Natália Antunes – Acadêmica do 6º semestre de RI da Unama

Keity Oliveira e Lorena Carneiro – Acadêmicas do 4º semestre de RI da Unama

A Amazônia, graças ao seu aspecto transfronteiriço e sua riqueza natural, é tradicionalmente um dos principais destinos de migração internacional, sendo reconhecida como uma das regiões com a maior mobilidade interna e externa do continente latino-americano. De acordo com o autor Sidney Silva, ao se propor a discutir o tema da migração no contexto da Amazônia, deve-se considerar mais do que os aspectos demográficos e econômicos envolvidos no debate (SILVA, 2012). Na abordagem do autor, contemplam-se também questões sociais como identidade étnica, cultura, gênero e política, imprescindíveis para uma reflexão que condiz com a realidade do processo migratório na Amazônia.  

A priori, falar de Amazônia é muito mais do que falar de fauna, flora e de inúmeras riquezas minerais que nela existe. Há nessa área um fator que merece destaque e uma análise aprofundada: o humano. Quem são as pessoas que vivem na Amazônia? Pergunta imprescindível para que haja um melhor plano de desenvolvimento na região e que leve a essas pessoas uma melhor qualidade de vida.

A Amazônia é palco de diversos eventos migratórios ao longo da sua história. Muito antes do processo colonizador no Brasil, que trouxe europeus e negros escravizados, já existiam populações nativas, que segundo alguns estudiosos, derivam do deslocamento humano vindo da Ásia, que atravessou o estreito de Bering há mais de 62 mil anos (BBC, 2000). Fazendo um salto temporal, a Amazônia volta a ser palco de grande movimentação migratória a partir do governo Vargas (Marcha para o Oeste) e se prolonga até a ditadura militar, onde o lema “integrar para não entregar” intensifica a chegada de vários grupos vindos de diversas partes do Brasil (BBC, 2009), com a promessa da conquista da terra. Porém, o que se viu foi uma ocupação desordenada e a destruição da floresta.

Hodiernamente, percebe-se uma nova onda migratória na região amazônica. Todos os anos o Ministério da Justiça, através do seu Departamento de Migrações, divulga os índices de entrada e saída de pessoas no território brasileiro. Em 2020, mesmo com a pandemia em curso, onde a circulação de pessoas foi reduzida drasticamente em todo o mundo, a Amazônia concentrou 20% do fluxo migratório registrado no país (OBMigra, 2021). Essa chegada de imigrantes no Brasil é reflexo da conjuntura global e regional que tem mudado a realidade de milhares de pessoas.  A região recebe, principalmente, imigrantes dos países fronteiriços, como Venezuela e Colômbia, além de um grande contingente de haitianos, que desde 2010, após o terremoto que devastou o país, viu no Brasil a oportunidade de recomeçar.

Com essa grande movimentação surgem também grandes problemas. Muitas vezes, devido aos empecilhos burocráticos instalados para a regularização de quem chega, várias redes criminosas agem, aproveitando-se da vulnerabilidade dessas pessoas, fazendo promessas irreais de empregos e ganhos extraordinários. Este é um cenário perfeito para o contrabando de migrantes e o tráfico internacional de pessoas, alimentando o trabalho escravo e a exploração sexual de meninas e mulheres. Combater tais práticas e regularizar a vida de quem chega à Amazônia é um debate complexo, pois estamos falando de uma região formada por nove países (Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa), com dimensões territoriais gigantescas e com realidades muito diferentes entre si. Situação agravada quando o Estado deixa de montar um esquema de acolhida e interação para os migrantes. Isso, inclusive, representa uma violação de direitos humanos (art. XIII DDH).

Por conseguinte, a movimentação humana não deveria ser encarada como um problema para nenhum Estado, pois a ideia de hospitalidade universal, já preconizada por Kant (2008), deveria ser seguida, fazendo do indivíduo um cidadão do mundo, exponenciando o cosmopolitismo, sempre com a observância dos direitos básicos inerentes ao homem, independente do lugar que ele se encontre. Não há que se falar em hostilidades nem em criação de dificuldades por parte de quem acolhe esse migrante. É necessário o planejamento de políticas públicas de acolhimento e inserção a todos que chegam, sem distinção de nenhuma natureza.

Sob o mesmo viés, o pensador crítico, Andrew Linklater, incorpora a perspectiva kantiana sobre a ideia de cidadão do mundo em seus estudos, no qual afirma que a cidadania cosmopolita é uma necessidade de compaixão inter-humana e respeito às diferenças, que promove uma responsabilidade individual e coletiva. Diante disso, em sua obra “Men and Citizens in the Theory of International Relations” (1982), LINKLATER discorre sobre a necessidade de um universalismo moral, estabelecendo uma consciência mútua para a manutenção da dignidade humana e seus direitos básicos. Nesse sentido, a migração se constitui como o deslocamento de pessoas de seu país de origem em busca de melhorias para vida pessoal ou profissional, o que muitas vezes, acaba tornando-se um problema pela falta de defesa e proteção aos seus direitos.

