
Gabriela Grosso – Acadêmica do 4º semestre de Relações Internacionais da Unama
Caracterizada pelo modelo autoritário que exterminou os direitos de participação popular, a ditadura militar no Brasil perdurou por 21 anos e se designava como salvadora da democracia e de seus direitos, embora na prática a situação fosse outra. Questão essa que é refletida nas políticas internas e externas. Por isso, torna-se importante analisar as relações internacionais do Brasil a fim de uma melhor compreensão desse período.
O marechal Castelo Branco foi o primeiro a assumir o governo e o período foi caracterizado pela criação da Doutrina Nacional de Segurança (DNS), que objetivava a identificação e eliminação de inimigos internos, aqueles que desaprovavam o regime, além de uma forte aproximação com os Estados Unidos. Concomitante a isso, era proposto que os países do bloco ocidental se unissem a fim de ajudar o país norte-americano a combater ameaças comunistas (CASTILHO, 2014).
Porém, Vizentini (2008) coloca que com esse alinhamento e o abandono das diretrizes da Política Externa Independente, o Brasil acabou assumindo uma postura de descaso com os demais países da América Latina. Um momento que destacou tal posicionamento foi a intervenção do Brasil na República Dominicana, em 1965, quando militares brasileiros, juntamente com tropas dos EUA, foram para aquele país, que se encontrava em uma guerra civil. Esse movimento rendeu ao Brasil uma fama de país subserviente e subimperialista dos Estados Unidos.
Essa ação pode ser compreendida por meio do conteúdo presente na obra de Tucídides, a “História da Guerra do Peloponeso” (431 a 404 a.C), em que o autor ateniense aponta que em uma situação de perigo iminente, as cidades estabeleceram alianças em prol da segurança. Por sua vez, mediante a uma ameaça em comum, a ameaça da ascensão comunista, fez-se coerente o estreitamento da aliança do Brasil com os EUA.
A partir de 1967, com o início do governo de Costa e Silva, teve-se uma maior preocupação com o desenvolvimento nacional e, ao contrário do governo anterior, a integração com os países latino-americanos e terceiro-mundistas foi alvo de progresso. Entretanto, é importante destacar que durante esse governo foi promulgado o Ato Institucional nº5 (AI-5), marcando um dos piores períodos da história brasileira. Durante a ditadura militar foram editados ao todo 17 atos institucionais, porém o AI-5, editado em dezembro de 1968, marcou o período chamado de “anos de chumbo”, caracterizado pela sistematização e generalização de práticas repressivas (CASTILHO, 2014).
Com isso, qualquer conflito de ordem social e as reivindicações de democratização tornaram-se um problema de segurança nacional para a DNS. Neste ponto, o “inimigo” já atuava dentro e fora do país, uma vez que muitos dos países vizinhos eram contra o regime, como Argentina, Uruguai e Paraguai. Ainda durante esse período o Brasil ganhou grande visibilidade em fóruns multilaterais, resultando em uma econômica interna favorável, o chamado “milagre econômico”.
A lógica do aumento da integração com países terceiro-mundistas teve seu fim durante o governo Médici, quando o chanceler Gibson Barbosa elaborou a Diplomacia do Interesse Nacional, priorizando uma estratégia individual de inserção e o estabelecimento do Brasil como potência. Em relação ao cenário na América do Sul, as relações se tornaram mais tensas, principalmente com o fortalecimento de grupos de esquerda pelo continente, como os Tupamaros no Uruguai e os Montoneros na Argentina. Com o aumento da ameaça por parte de seus países vizinhos, o Brasil viu-se na necessidade de tomar medidas para assegurar sua proteção, participando do golpe que levou Hugo Banzer ao poder na Bolívia, em 1971, e da intervenção no Uruguai que dissolveu o parlamento e implantou a ditadura no país (CASTILHO, 2014).
A política externa brasileira ganhou mais autonomia durante o governo de Geisel com a denominação do Pragmatismo Responsável, medida que priorizava manter relações que fossem vantajosas para o Brasil e deixando em segundo plano o peso ideológico. A aproximação de países árabes, com a exportação de produtos primários em troca de petróleo e o acordo nuclear fechado com a Alemanha, resultou em um atrito entre Brasil e EUA.
Essa postura pragmática foi mantida por Figueiredo, além de uma atenção maior para a América Latina. Entre os governos de Geisel e Figueiredo surgiu a Operação Condor, em 1975, formada entre os governos militares de países latino-americanos para perseguir os ativistas contra os regimes. Era basicamente constituída pela formação de um banco de dados para troca de informações sobre possíveis atividades subversivas, e conferências entre os serviços de inteligência dos países. A operação teve seu fim nos anos 80 com o enfraquecimento das ditaduras no continente. (CASTILHO, 2014)
Concluindo, pode-se constatar que as relações internacionais desse período deveriam ser analisadas separadamente e não de forma homogênea, vista as diferenças entre as políticas de cada governo. Como no caso de Castelo Branco que assumiu um forte alinhamento com os Estados Unidos, com o sentimento anticomunista, e em contrapartida Ernesto Geisel não tinha tanto compromisso com a questão ideológica. Mas de uma forma geral, embora houvesse a intenção de uma maior inserção do Brasil no cenário internacional, os problemas no âmbito interno exigiam uma maior atenção, como as violações aos direitos humanos. A prosperidade se mostrava impossibilitada em uma nação que carecia de direitos políticos.
REFERÊNCIAS
ASSUNÇÃO, Moacir. O Brasil Já Interveio Militarmente em Outro País: Foi em 1965, numa campanha conduzida a pedido dos EUA, e o propósito era evitar outra Cuba. Aventuras na História, [S. l.], 18 out. 2019. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/intervencao-brasil-republica-dominicana-1965.phtml. Acesso em: 14 jul. 2022.
CASTILHO, Alessandra Beber. O golpe de 1964 e a política externa brasileira dentro do contexto repressivo. NEIBA: Cadernos Argentina Brasil, Rio de Janeiro, v. III, ed. 1, novembro 2014. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/neiba/article/viewFile/13849/10553. Acesso em: 13 jul. 2022.
DE SOUZA, Ismara Izepe. A política externa brasileira durante o regime militar (1964-1985): um balanço historiográfico. Anpuh Brasil, Natal, RN, 2013. Disponível em: http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364951563_ARQUIVO_TEXTOApoliticaexternabrasileiraduranteoregimemilitar.pdf. Acesso em: 13 jul. 2022.
PONTES, Vinicius. Pensamentos Internacionalistas – Tucídides. Internacional da Amazônia, [s. l.], 15 set. 2021. Disponível em: https://internacionaldaamazonia.com/2021/09/15/pensamentos-internacionalistas-tucidides-2/. Acesso em: 14 jul. 2022.