Lorena Freitas e Keity Oliveira (acadêmicas do 4º semestre de RI da UNAMA)

Natalia Antunes (acadêmica do 6º semestre de RI da UNAMA)

A urgência dos efeitos das mudanças climáticas é cada vez mais reconhecida pela comunidade internacional, se tornando inviável ignorar a consequência iminente das catástrofes ambientais causadas pelo homem. Ao se avaliar os impactos da problemática ambiental na população, é possível perceber que as mudanças climáticas afetam mulheres em uma escala consideravelmente maior. Mulheres são mais suscetíveis a serem vítimas de catástrofes – consequentes da degradação ambiental – como inundações (BBC, 2018), uma vez que elas, junto a outros grupos minoritários, têm mais chances de viver em piores condições socioeconômicas.

Em seu livro “O segundo sexo”, Simone de Beauvoir ressalta que a categoria fêmea não é suficiente para definir a mulher e que apenas o homem seria reconhecido como pertencente à categoria de sujeito, pelo motivo de que ele poderia prescindir da mulher para sua existência (AYMORÉ, 2020). Nessa perspectiva, a autora reconhece que em geral, a alteridade é fundamental para o pensamento humano, no qual destaca que “nenhuma coletividade se define nunca como Uma sem colocar imediatamente Outra diante de si” (BEAUVOIR, 2009, p. 17). Esta alteridade, projetada na natureza ou na mulher, permitiria a dependência do olhar ou da visão do sujeito que, em uma relação de conhecimento e de reconhecimento, objetifica ou corrige o outro, tornando-o objeto. Dessa forma, Beauvoir se debruça sob a investigação do significado de mulher, assim como outras autoras feministas que destacam a associação entre mulheres e a natureza e dentre essas perspectivas, surge o ecofeminismo.

O debate sobre os impactos da mudança climática nas mulheres foi introduzido na década de 1970 com o ecofeminismo, teoria que questiona, a partir de uma análise do gênero, a lógica de dominação e produção que oprime grupos como os “Outros humanos” (mulheres, população negra, indígenas, pobres, idosos e crianças) e “Outros terrestres” (animais não-humanos e a natureza) (WARREN, 2000). Assim, o ecofeminismo realiza uma interconexão entre a opressão de mulheres e a dominação da natureza pelo paradigma desenvolvimentista que fundamenta as relações de produção e trabalho.

Em sua definição, o ecofeminismo, conhecido inicialmente por feminismo ecológico, se constitui de um conjunto de teorias e práticas que abarca três áreas: os estudos feministas, ambientalistas e em alguns casos, o animalista. Nesse sentido, de acordo com ROSENDO e KUHNEN (2021), esse campo teórico pode ser associado a diferentes áreas de estudo, que articulam com pelo menos três categorias fundamentais em suas abordagens: as mulheres, a natureza e os animais. A relação entre essas categorias é estabelecida a partir da percepção de que diferentes formas de exploração, dominação e opressão estão interconectadas, de modo que são reforçadas mutuamente e no sistema capitalista e patriarcal, essa relação se dá entre as minorias políticas de forma estrutural (ROSENDO e KUHNEN, 2021).

Os instituidores do capitalismo patriarcal são responsáveis por criarem uma noção antropocentrista e especista, que subjuga a natureza e a separa dos humanos, colocando a natureza como um objeto a ser dominado e manipulado explorado. Dessa mesma forma, há uma justaposição entre a sistemática de opressão das mulheres, e de outros grupos, (machismo, racismo, classicismo, especismo), e a lógica de dominação da natureza citada anteriormente. O ecofeminismo enxerga essa interseccionalidade e a necessidade da inserção feminina no movimento em busca do equilíbrio ambiental e desenvolvimento sustentável.

A vivência das mulheres amazônidas é marcada pela conexão profunda com a terra, a floresta e a água em uma relação vibracional que precede sua ancestralidade. As experiências dessas mulheres, são evocadas em narrativas e mitos, passados de geração em geração e que constitui o eterno feminino, uma energia cósmica que vibra nas práticas sociais das mulheres da Amazônia (CALDAS, 2021). Diante disso, Vandana Shiva (1991) desenvolveu um olhar feminista e ecológico para perceber que através dessas práticas, um poder e um saber intuitivo das mulheres se concentram na conservação do meio ambiente e no cuidado com o planeta, no qual se percebe que a natureza é vista como um organismo vivo que estabelece uma conexão mútua com mulheres e homens por meio do princípio feminino.

Como sugere Capra (2004), essa conexão é algo que está em nós, e nós nela. Uma teia que conecta o pensamento ecológico, a agroecologia e o fio condutor da ecologia de saberes que estabelece a perspectiva do ecofeminismo amazônico. Nesse viés, os povos das comunidades tradicionais da Amazônia têm na natureza sua grande referência, representando outrossim, o ponto de equilíbrio da própria vida do povo (TORRES, 2005), em especial, as mulheres, que sempre ficaram à margem ou na sombra do conhecimento e do pensamento ocidental, mesmo sendo as principais responsáveis pela conservação da floresta, por cultivar, arar e colher alimentos em produções agroecológicas.