No contexto brasileiro e amazônico, a falta de políticas migratórias e de atendimento em regiões estratégicas da Amazônia representa uma grave violação aos direitos humanos. Dessa forma, a ausência dessas políticas, de maneira especial por parte dos Estados, e dos governos locais, abre precedentes para atuação de organizações especializadas na exploração da condição dos migrantes (OLIVEIRA, 2017). Sob essa perspectiva, as ideias defendidas por Linklater (1982) se fazem presentes, na medida em que o autor acredita que, pelo fato de sermos seres humanos, é necessária uma proteção abrangente, independentemente do lugar onde se esteja, seja ele o seu local de origem ou não, por meio de organizações supranacionais democráticas que equilibram a relação entre as obrigações da cidadania estatal, e das derivadas da espécie humana.

As lacunas estatais deixadas tentam ser preenchidas com a mobilização da sociedade civil, que cria instituições e organizações para promover o atendimento aos migrantes, desde o mais emergencial até o ensino da língua portuguesa, para que eles tenham a possibilidade de voltar a estudar e/ou conseguir um emprego. Um desses exemplos é o Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM, que atua de maneira combativa na promoção dos direitos básicos dos migrantes em várias partes do Brasil.

Uma recente ação oficial de proteção e integração aos migrantes foi estabelecida pelo Estado do Pará, no dia 13 de julho, quando foi sancionada a lei (O LIBERAL) que institui políticas e serviços públicos a esses grupos, sob a articulação da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (SJUDDH). Os migrantes que adentrarem no estado, terão por garantia legal atendimento, regularização de status e incentivo à participação em diversas atividades junto à sociedade civil, com respeito às suas diversidades linguísticas e culturais. O Pará tornou-se passagem e destino do fluxo migratório internacional evidenciado nos últimos anos. Apesar do atendimento prestado aos migrantes, ainda não havia na legislação estadual algo tão específico ao tema, que abarca as garantias de acesso à educação e saúde, além de políticas antidiscriminatórias.

A criação da lei foi acompanhada por vários grupos de imigrantes e refugiados, como os indígenas Warao, povo da região do rio Orinoco, no sul da Venezuela, expulso de seu território por grandes empresas de mineração, responsáveis pela contaminação de todos os afluentes da área, causando fome e desespero aos indígenas. O grupo iniciou uma diáspora em direção ao Brasil e espalhou-se por diversas cidades amazônicas, incluindo Belém. A ajuda no apontamento das questões mais sensíveis a quem está tentando se integrar em uma realidade tão diferente da sua foi de fundamental importância para uma lei mais justa e integradora. Políticas como essa ajudam a desenvolver de forma humanizada e organizada os mais variados fluxos migratórios, combatendo assim a intensificação de problemas sociais, além de coibir a ação de criminosos.

Dessa forma, compreende-se a importância da investigação e o debate sobre o contexto migratório na Amazônia. A falta de políticas públicas que visem a inclusão dos migrantes, de acordo com Sidney Silva, reflete na política de “acolhida” nas fronteiras dos Estados, expondo os verdadeiros interesses dos governos e a negligência com que gerenciam as fronteiras, fortalecendo ainda mais a vulnerabilidade dos imigrantes.

Portanto, destacando-se as ideias trabalhadas por Linklater (1982), é imprescindível o desenvolvimento de novas formas de organização política que diminuam a desigualdade material e que promovam a emancipação dos povos, demonstrando mais tolerância e integração as diferenças culturais e que se revelem mais universalistas, expandindo as fronteiras da sociedade como forma de integrar cada vez mais indivíduos sob uma natureza racional comum que preserve a responsabilidade coletiva no âmbito da cidadania.

Diante da temática exposta, destaca-se a Comissão de Relações Internacionais da OAB Pará que possui como principal objetivo o atendimento a refugiados e imigrantes que necessitam de amparo jurídico para solicitar sua regularização migratória. Para mais informações, acesse:

Site Oficial da OAB-PA: < http://www.oabpa.org.br/inicio

Instagram: < https://www.instagram.com/comissaoderel/ >

Facebook: < https://www.facebook.com/comissaorelinternacionais >

E-mail: relacoesinternacionais@oabpa.org.br

Ademais, recomenda-se o trabalho feito pelo Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), criado oficialmente em 1986, sendo um organismo vinculado ao Setor Pastoral Social da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O SPM atua junto aos migrantes em ações com segmentos sociais, promovendo ações de inclusão social, denunciando violações dos direitos dos migrantes e trabalhando para a construção de um país mais igualitário para todes. Para mais informações, acesse:

