Keity Oliveira e Lorena Carneiro – Acadêmicas do 4º semestre de RI da Unama

Engana-se quem pensa em Amazônia apenas como um rico e complexo bioma, chamariz de olhares e interesses de várias partes do mundo. Por trás das suas riquezas naturais, a ação criminosa e predatória do homem se faz presente no dia a dia da floresta, colocando em risco não apenas o meio ambiente, mas também o povo que ali vive, que tem as matas e os rios como seu santuário, além de sua fonte de subsistência. A complexidade amazônica monta o cenário perfeito para a atuação das grandes redes do crime organizado, seja ele atuante na destruição ambiental ou no tráfico internacional de drogas. Atividades essas que estão, muitas vezes, interligadas e movimentam uma gigantesca economia ilegal na região.

As características geográficas da área são um dos fatores que ajudam a explicar o sucesso da ação desses grupos criminosos. A enorme extensão territorial, a mata fechada, rios caudalosos e a baixa fiscalização estatal nas fronteiras fazem com que o escoamento de drogas, por exemplo, especialmente a cocaína vinda dos países andinos, como o Peru, segundo maior produtor do mundo, flua sem maiores problemas e alcance os pontos de distribuição e consumo pelo Brasil afora (COUTO, 2019), além de chegar aos portos, onde vários navios já aguardam a carga para levá-la aos mercados consumidores estrangeiros, a exemplo de vários países da Europa. Segundo Aiala (2019), toda essa logística é operada por grandes facções criminosas, como PCC – Primeiro Comando da Capital, CV – Comando Vermelho e FDN – Família do Norte, que disputam o mercado da droga no Brasil e na região.

A ação desses grupos leva terror e medo a várias cidades do interior amazônico, em especial as que fazem parte diretamente da rota do tráfico. Alguns desses lugares são reservas indígenas, que mesmo constitucionalmente protegidas, sofrem com a ação dos criminosos. A Amazônia, com tantas particularidades sociogeográficas (COUTO, 2019), torna-se um oásis para as redes do crime.

Hodiernamente, percebe-se que os grupos criminosos, que antes dedicavam-se exclusivamente ao tráfico de drogas e faziam da Amazônia seu corredor logístico, agora atuam também em atividades predatórias ambientais, como a extração ilegal de madeira, garimpo, além da biopirataria. O narcotráfico percebeu na enfraquecida legislação ambiental brasileira a oportunidade de exponenciar seus lucros, visto que as riquezas provenientes da floresta têm alto valor de mercado, aquecendo, assim, seus negócios. Tais atividades violam as mais diferentes prerrogativas legais, como a invasão de terras indígenas para fins de exploração mineral e pesca ilegal.

É o que acontece com a reserva Yanomami, localizada próximo à fronteira da Venezuela, considerada a maior do Brasil. Um relatório emitido pela Hutukara Associação Yanomami (2022), mostra que o PCC – Primeiro Comando da Capital, facção criminosa com origem em São Paulo, tem expandido suas atividades na área, inaugurando o que os especialistas chamam de narcogarimpo. A necessidade de se alimentar a cadeia do tráfico, hoje não apenas o de drogas, como o de animais, plantas e até de pessoas, tem feito da floresta um lugar de perigo iminente.

O documento mostra, ainda, a mudança no perfil de quem atua nas atividades garimpeiras e madeireiras. Homens, visivelmente não pertencentes à região, munidos de armas mais sofisticadas, como pistolas e fuzis e a bordo de embarcações tecnologicamente mais estruturadas. As ameaças, antigamente mais veladas, tornaram-se mais agressivas e violentas, mostrando a real intenção de quem agora marca seu território na floresta. 

O episódio que comprova a ação desses criminosos se deu no dia 10 de maio de 2021 (NEXO, 2022), onde sete embarcações, com homens vestidos com coletes a prova de balas se aproximaram da comunidade Yakepraoepe e abriram fogo. Duas crianças indígenas morreram. O ataque foi uma retaliação aos Yanomamis, que no mês anterior tentaram bloquear a atividade garimpeira. Estima-se que a área Yanomami mais afetada é a que compreende a calha do rio Uraricoera, que concentra, por volta de 45%, os acampamentos e canteiros do garimpo.