As práticas do ecofeminismo na Amazônia, de forma geral, assentam-se em um projeto ético-político no âmbito da perspectiva agroflorestal, em defesa da floresta, da biodiversidade e da produção de alimentos orgânicos sem agredir o bioma (CALDAS, 2021). Dessa maneira, o trabalho agrícola é um dos principais meios que contribui para dar maior celeridade à terra e à floresta sem o uso de agrotóxicos que atingem negativamente a saúde humana, tornando a agroecologia fundamental para a soberania alimentar e para a emancipação de mulheres que trabalham com isso.

Sobre isso, se destaca a importância da Marcha das Margaridas, um movimento social brasileiro de abrangência nacional, no qual seu nome é inspirado na líder sindical paraibana, Margarida Alves, precursora na luta pelos direitos dos trabalhos do campo, sendo assassinada em 1983. A marcha é realizada desde 2000 e seus principais objetivos visam a capacidade de mobilização para as causas das diferentes mulheres do meio rural: as mulheres do campo, da floresta e das águas (KUHNEN, 2020). Dessa forma, a realização das marchas reafirma a pluralidade da diversidade de mulheres rurais no Sul Global, evidenciando a construção de um ecofeminismo latino-americano que englobe sua protagonização nos espaços do campo.

Outrossim, como exemplo, se tem a Associação de Mulheres Agricultoras dos assentamentos Paulo Fonteles, Mártires de Abril e Elisabete Teixeira (Amacampo), composta por mulheres que são protagonistas na linha de frente da produção e da comercialização de produtos a partir de práticas agroecológicas na agricultura, apicultura e psicultura (OLIVEIRA, 2017). O coletivo feminino foi criado em 2007, com a venda de bombons recheados de frutas nativas, licores e compotas e as áreas de reforma agrária que constituem o Amacampo, estão localizadas na Ilha de Mosqueiro, em Belém (PA). Nesse sentido, além de promover a independência de diversas mulheres empreendedoras, o coletivo também busca levantar a bandeira da preservação amazônica, no qual destacam a importância do empoderamento das mulheres amazônidas para a formação de uma rede de economia solidária feminista, criada pelo elo entre elas e a natureza.

É inegável que a destruição do meio ambiente e as mudanças climáticas atingem toda a humanidade, mas é necessário salientar a intensificação das suas consequências sobre as mulheres, tornando-as as mais graves vítimas da injustiça ambiental.

O ecofeminismo, a partir de suas teorias e práticas interconetadas, mostra como as explorações do feminino e da natureza estão de mãos dadas. O pensar e o agir a partir dessa perspectiva traz não apenas a “libertação feminina”, mas também a justiça climática (AzMina, 2021). Quando se racionaliza sobre as bases dessas explorações, que se personifica no modelo de sociedade vivida, patriarcal, capitalista e eurocêntrica, as possibilidades de mudança e transformação começam a ser delineadas, pois enxerga-se a estrutura social e suas consequências. O topo, ocupado por homens brancos e ricos, enquanto a base é formada por mulheres, negros e indígenas, aonde todos esses grupos tentam preservar e conservar a natureza.

Diante da temática exposta, recomendamos dois livros, sendo o primeiro “O ecofeminismo na Amazônia – Relatos de Experiência da Comunidade São Francisco de Assis, Careiro da Várzea, Amazonas, Brasil” da autora Jaíse Marien Fraxe Tavares. Na obra, Jaíse guia seus leitores na travessia das três ondas do movimento feminista até chegarmos no ponto de convergência entre a terceira onda do movimento ambientalista, no final do século XX, que deu origem ao Ecofeminismo. Nesse sentido, ela apresenta de maneira crítica e reflexiva, as vertentes clássica, espiritualista e construtivista do Ecofeminismo e ressignifica conceitos pela via do pensamento feminista decolonial.

O segundo se chama “Mulheres amazônidas: ecofeminismo, mineração e economias populares” do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) que traz quatro artigos que abordam o impacto da mineração, destacando aspectos que vão para além de seus efeitos mensuráveis, captando as questões psicológicas e subjetivas do cotidiano das mulheres. Ademais, o livro conta com ilustrações de Beatriz Belo, artista de Macapá, que buscou captar a relação entre corpo e território, central na vida comunitária das mulheres desta região.

