de medicamentos naturais ou um escudo para a proliferação de doenças (GREENPEACE, 2020), sem falar da sua importância para a existência das comunidades tradicionais amazônidas e para a resistência contra problemáticas ambientais, como a questão climática.
Porém, a lógica neocolonialista de exploração imposta sobre a região degrada cada vez mais o bioma e toda a sua riqueza. As formas de produção inadequadas e destrutivas são tradição na Amazônia, sejam legitimadas pelo governo ou não.
Devido à abundância de espécies, tornou-se cada vez mais predominante a ideia de que esses recursos são infinitos, tornando assim, a caça desenfreada. As ações humanas estão levando espécies à extinção a um ritmo acelerado, ameaçando a biodiversidade e pondo em risco o frágil equilíbrio dos ecossistemas. Segundo o GREENPEACE (s.d), a cada ano são descobertas diversas novas espécies de plantas e animais na Amazônia, porém, muitas destas só são identificadas quando seu habitat e sua existência já estão em grave risco. Entre os principais motivos para que determinado espécime entre em extinção, estão a caça predatória, o desmatamento de florestas, exploração de madeiras, poluição da água e do ar e outros (MAGALHÃES, 2002).
A região amazônica representa um cenário perfeito para atuação de grupos de crime organizado e essa característica, somada à ineficiência e negligência do Estado, permitem que a região se torne vítima de grandes esquemas de biopirataria. A biopirataria consiste na apropriação indébita de recursos genéticos, fauna ou flora, ou de conhecimento tradicional sobre estes recursos. (CAPAZ; PEREIRA, 2017) A manipulação ilegal de recursos naturais pode causar diversas problemáticas ao bioma, como a perda da biodiversidade, extinção de espécies e desequilíbrio no ecossistema, além de representar uma ameaça às comunidades tradicionais da Amazônia e ao seu etnoconhecimento sobre a biodiversidade amazônica.
A biopirataria na prática pode ser observada, em uma de suas várias formas de apropriação, no caso da empresa Sambazon, acusada pelo Ministério Público Federal de manipulação ilegal de conhecimento sobre o açaí, a partir do relatório do IBAMA que acusou o acesso ao material genético da fruta amazônica na Califórnia. Além do acesso ilegal ao material, o MPF alega prejuízo aos ribeirinhos, comunidades tradicionais amazônicas, que não se beneficiaram ou cooperaram com a comercialização “socialmente justa e ambientalmente sustentável”. (G1 Amapá) O MPF pediu à Justiça Federal que a Sambazon pague cerca de R$ 70 milhões pelos danos morais coletivos e danos materiais ao meio ambiente.
A usurpação de recursos naturais e do etnoconhecimento amazônico por empresas multinacionais, sem preocupação sobre as ameaças e impactos negativos sobre o bioma e sobre os povos tradicionais que o constituem, demonstram o caráter colonialista da biopirataria. A invasão, ocupação e exploração da vida na Amazônia existem desde o período colonial no Brasil e por mais que vistam rostos diferentes, como multinacionais ao invés de colonos, funcionam pela mesma lógica e pelo mesmo sistema.
Além do viés colonialista e predatório dos responsáveis pela biopirataria, é importante destacar também a responsabilidade do Estado na permanência do crime organizado na área, de acordo com Bertha Becker, uma das grandes questões na Amazônia e talvez um problema mais urgente do que a biopirataria em si, é a ausência do Estado e das instituições que deveriam fazer cumprir a lei. (BECKER, 2007)
Outrossim, o uso predatório da rica biodiversidade amazônica vem ocorrendo desde o período colonial no Brasil, quando os primeiros colonizadores portugueses exploraram de maneira intensa, o pau-brasil. Hoje, a espoliação desenfreada dessa diversidade, especialmente a fauna, se tornou um dos motivos para que diversas espécies estejam na lista de ameaçadas de extinção, fato que se dá pela biopirataria, mas também pelo tráfico ilegal, tornando a Amazônia, um grande epicentro do tráfico mundial de animais.
