
Alana Andrade – Internacionalista graduada pela Unama
Grande parte da história do século XX foi moldada pelos desdobramentos das mudanças internas ocorridas na Rússia. Sua Revolução em 1917, e consequente retirada da 1ª Guerra Mundial, trouxeram para o mundo uma nova forma de organização política e econômica que “ameaçou” países por décadas, o comunismo ou o “terror vermelho”.
No conflito mundial subsequente, também teve papel decisivo ao representar a reviravolta que conteve a onda nazista pela Europa, sendo um dos países a participar da divisão de espólios deixados pelo governo alemão derrotado. A partir daqui entra-se no período da Guerra Fria, a qual foi a protagonista até seu desmembramento no início dos anos 90.
Mikhail Gorbachev surge como a figura que presidiu o processo do fim da URSS (MILLER, 2016). De 1985 até 1991, Gorbachev implantou políticas de abertura na República Socialista que a aproximaram do ocidente, e diminuíram as hostilidades presentes entre os dois lados, simbolizadas pela sua relação com o presidente americano Ronald Reagan.
Segundo o próprio, em seu livro “Perestroika: New Thinking for Our Country and the World” (1987), a política externa da União Soviética estava sendo mudada para avançar nas reformas internas do país, as quais buscavam mais abertura e contato com o exterior.
Reagan e Gorbachev em janeiro daquele ano, já tinha assinado um tratado de controle de forças nucleares de alcance intermediário, dando fim assim, ao que era conhecido como “Guerra Fria II”, período de grande tensão entre os dois lados no início dos anos 80 (D’AGOSTINO, 2016). Além disso, aceitou a proposta de um acordo diplomático chamado “Operação Zero”, idealizado pelo presidente norte-americano, no qual os Estados Unidos e a URSS se propunham a eliminar todos os mísseis em questão (D’AGOSTINO, 2016).
Em questões internas, no governo Gorbachev houve a libertação da prisão ou do exílio de dissidentes do regime soviético. A adoção da política da Glasnost trouxe liberdade para a imprensa, escritores, artistas e estudantes, e a implementação de eleições multipartidárias demonstrou uma faceta democrática nunca antes vista no país. Externamente, o último governo soviético retirou suas tropas do Afeganistão e eliminou seu controle sob Estados da Europa Central e Oriental (REMNICK, 2022).
Passados mais de 30 anos do governo de Mikhail Gorbachev, a Rússia superou as instabilidades após o fim da URSS e iniciou o novo século como uma das apostas de países emergentes que se tornariam relevantes economicamente nos próximos anos. Sua imponente extensão territorial e a herança militar do período soviético, a manteve em relevância político-estratégica até os dias atuais, mas também o modo como foi governada também teve sua influência no posto que a Rússia ocupa dentro do xadrez geopolítico do sistema internacional.
O governo de Vladmir Putin, ex-espião da KGB, transformou a economia do país após as crises pós-URSS e no campo político busca constantemente resgatar as glórias da “Grande Mãe Rússia”, objetivando a influência nos Estados satélites que antes formavam seu grande império.
A atual guerra contra a Ucrânia exemplifica exatamente a intenção russa de controle geopolítico sob aquela região. A ameaça de entrada do Estado ucraniano na OTAN, organização militar ocidental, tensiona os limites de segurança do território russo e põe em xeque seu papel de hegemon (figura de máximo poder em um espaço) em áreas de histórica influência. Dessa forma, a atual política externa russa tenta recuperar (não nos mesmos moldes) seus tempos de glória, garantindo o controle decisivo em Estados da Europa Oriental.
Gorbachev amenizou as políticas soviéticas que Putin tenta recuperar na atualidade. Putin se apoia na memória do povo russo de sua antiga “glória” para representar o papel de antagonista do ocidente tal qual os tempos da Guerra Fria. Seus diferentes modos de guiar o grande Estado russo não afetam apenas internamente, mas também moldam a geopolítica local, ora em tempos de abertura, ora em tempos de controle sobre estes territórios.
Em setembro de 2022 morreu Mikhail Gorbachev, inflando na memória americana tempos de uma Rússia “amiga”, e claro, tecendo grandes comparações com a sua relação atual. Mas nada pode ser mais explícito de contraste como o próprio comportamento de Putin em relação ao antigo líder. Segundo o porta-voz do Presidente, Dmitry Peskov, Putin não pode comparecer ao funeral devido a compromissos em sua agenda. Entretanto, o governante foi ao hospital em que Gorbachev morreu prestar suas homenagens, deixando um buquê de flores e saindo logo em seguida. A atual Rússia deve ser apoiar no passado, mas não o de Gorbachev.
Referências:
D’AGOSTINO, Anthony. Gorbachev’s Revolution, 1985–1991. Springer, 2016.
GORBACHEV, Mikhail. Perestroika: New Thinking for Our Country and the World. HarperCollins, 1987.
MILLER, John. Mikhail Gorbachev and the End of Soviet Power. Springer, 2016.
REMNICK, David. Mikhail Gorbachev’s Enduring Example. The New Yorker, set. 2022. Disponível em: https://www.newyorker.com/magazine/2022/09/12/mikhail-gorbachevs-enduring-example/amp