Para mais informações, acesse:

“O ecofeminismo na Amazônia” < https://www.livrarialua.com.br/produtos/o-ecofeminismo-na-amazonia-relatos-de-experiencia-da-comunidade-sao-francisco-de-assis-careiro-da-varzea-amazonas-brasil/ >

“Mulheres amazônidas: ecofeminismo, mineração e economias populares” < https://www.inesc.org.br/livro-mulheres-amazonidas-ecofeminismo-mineracao-e-economias-populares/ >

Outrossim, recomenda-se o podcast “Ecofeminismo: Mulheres e Natureza”, uma série de 6 episódios que busca discutir a importância da conexão das mulheres com os seres não-humanos e o meio-ambiente. A série tem como objetivo abordar as questões éticas e morais, além das questões culturais, sociais e econômicas, relacionadas ao feminismo, veganismo e ecologia. Dentro do podcast, destacamos a “Práxis Ecofeminista”, série de seis episódios, apresentada por Daniela Rosendo, doutora e mestre em Filosofia, e graduada em Direito.

Para mais informações, acesse:

Instagram da apresentadora: < https://www.instagram.com/quilt_ecofeminista/ >

Links para ouvir o podcast com os episódios completos:

Spotify: < https://open.spotify.com/show/5rHSoIerIEm9Haa59ugBQv >

Apple: < https://podcasts.apple.com/br/podcast/pr%C3%A1xis-ecofeminista-ep-01-mulheres-clima-e-extrativismo/id1466024956?i=1000550606341 >

Deezer: < https://www.deezer.com/br/show/3094352 >

Por fim, destaca-se o trabalho feito pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), um espaço de articulação e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajada em experiências concretas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de desenvolvimento rural. Sua estrutura organizativa é composta por grupos de trabalho (GTs) e coletivos dos quais participam as organizações e redes que desenvolvem trabalhos nos temas e assuntos mobilizadores dos GTs e Coletivos.

Para mais informações, acesse:

Site Oficial: < https://agroecologia.org.br/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/ana_agroecologia/?hl=pt >

Facebook: < https://www.facebook.com/articulacaonacionaldeagroecologia/ >

Twitter: < https://twitter.com/anaagroecologia >

REFERÊNCIAS

AYMORÉ, Débora. O Ecofeminismo e a Relação entre Natureza e Mulher. Fênix-Revista de História e Estudos Culturais, v. 17, n. 1, p. 175-192, 2020. Disponível em: < https://revistafenix.emnuvens.com.br/revistafenix/article/view/53 > Acesso em: 08 de outubro de 2022.

AzMina. Meio ambiente e mulheres: conheça o ecofeminismo. Canal Youtube. Publicado em 2021. Disponível em: Meio ambiente e mulheres: conheça o ecofeminismo. Acesso em 10 de outubro de 2022.

BBC. Climate change ‘impacts women more than men’. Publicado em: 08 de março de 2022. Disponível em: < https://www.bbc.com/news/science-environment-43294221 > Acesso em: 04 de outubro de 2022.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. 2º ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. Acesso em: 08 de outubro de 2022.

CALDAS, Iraildes. Por uma ecoética do cuidado baseado nas mulheres da floresta. Revista Amazônia Latitude. 2021. Disponível em: < https://www.amazonialatitude.com/2021/12/06/por-uma-ecoetica-do-cuidado-inspirada-nas-mulheres-da-floresta/ > Acesso em: 08 de outubro de 2022.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compressão cientifica dos sistemas vivos. Traduzido por Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2004. Acesso em: 08 de outubro de 2022.

KUHNEN, Tânia. Marcha das Margaridas: apontamentos para um (eco) feminismo latino-americano. Sul-Sul-Revista de Ciências Humanas e Sociais, v. 1, n. 01, p. 124-147, 2020. Acesso em: 08 de outubro de 2022.

OLIVEIRA, Marina. Coletivo de agricultoras paraenses levanta a bandeira do feminismo e da agroecologia. Brasil Agroecológico. Disponível em: < http://www.agroecologia.gov.br/noticia/coletivo-de-agricultoras-paraenses-levanta-bandeira-do-feminismo-e-da-agroecologia > Acesso em: 08 de outubro de 2022.

ROSENDO, Daniela. Sensível ao cuidado: Uma perspectiva ética ecofeminista. Curitiba: Prismas, 2015. Acesso em: 04 de outubro de 2022.

ROSENDO, Daniela; KUHNEN, Tânia. Ecofeminismos. Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas: Mulheres na Filosofia, v. 7, n. 2, p. 16-40, 2021. Disponível em: <  https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/ecofeminismos/ > Acesso em: 08 de agosto de 2022.

SHIVA, Vandana. Abrazar la vida: Mujer, Ecologia Y Supervivência. Montevideo: Instituto Del Tecer Mundo, 1991. Acesso em: 08 de outubro de 2022.

TORRES, Iraldes Caldas. As novas Amazônidas. Manaus: Edua – Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2005. Acesso em: 08 de outubro de 2022.

WARREN, Karen J. Ecofeminist Philosophy. 2000. Acesso em: 04 de outubro de 2022.