Nesse sentido, o tráfico de animais silvestres é considerado uma das atividades mais lucrativas do mundo, ficando atrás apenas do tráfico de armas e de drogas, no qual todos os anos são retirados milhares de animais para movimentar esse mercado (SILVA, 2018). Na legislação brasileira, o tráfico de animais é proibido desde 1967, mas a Lei de Crimes Ambientais, de 1998, enquadra o tráfico de animais silvestres como de menor potencial ofensivo (Art. 29 da Lei nº 9.605/1998), estimulando assim, a sensação de impunidade e a reincidência desse crime (MENEGASSI, 2020).
No território amazônico, milhares de animais são tirados da natureza para serem vendidos como bichos de estimação, medicina tradicional, comida exótica, carne de caça para consumo e demonstração de status ou fonte de insumos para indústrias de cosméticos e químicas.
O relatório feito pela organização britânica Traffic, conduzido pelas autoras Sandra Charity e Juliana Ferreira, em 2020, expôs que milhões de aves, tartarugas, mamíferos e peixes tropicais estão sendo retirados da Amazônia e sendo comercializados internamente ou exportados para Estados Unidos, Europa, China, Oriente Médio, entre outros, nos quais, muitos deles já estão entrando na lista de ameaçados de extinção (GUYNUP, 2020).
As autoras apontam que a falta de dados abrangentes sobre o tráfico de animais silvestres no Brasil, tendem a minimizar seus impactos e a severidade do crime, minando também, os esforços de fiscalização, as medidas legais e o investimento necessário para o combate (GUYNUP, 2020). Dessa forma, o sucateamento de órgãos ambientais voltados para a proteção e conservação dos biomas e a falta de fiscalização necessária, que integraram o processo de políticas anti-ambientais durante o governo de Jair Bolsonaro, contribuem cada vez mais para o crescimento dessa cadeia global de tráfico no Brasil, causando assim, um processo de colapso de ecossistemas inteiros.
Mais do que combater os crimes em si, fiscalizando, fortalecendo legislações e endurecendo penalidades, é necessário que haja conscientização social sobre o papel do meio ambiente no mundo. Não se trata de uma questão cultural (GUYNUP, 2020), pois essa é dinâmica e precisa acompanhar as transformações que o mundo passa. Não há que se normalizar peixes raros em aquários ou tapetes de animais, como onça pintada, expostos em mansões.
É preciso o esforço estatal interconectado com outras fontes de inteligência para monitorar, combater e punir tanto quem compra como quem vende, pois não há comércio sem consumo. Quando se fala de floresta em pé, fala-se também de toda a vida que ali existe.
Diante da temática exposta, recomendamos dois filmes que tratam sobre o tráfico de animais silvestres. O primeiro é a animação “Rio” (2011) que retrata a história da ararinha-azul chamada Blu que ao nascer, foi capturada na floresta do Rio de Janeiro e levada para a ilha de Minnesota, nos Estados Unidos. Apesar de ser uma obra voltada para o público infantil, o filme gira em torno da temática do tráfico de animais, no qual se aborda a retirada das espécies de seus habitats naturais, sua comercialização no exterior e os diversos riscos que a prática do tráfico pode trazer aos animais. O filme está disponível para ser assistido na plataforma de streaming do DisneyPlus.
O segundo filme se chama “Wild – Rede Selvagem” (2021), um longa documental que mostra o tráfico ilegal de animais, o que prejudica o meio ambiente e a conservação da biodiversidade. O documentário busca levar ao conhecimento da sociedade e dos governos, os métodos e as práticas cruéis que envolvem o tráfico da vida selvagem. O filme está disponível para ser assistido na plataforma de streaming do Globoplay.
Ademais, recomenda-se o trabalho feito pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), uma organização social fundada em 1999 e que luta pela conservação da biodiversidade. Com escritório regional na Amazônia, desenvolve suas ações em todo o Brasil, por meio de parcerias com a iniciativa privada, o poder público e o terceiro setor.
Para mais informações, acesse:
Site Oficial: < https://renctas.org.br/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/renctas/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/renctas/ >
Twitter: < https://twitter.com/RENCTAS >
Por fim, destaca-se a Freeland Brasil, uma organização brasileira, sem fins lucrativos, fundada em 2012, sendo o braço sul-americano da Freeland Foundation, organização internacional de combate ao tráfico de espécies silvestres. A Freeland Brasil possui como missão, a conservação da biodiversidade através do combate ao tráfico de animais silvestres, trabalhando por um mundo sustentável e livre do tráfico.
