Profª Tienay Costa
O ano de 2022 marca o bicentenário da independência do nosso país, forjadamentedatada no dia 07 de setembro de 1822 e no imaginário nacional daquilo que veio a ser o Brasil. A simbologia da data evoca reflexões acerca das trajetórias seguidas até aqui edesvela um misto de ansiedade e incerteza sobre o que ainda está por vir, especialmente se coadunada ao ano de eleição presidencial; de qual independência estamos falando? O quão independente somos? O que podemos (mas talvez não devêssemos) comemorar?Estes questionamentos parecem rondar a consciência histórica e política dos Estados colonizados e de experiência republicana relativamente recente e conturbada, como é o caso brasileiro.
Como ponto de partida, deve-se reconhecer o “não lugar” da independência do Brasil no quadro das revoluções que subverteram verdadeiramente a ordem vigente. Na visão de Hannah Arendt (2011), a experiência de ser livre e a capacidade humana de dar início a algo novo são pressupostos para que se possa pensar em revolução; assim, pensemos o processo de independência como o declínio formal do domínio colonial sobre o território brasileiro, mas não como a alteração das estruturas que fundamentavam a vida na América portuguesa.
Não se trata de ignorar a importância do estabelecimento da soberania brasileira, mas de admitir a colonialidade fincada na mente e estampada na face dos muitos “Brasis”, ora representados, ora negados pelas elites. Como bem retratam Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, na indispensável obra “Brasil: Uma biografia”, éramos uma monarquia cercada de repúblicas por todos os lados, porém, mantivemos o monarca e experienciamos os reflexos da constituição de 1824, que apesar de uma pretensão liberal, concentrou poderes na mão do imperador e deu prosseguimento ao sistema escravocrata.
O mesmo país que nacionalizou o colonizador segue afeito ao estrangeirismo, ao autoritarismo e ao racismo. Há de se identificar uma grande ironia no aumento dos gastos de dinheiro de público em torno das comemorações do 07/09, realizados pelo atual governo; o patriotismo brasileiro contraditório e partidarizado deixa espaço para que saibamos, exatamente, o que não comemorar.
Por outro lado, o processo de independência iniciou uma longa jornada de emancipação política e pôde dar vazão à resistência daqueles que se posicionaram contrários ao Império. Assim, contrariando o mito da “cordialidade” brasileira, problematizado por Sérgio Buarque de Hollanda (1995), o período que se seguiu não foi aceito pacificamente. Da invasão da América (ou da “Abya Yala”) à Cabanagem, dos golpes democráticos às urnas, ruas e escolas, houve e há resistência, fato que podemoscomemorar.
A trajetória do Brasil é de sangue e de luta. A veia revolucionária pulsa nos povos que aqui já estavam e que aqui se (trans)formaram. Sem romantização de datas e com o reconhecimento dos avanços e retrocessos de uma história não linear, que as instituições democráticas deste país possam ser celebradas e que todo o ataque a elas direcionados sejam repudiados e combatidos, em nome da liberdade dos múltiplos povos que constituem o nosso país.
Sob um olhar esperançoso, é possível dizer que muitas revoluções ainda estão por vir, descentralizadas, capilarizadas nos movimentos sociais e na consciência de classe que precisa se fortalecer apesar da pulverização dos interesses. Distante das margens do rio Ipiranga, há um grito de liberdade e de emancipação humana constantemente preso na garganta! Sigamos.
REFERENCIAS:
ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SCHWARCZ, L.M;STARLING, H.M. Brasil: Uma biografia. São Paulo: 1ª Edição, Companhia das letras, 2015.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1995.