Heitor Sena – Acadêmico do 4º semestre de Relações Internacionais da UNAMA

A financeirização é um fenômeno que tem promovido modificações radicais no funcionamento da economia internacional. Em Casino Capitalism (1997), Susan Strange adverte sobre a incapacidade dos Estados em controlar os seus mercados. Neste caso, a impotência dos governos em regular a atividade econômica (especialmente a especulação financeira) transformava-a em algo semelhante a um jogo de azar, uma vez que instaurar-se-ia um sistema econômico marcado pelo risco e pela volatilidade, um sistema que diverte recursos da ala produtiva para a especulação e apostas. (STRANGE 1997, p.100) 

Além disso, cabe destacar a abordagem institucionalista de José Reis. Nesse âmbito, a relação entre Estado e Mercado deve ser vista com uma abordagem que transcenda o reducionismo meramente político, uma vez que a ação do Estado pode impactar em toda a vida social. Desse modo, a ação do Estado permite a construção do Mercado, não só através de sua legislação, mas também pela forma como impacta as dinâmicas relacionais de uma sociedade (Reis 2012, p.97-98). A compreensão desses conceitos é de suma importância para a análise de um fato extremamente perceptível para os brasileiros – a rápida ascensão das casas de apostas. 

Hodiernamente, o brasileiro está sujeito a constantes propagandas provenientes de casas de apostas, seja em comerciais, anúncios na internet ou mesmo na camisa de seu time de futebol preferido. Este constante bombardeio demonstra o poder econômico do ramo, que hoje se mostra intrinsecamente inserido em um setor que movimenta quase R$53 bilhões (CBF 2019). Mas afinal, como foi possível a popularização dos jogos de azar em um país que, de acordo com a Lei 9215/46, proíbe sua atividade?

Em 2018, o Brasil aprovou uma lei que permite a atuação de casas de apostas no país até 2022. A medida juntou-se a outras reformas de cunho neoliberal que vinham sendo realizadas no período. Logo, o cenário em que a lei foi aprovada estava marcado pela desregulamentação da atividade econômica, portanto, trazia também uma precarização de direitos trabalhistas, bem como redução dos gastos públicos.

Desde então, a atividade do mercado financeiro tem se tornado cada vez mais forte. Com isso, as casas de aposta cresceram exponencialmente, agora patrocinando todos os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, bem como transmitindo seus comerciais nas maiores emissoras de televisão do país, onde seus anúncios prometendo dinheiro fácil e rápido mostram-se cada vez mais persuasivos. (EL PAÍS 2021)

Neste sentido, é de nota que a lei brasileira mostrou-se incapaz de estabelecer um controle sobre as casas de apostas, que muitas vezes possuem sede no exterior, escapando das leis brasileiras sobre jogos de azar e movimentando quantias exorbitantes sem tributação.

Não obstante, a falta de tributação não é o único problema econômico. A popularização dos jogos de azar proporciona uma constante transferência de capital do setor produtivo para o financeiro. Notar-se-á que  os jogos de azar podem ser altamente viciantes, portanto, trazem também um problema social à medida que as pessoas se tornam mais dependentes.

Por isso, apesar de a atuação das casas de aposta no Brasil necessitarem de uma regulamentação adequada, não se pode desconsiderar os efeitos que elas trás para a sociedade como um todo. Por isso, o novo marco regulatório, que tem como objetivo regular a atuação das casas de apostas já existentes no Brasil (e cujo funcionamento não estará mais garantido por lei), além de possibilitar a atividade de mais jogos de azar, se tornou um tópico tão sensível.

Indubitavelmente, as casas de apostas se tornaram um dos pilares para o financiamento de diversas empresas. Seus patrocínios milionários a clubes e emissoras, por exemplo, podem permitir a expansão de seus negócios e, em alguns casos, até mesmo a sua própria existência. Nesse caso, a perda desse capital seria certamente prejudicial para o funcionamento da Economia, sendo impreterível que se proporcione alternativas de financiamento.

Desse modo, a questão das casas de apostas põe em discussão justamente os benefícios econômicos do mercado financeiro, em especial o investimento indireto, contra os malefícios sociais da transferência de recursos da ala produtiva para a especulação.

Por fim, pode-se concluir que ao analisarmos a popularização das casas de apostas no Brasil a advertência de Strange se torna profética. Além disso, a abordagem institucionalista de Reis também mostra-se relevante, à medida que o discurso de dinheiro rápido e fácil propagado por casas de apostas foi certamente impulsionado pelo cenário de precarização advindo de reformas neoliberais e, com isso, gerando pessoas cada vez mais dependentes em jogos de azar, algo que somente irá se agravar com o novo marco regulatório. Desse modo, no campo da economia, as casas de apostas trazem desafios não só para trazer mais tributos aos cofres públicos, mas também para conter a saída de recursos da esfera produtiva para a financeira, que nada produz.

REFERÊNCIAS

STRANGE, Susan. Casino Capitalism. Manchester: Manchester University Press 1997

REIS, José. The State and the Market: an institutionalist and relational take. Coimbra: Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, 2012

ELPAÍS. Casas de apostas tomam o Brasil mas movimentam seus bilhões de Reais fora do país. ELPAÍS, 25 set 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/esportes/2021-09-25/casas-de-aposta-esportiva-tomam-o-brasil-mas-movimentam-seus-bilhoes-de-reais-fora-do-pais.html Acesso em 27 ago 2022.

CBF. CBF apresenta relatório sobre o papel do futebol na economia do Brasil. CBF, 14 dez. 2019. Disponível em:  https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/cbf-apresenta-relatorio-sobre-papel-do-futebol-na-economia-do-brasil. Acesso em: 27 ago. 2022