Outro ponto que merece destaque, quando se fala em dominação criminosa na Amazônia, é a atuação (ou a falta dela) do Estado, especialmente da esfera federal, que conta com vários personagens para fazer sua presença e fiscalização serem sentidas, sejam pelas Forças Armadas, sejam pelos órgãos instituídos para tal, como IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, FUNAI- Fundação Nacional do Índio ou ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, além da Polícia Federal. O vazio deixado pelo Estado potencializa ainda mais o fortalecimento das redes criminosas na região.

Segundo defende o professor Aiala Couto (2019), as fronteiras da região tornaram-se desprotegidas diante das ações do narcotráfico. Tanto as áreas limítrofes quanto os interiores dos estados, ao longo de grandes cursos de mata e rios, são espaços vulneráveis e instáveis, facilitados pela presença precária do Estado. As Forças Armadas mostram-se ineptas a exercerem suas funções quando se concentram no eixo Centro-Sul do país, lotando quartéis sem necessidade e deixando uma imensa desproteção no espaço amazônico.

Intrinsicamente ligada a esse cenário está a falta de vontade política, principalmente a exercida pela atual gestão brasileira. Young (2022) afirma ser a falta de interesse das mais altas esferas de poder a causa maior da expansão da rede criminosa na Amazônia. O atual presidente da República, Jair Bolsonaro, em sua primeira campanha eleitoral, já preconizava o desprezo pela questão ambiental e indígena, quando afirmava que não haveria mais nenhum centímetro de demarcação de terras aos povos originários no Brasil. Além dessa infeliz fala, o governo federal tem, ao longo dos últimos anos, diminuído os investimentos para a fiscalização ambiental.

Mesmo com o quadro deficitário, algumas ações da Polícia Federal em conjunto com o IBAMA, tentam coibir as ações criminosas na região, como a que ocorreu em Alter do Chão (PA), onde maquinários foram destruídos e balsas queimadas a fim de expulsarem os garimpeiros. Porém, quando as instituições aprofundam as investigações acerca da estruturação criminosa na Amazônia, descobre-se que existe todo um esquema legalmente montado, inclusive com participação política, para atender aos interesses das redes.

A força das facções criminosas intensifica-se a cada assassinato cometido contra quem tenta denunciar e combater as atrocidades ocorridas na floresta. Foi o caso de Dom Phillips, de Bruno, de Dorothy e no último dia 27 de agosto, o do delegado da Polícia Federal, Roberto Moreira da Silva Filho, morto em confronto com madeireiros, na região do Mato Grosso (CONGRESSO, 2002). O servidor tinha como objetivo maior acabar com a extração ilegal de madeira em terras indígenas.

A cooptação de comunidades e autoridades para a prática de crimes é facilitada pelo vazio deixado pelo Estado. Vazio esse muito além da proteção e fiscalização de fronteiras. Falta a real vontade de desenvolver a Amazônia, de forma sustentável e participativa. Não estamos falando de espaços vazios, pois há milhares de anos várias comunidades manejam a floresta e sabem como sobreviver a ela sem a necessidade de destrui-la.

Nessa perspectiva, a Amazônia tornou-se cenário para atuação de grandes articulações do crime organizado que colocam não somente a biodiversidade da floresta em risco, mas também, os povos que ali habitam. Para o professor Aiala Couto, “O desenho atual para a região amazônica é um desenho neoliberal na sua essência […]” (PAJOLLA, 2022), que demonstra a tentativa de legitimidade de um modelo de desenvolvimento de caráter predatório e capitalista que avança sob a região e em larga escala sob a retórica das políticas anti-ambientais de Jair Bolsonaro.

Portanto, faz-se necessário o estabelecimento de um novo paradigma de governança, com apoios político, institucional, capacitando as inteligências, aumentando suas habilidades operacionais e da própria sociedade civil. Falta a real consciência de que a Amazônia é vital para o desenvolvimento do Brasil, não apenas com manutenção da floresta propriamente dita, mas com o fomento às comunidades, promovendo avanços sociais e econômicos.

Diante da temática exposta, destaca-se o trabalho feito pelo Instituto Igarapé, um think tank focado nas áreas de segurança pública, climática e digital e suas consequências para a democracia. Seu desafio é propor soluções e parcerias para desafios globais por meio de pesquisas, novas tecnologias, comunicação e influência em políticas públicas.