Site Oficial: < https://spmnacional.org.br/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/pastoraldosmigrantes/ >

Facebook: < https://www.facebook.com/pastoraldosmigrantes >

Twitter: < https://twitter.com/spmnacional >

Outrossim, destaca-se o trabalho feito pelo GEMA – Grupo de Estudos Migratórios na Amazônia, coordenado por Sidney Antônio da Silva, desde 2007, sendo voltado para estudos interdisciplinares sobre questões relacionadas ao fenômeno migratório na Amazônia e no contexto internacional. O grupo possui certificação no CPNQ e tem como principal objetivo estudar o fenômeno migratório a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas, seja no âmbito da migração interna e internacional. Para mais informações, acesse:

Site Institucional: < https://gema.ufam.edu.br/ >

Por fim, recomenda-se a leitura de duas obras, sendo a primeira “Migrações na Pan-Amazônia: fluxos, fronteiras e processos socioculturais” de Sidney Antônio da Silva. A obra é formada por um conjunto de catorze textos cuja discussão central é o tema da migração no contexto da Pan-Amazônia, sendo resultado de um fruto de pesquisas realizadas na região por diferentes pesquisadores e em diferentes lugares, com o objetivo de ampliar as reflexões sobre o tema, o que contribuiu para fomentar a discussão conceitual e teórica.

Link para a leitura: < https://www.revistas.usp.br/ran/article/view/88868 >

A segunda obra, “Entre vozes femininas: história oral e memória no Amazonas contemporâneo” de Patrícia Rodrigues da Silva, se debruça sob a diversidade de narrativas no contexto amazonense através de escritas femininas. Nesse sentido, o livro faz uma reflexão sobre gênero, migração e deslocamentos a partir de relatos orais das vivências de mulheres no Amazonas durante os últimos 50 anos.

Disponível para compra no site da Amazon: < https://www.amazon.com.br/Entre-vozes-femininas-hist%C3%B3ria-contempor%C3%A2neo/dp/6558689243/ref=sr_1_5?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=2GB0H6GCSO7B0&keywords=migra%C3%A7%C3%A3o+amaz%C3%B4nia&qid=1660442234&s=books&sprefix=migra%C3%A7%C3%A3o+amaz%C3%B4ni%2Cstripbooks%2C241&sr=1-5 >

REFERÊNCIAS:

BBC BRASIL. ÍNDIOS CHEGARAM HÁ 40 MIL ANOS. Especial Brasil 500 anos. Publicado em 21 de abril de 2000. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/esp_bra_indios.htm. Acesso em 07 de agosto de 2022.

BBC BRASIL. LINHA DO TEMPO: entenda como ocorreu a ocupação da Amazônia. Publicado em 22 de julho de 2009. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2009/07/090722_amazonia_timeline_fbdt. Acesso em 07 de agosto de 2022.

DDH. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em 09 de agosto de 2022.

KANT, Immanuel. À paz perpétua: um projeto filosófico. Tradução Artur Morão. Colecção Textos Clássicos de Filosofia. Universidade da Beira Interior. Covillhã: Portugal, 2008. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/kant_immanuel_paz_perpetua.pdf. Acesso em: 09 de agosto de 2022.

LINKLATER, Andrew. Men and Citizens in the Theory of International Relations. London: Palgrave Macmillan, 1982. Acesso em: 13 de agosto de 2022.

O LIBERAL. Política Estadual para Migrantes: conheça a lei que garante ao migrante o acesso a direitos sociais e serviços públicos no Pará. Publicado em 30 de julho de 2022.  Disponível em: https://www.oliberal.com/para/politica-estadual-para-migrantes-conheca-a-lei-que-garante-ao-migrante-o-acesso-a-direitos-sociais-e-servicos-publicos-no-para-1.568724. Acesso em 07 de agosto de 2022.

OBMigra. 2011-2020: uma década de desafios para imigração e refúgio no Brasil. Publicado em 2021. Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Relato%CC%81rio_Anual_-_Completo.pdf. Acesso em 11 de agosto de 2022.

OLIVEIRA, Márcia. Atualidades das migrações na Amazônia. Amazonas Atual. Publicado em: 08 de novembro de 2017. Disponível em: < https://amazonasatual.com.br/atualidades-das-migracoes-na-amazonia/ > Acesso em: 13 de agosto de 2022.

SILVA, Sidney Antônio da. Migrações na Pan-Amazônia: fluxos, fronteiras e processos socioculturais. São Paulo: Hucitec. 2012. Acesso em: 11 de agosto de 2022.

SPM – Serviço Pastoral dos Migrantes. Disponível em: https://spmnacional.org.br/. Acesso em 11 de agosto de 2022.