Para mais informações, acesse:
Site Oficial: < https://www.freeland.org.br/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/freelandbrasil/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/freelandbrasil >
REFERÊNCIAS
BECKER, Bertha. Biodiversidade e Desenvolvimento da Amazônia Legal: desafios e opções estratégicas. Ateliê Geográfico. Revista eletrônica daUFG. Goiânia, Goiás. Disponível em: https://revistas.ufg.br/atelie/article/view/15495/9479. Acesso em: 03 de novembro de 2022.
CIÊNCIA HOJE. Entrevista: Bertha Becker – Revolução para a Amazônia. Publicado em março de 2007. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/artigo/entrevista-bertha-becker-revolucao-para-a-amazonia/. Acesso em: 03 de novembro de 2022.
G1 AMAPÁ. Empresa acusada de biopirataria do açaí é alvo de ação por danos a ribeirinhos e ao meio ambiente. Publicado em 20 de setembro de 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2018/09/20/empresa-acusada-de-biopirataria-do-acai-e-alvo-de-acao-por-danos-a-ribeirinhos-e-ao-meio-ambiente.ghtml. Acesso em: 03 de novembro de 2022.
GREENPEACE BRASIL. O Dia é das florestas, mas o presente é sempre nosso. Publicado em 20 de março de 2020. Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/o-dia-e-das-florestas-mas-o-presente-e-sempre-nosso/?utm_term=biodiversidade%20da%20amazonia&utm_campaign=%5BMAIO/20%5D+Florestas+-+NO&utm_source=adwords&utm_medium=ppc&hsa_acc=7235609613&hsa_cam=10032560071&hsa_grp=99134006817&hsa_ad=434673664689&hsa_src=g&hsa_tgt=kwd-338328199564&hsa_kw=biodiversidade%20da%20amazonia&hsa_mt=b&hsa_net=adwords&hsa_ver=3&gclid=CjwKCAjwzY2bBhB6EiwAPpUpZjczKM_nMZFRxD396LRn1bnfB2zGjMFwefJhHv4PTa-G1WWH8cZtsxoC2lQQAvD_BwE. Acesso em: 03 de novembro de 2022.
GREENPEACE BRASIL. Protegendo o desconhecido: O desmatamento e a biodiversidade na Amazônia. Disponível em: < https://www.greenpeace.org/brasil/protegendo-o-desconhecido/ > Acesso em: 05 de novembro de 2022.
GUYNUP, Sharon. As redes de tráfico que estão acelerando a extinção de espécies na Amazônia. Traduzido por: Carol de Marchi. Brasil Mongabay. Disponível em: < https://brasil.mongabay.com/2020/08/as-redes-de-trafico-que-estao-acelerando-a-extincao-de-especies-na-amazonia/#:~:text=A%20Amaz%C3%B4nia%20brasileira%20perde%20todo,vendidos%20como%20animais%20de%20estima%C3%A7%C3%A3o. > Acesso em: 05 de novembro de 2022.
MENEGASSI, Duda. Relatório aponta Amazônia como epicentro do tráfico de animais silvestres no Brasil. (o)eco. Publicado em: 03 de agosto de 2020. Disponível em: < https://oeco.org.br/reportagens/relatorio-aponta-amazonia-como-epicentro-do-trafico-de-animais-silvestres-no-brasil/ > Acesso em: 05 de novembro de 2022.
PEREIRA, Carlos Alberto Conti; CAPAZ, Giovanna Kersul Cappai. A biodiversidade na Amazônia e a biopirataria: uma abordagem jurídica. RATIO JURIS. REVISTA ELETRÔNICA DA GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE DIREITO DO SUL DE MINAS v. 2. n. 2. jul.-dez. 2019. Acesso em: 03 de novembro de 2022.
SILVA, Juliana França da. Tráfico de animais silvestres. Direito Net, 2018. Disponível em: < https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/10681/Trafico-de-animais-silvestres > Acesso em: 05 de novembro de 2022.