Para mais informações, acesse:

Site oficial: < https://igarape.org.br/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/igarape_org/ >

Twitter: < https://twitter.com/igarape_org >

Facebook: < https://www.facebook.com/InstitutoIgarape/ >

Outrossim, destacamos o CIR – Conselho Indígena de Roraima, uma organização indígena, cujo objetivo é lutar pelos direitos constitucionalmente protegidos. Sua atuação hoje, abrange as 35 terras indígenas do estado de Roraima, como a Yanomami e Sapará.

Site oficial: < https://cir.org.br/site/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/cir_conselhoindigenaderoraima/ >

Twitter: < https://twitter.com/conselhororaima >

Facebook: < https://www.facebook.com/conselhoindigena.cir/ >

Também se recomenda a leitura do romance “Amazônia – Amor e Crime”, escrito por Floriano Almeida. Na obra, o autor faz uma viagem fascinante ao misterioso mundo amazônico e ao submundo do crime organizado do narcotráfico. E como forma mais ilustrativa, se sugere o documentário “Amazônia Sociedade Anônima”, que mostra como a grilagem e o crime organizado ganham milhões desmatando a floresta, e a resistência de uma nação indígena contra os invasores. A obra está disponível na plataforma de streaming Globoplay.

Por fim, se recomenda a leitura do relatório “Cartografia das Violências na Região Amazônica”, desenvolvido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e parceria de pesquisadores do Grupo de Pesquisa Territórios Emergentes e Redes de Resistência na Amazônia (TERRA), da Universidade do Estado do Pará – UEPA. O relatório visa sintetizar, cruzar e analisar dados sobre ilegalidades, criminalidade e segurança pública na Amazônia com o debate socioambiental.

Disponível em: < https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/cartografias-das-violencias-na-regiao-amazonica/ >

REFERÊNCIAS

BBC BRASIL. Crimes na Amazônia: região sofre com prostituição infantil, tráfico de drogas, pessoas e madeira. Publicado em 17 de junho de 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61835504. Acesso em: 27 de agosto de 2022.

Congresso em foco. Delegado da PF é morto com tiro durante operação contra madeireiros em MT. Publicado em 27 de agosto de 2022. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/delegado-da-pf-e-morto-com-tiro-durante-operacao-contra-madeireiros-em-mt/. Acesso em: 28 de gosto de 2022.

COUTO, Aiala Colares de Oliveira. Amazônia: fronteiras, grandes projetos e movimentos sociais. Belém: EDUEPA,2019.

COUTO, Aiala Colares de Oliveira. Conectividade e territórios em rede do narcotráfico na Amazônia brasileira. In: GeoTextos, vol.15, nº2, dezembro 2019, p. 123-147. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/geotextos/article/view/33820/20221. Acesso em: 28 de agosto de 2022.

Hutukara Associação Yanomami. Hutukara lança novo relatório com dados, imagens áereas e relatos do inferno provocado pela invasão do garimpo ilegal. Publicado em 11 de abril de 2022. Disponível em: https://cir.org.br/site/2022/04/11/hutukara-lanca-novo-relatorio-com-dados-imagens-aereas-e-relatos-do-inferno-provocado-pela-invasao-do-garimpo-ilegal/. Acesso em: 28 de agosto de 2022.

NEXO. O que é o narcogarimpo e como ele atinge os indígenas. Publicado em 12 de abril de 2022. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/04/12/O-que-%C3%A9-o-narcogarimpo.-E-como-ele-atinge-os-ind%C3%ADgenas. Acesso em: 28 de agosto de 2022.

PAJOLLA, Murilo. Banditismo, necropolítica e lucro a qualquer custo: a Amazônia virou uma terra sem lei? Brasil de Fato. Publicado em: 22 de junho de 2022. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2022/06/22/banditismo-necropolitica-e-lucro-a-qualquer-custo-a-amazonia-virou-uma-terra-sem-lei > Acesso em: 28 de agosto de 2022.

YOUNG, Carlos Eduardo. Como tirar a Amazônia do controle do crime organizado. Entrevista dada ao Programa Nova Economia, do canal TV GGN, no YouTube. Publicada em 16 de junho de 2022. Disponível em: COMO TIRAR A AMAZÔNIA DO CONTROLE DO CRIME ORGANIZADO • NOVA ECONOMIA • TVGGN (16/06). Acesso em: 28 de agosto de 2022.