
No segundo semestre de 1997, o mundo tomou conhecimento das primeiras publicações do mangá escrito por Eiichiro Oda, o qual revolucionaria o universo das histórias em quadrinhos japoneses, conhecido como One Piece. O One Piece apresenta a história de Monkey D. Luffy, um jovem de 17 anos que detém poderes envolvendo a borracha e as suas propriedades, e de sua tripulação pirata, os Chapéus de Palha, os quais buscam obter o lendário tesouro pirata “One Piece”, pois é dito que quem obter tal tesouro, irá se tornar o Rei dos Piratas.
Por mais fantasiosa que seja sua descrição, a obra não pode, nem tampouco deve ser compreendida em sua totalidade baseado no seu enredo de base, o qual se refere ao Luffy, sua tripulação e o seu objetivo, pois, atualmente, a obra conta com 1053 capítulos do mangá publicados – separados em 103 volumes diferentes – e mais de 1023 episódios lançados em formato de anime e, naturalmente, por possuir um material de publicação altamente extenso e longo, pressupõe que os conteúdos trazidos por One Piece envolvam várias temáticas distintas entre si (OPEX, 2022)
De fato, observa-se em One Piece a abordagem de assuntos de várias ordens e natureza, que trazem um maior peso aos acontecimentos e as narrativas da obra, porém que demonstram o cuidado do autor em salientar seus leitores sobre estes aspectos fulcrais na sociedade, tais como: balanço de poder, difusão de poder, militarismo, entidades e organismos hegemônicos, racismo, escravidão, corrupção, guerra química, relações internacionais e globalização, dentre outros.
No universo de One Piece, no que se refere às relações internacionais e a hegemonia política, a entidade denominada Governo Mundial se caracteriza enquanto uma organização política composta por 170 países-membro em sua constituição, países estes que possuem aspectos distintos entre si, assim como relevância e importância econômica e geopolítica distintas entre si, na obra. Como exemplificado por Garp – o herói da Marinha – no capítulo 956, cada país detém riquezas, tecnologias e crenças distintas entre si, e estas diferenciações acabam por dificultar a harmonia e a eventual busca pela melhora dos países e de suas populações quando seus líderes estão reunidos em mesas de debate.
Outrossim, no que se refere a filiação dos países ao Governo Mundial, Marco, ex-comandante dos Piratas do Barba Branca, expõe, no capítulo 909, que quando um país pobre não é capaz de pagar a “Tributação Celestial” ao Governo Mundial, isso ocasiona a segregação destes países no sistema internacional e a sua não-afiliação à organização, implicando em países vulneráveis economicamente e politicamente, o que gera, em fim último, populações pobres, expostas à violência, à guerra e à fome.
Com efeito, tais abordagens exploradas pelo autor, Oda, podem facilmente se associar às doutrinas respectivas ao marxismo e o neomarxismo das Relações Internacionais. Por exemplo, conforme Immanuel Wallerstein e o seu conceito de Sistema-mundo, o mundo e o seu modus operandi é diferente conforme o passar do tempo, e o mundo estabelece vínculos e relações mundiais que estejam em consonância ao atual modo de operação, como é o capitalismo, na realidade, e o Governo Mundial, na ficção, e tais relações, portanto, seriam pautadas na dualidade centro-periferia (ABRI, 2017).
Ademais a isto, conforme a teoria da dependência e suas críticas ao capitalismo e ao desenvolvimento econômico na América Latina mais especificamente, o desenvolvimento econômico e social dos países efetuam-se de formas distintas, em graus distintos, ocasionado a relação de dependência entre os próprios países no que se refere à sua produção tecnológica e ao seu fator produtivo, e como os países produzem tecnologias e riquezas em quantidades diferentes entre si, haverá nações que irão se sobressair às outras, colocando-as no centro do mundo e outras na periferia do mundo, exatamente como se observa na realidade humana e na obra, conforme apontado por Garp.
Conclui-se, portanto, que a obra “One Piece” não se reflete meramente na história fictícia de um rapaz e seu bando pirata a procura de um lendário tesouro, pois Eiichiro Oda, a partir de suas inteligentes estratégias de criticismo expostos na obra, tenta demonstrar ao público o quanto a realidade humana e as relações internacionais são, hoje, baseada nas relações de poder, políticas e econômicas, expostos de maneira crítica pelas teorias marxistas, porém exposto de forma sútil pelo autor e seu mangá.
Referências:
ODA, Eiichiro, Capítulo #981: PARTICIPANDO DA GUERRA, Shounen Jump. Disponível em: https://onepieceex.net/mangas/leitor/981/#4
ODA, Eiichiro, Capítulo #909: SEPPUKU, Shoune Jump. Disponível em: https://onepieceex.net/mangas/leitor/909/#7
PODER E AS TEORIAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 6º Encontro ABRI – Associação Brasileira de Relações Internacionais Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição, Belo Horizonte, 25 a 28 de Julho, 2017. Disponível em: https://www.encontro2017.abri.org.br/resources/anais/8/1498353227_ARQUIVO_PodereTeoriadeRI-ROBERTAPREUSSLERDOSSANTOS.pdf
DUARTE, Pedro Henrique. GRACIOLLI, Edílson. A TEORIA DA DEPENDÊNCIA: INTERPRETAÇÕES SOBRE O (SUB)DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA LATINA. Disponível em: https://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt3/sessao4/Pedro_Duarte.pdf