
Lorena Freitas e Keity Oliveira (acadêmicas do 3º semestre de RI da UNAMA)
A Amazônia é considerada uma área de especial interesse global sobre questões relacionadas ao meio ambiente devido a sua rica biodiversidade, seus recursos hídricos e a vasta extensão de sua floresta tropical. Ao longo das últimas décadas, a região se tornou palco de diversas iniciativas governamentais e não governamentais, possibilitando a participação ativa da sociedade civil na sua proteção e conservação. Na região, reduto de fauna e flora únicas, gente se integra à natureza. Pessoas que, ao adentrar nas profundezas da floresta, entendem que não basta apenas entender sua realidade e buscar bioconhecimento, é necessário que ações eficientes garantam a sobrevivência da maior área tropical do mundo.
Em primeira instância, sabe-se que as ações do poder público não conseguem abarcar todas as demandas sociais existentes, fazendo com que a sociedade se engaje para tentar alcançar esse equilíbrio (2017). As ONGs – Organizações Não Governamentais, são entidades privadas da sociedade civil, sem fins lucrativos, cujo objetivo é defender/promover uma causa política, podendo esta ser de natureza ambiental, humanitária, entre tantas outras.
Sob esse viés, a participação da sociedade civil global na defesa da Amazônia pode ser analisada sob um dos temas recorrentes da teoria neoliberal das RI que é a Governança Global, na qual se destacam as contribuições feitas pelo cientista político James N. Rosenau em sua obra conjunta com Ernst-Otto Czempiel “Governance without Government: Order and Change in World Politics”. Esta obra discute as possibilidades de existência de uma governança sem governo. Nesse sentido, em uma definição geral, a Governança se refere a atividades que são sustentadas por objetivos compartilhados, que podem ou não, derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas, e que, não dependem somente de mecanismos formais para se firmar e alcançar o cumprimento pleno.
Outrossim, para Rosenau, a conceituação de governança, especialmente a governança sem governo, analisada em sua obra, é um fenômeno mais amplo, uma vez que abrange não somente as organizações internacionais, mas também, a sociedade civil e as instituições governamentais (ROSENAU & CZEMPIEL, 2000). Dessa forma, esses atores não-estatais irão satisfazer os interesses e necessidades da sociedade sem necessitar de uma autoridade central para a tomada de decisões, em âmbito internacional. Além disso, o teórico também explica que os indivíduos começaram a ter consciência de sua importância no cenário internacional e se articularam em cima disso (ROSENAU, 2008).
Com efeito, um levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2019 sobre ONGs brasileiras, aponta que existem atualmente 102.080 organizações da sociedade civil com sede em municípios da Amazônia Legal, que engloba os biomas Amazônico, o Cerrado e o Pantanal (MELLO; PEREIRA; ANDRADE, 2019). Diante dessa perspectiva, a atuação da sociedade civil na Amazônia, em especial ao trabalho feito por ONGs na preservação dos biomas, representa a importância desses atores não-estatais em articulações coletivas para a tomada de decisões que antes eram apenas de responsabilidade do Estado e que agora, abrangem a população e instituições governamentais, como mostrado por Rosenau em suas obras.
Em segunda instância, na realidade amazônica, as ONGs aliam-se às comunidades tradicionais a fim de preservar a floresta, criando uma espécie de monitoramento participativo (TÓFOLI, 2019). É a união do conhecimento técnico/acadêmico com o saber secular tradicional dos povos que vivem o dia a dia da floresta.
Na defesa do meio ambiente, o Greenpeace destaca-se como uma das principais ONGs da causa. Com sede em Amsterdã, Holanda, mas com escritórios espalhados pelo mundo, atua na defesa ambiental de maneira bastante combativa.
No Brasil, a ONG atua há 30 anos. O início dos seus trabalhos é concomitante à realização da Eco 92, também chamada de Cúpula da Terra, conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento. Em 1999, a organização torna a Amazônia sua prioridade global (CHAGAS, 2016), inaugurando, inclusive, um escritório na cidade de Manaus, Amazonas, para monitorar mais de perto a realidade local, denunciando a extração ilegal de madeira e a falta de políticas para combatê-la, além da observância e preservação dos povos originários que vivem a área. A preservação da floresta, além de garantir a continuidade dessas populações, é de extrema importância para o equilíbrio climático mundial. A Amazônia, ganha nesse sentido, o título de patrimônio global, sendo responsabilidade de todos a sua proteção e conservação.
O Greenpeace promove discussões e oficinas para a sociedade em geral e em especial àquela que vive a floresta no seu cotidiano, mostrando técnicas de manejo sustentável de suas riquezas e também ensinando como reconhecer uma atividade predatória. Além dessas ações preventivas, a ONG faz pressão sobre o poder público para que haja um maior controle da instalação de madeireiras na região, a fim de evitar que ocorra a exploração ilegal da floresta, desmatando áreas que são pertencentes aos indígenas e queimando milhares de hectares, impactando o clima em toda a região.
A atuação da ONG, em conjunto com a sociedade civil, já rendeu bons frutos em prol do meio ambiente. A partir do monitoramento das áreas degradadas, a organização formulou um relatório “à margem da lei” (CHAGAS,2016), que reunia várias indústrias que exploravam a floresta de maneira predatória, além de cometerem diversos crimes fiscais para poderem comercializar seus produtos. Com tamanha exposição, várias dessas indústrias se retiraram do país e outras resolveram se adequar à legislação ambiental, fazendo o manejo sustentável da floresta. Outra vitória conquistada foi a demarcação das terras indígenas Deni, em 2004 (CHAGAS, 2016), que haviam sido prejudicadas pela WTK, indústria madeireira da Malásia. Com a ajuda da ONG, expondo o crime à imprensa e fazendo pressão sobre o governo federal, o povo Deni conseguiu o reconhecimento e proteção de suas terras, sendo proibido a exploração da madeira e mineração industrial na área.
Outra organização presente na proteção da Amazônia é o Instituto Ipê – Instituto de Pesquisas Ecológicas – criado em 1992, a partir da necessidade da pesquisa de campo de seu criador, Cláudio Pádua, que estudava a extinção do mico-leão-preto (IPE), no extremo oeste paulista. A partir de suas análises, ele percebeu que para se proteger a natureza não bastava a atuação técnica dos estudiosos do tema. Era fundamental que a sociedade participasse do processo. A ONG nasce da necessidade de levar educação ambiental, criando a consciência de preservação da natureza em todos os indivíduos. O reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo instituto faz com que suas atividades se espalhem pelo Brasil.
Presente no estado do Amazonas, o Instituto IPÊ atua, em parceria com a comunidade e poder público local, além de parcerias com empresas privadas, em várias frentes de trabalho com o intuito de promover o desenvolvimento social e conservação ambiental a partir dos meios que a floresta oferece. Um dos projetos desenvolvidos é o Auto Fortalecimento da Cultura Baré, feito através do turismo comunitário e da valorização do artesanato em Nova Esperança, localizada no rio Cuieiras, no município de Manaus, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Puranga Conquista.
Essa comunidade faz parte do roteiro do turismo de base do rio Negro, uma iniciativa para que tal atividade se torne mais sustentável, gerando incentivos econômicos para seus moradores e valorizando a sua cultura. Os visitantes podem vivenciar o dia a dia dos ribeirinhos, que são referência iconográfica para o artesanato e promoção das tradições e saberes dos indígenas Baré. Em 2016 (IPÊ), o Instituto fomentou a construção da Casa do Conhecimento – Uka Yayumbué Baiakù – um centro de cultura que dá educação aos indígenas remanescentes na área, valorizando suas vivências, além de fornecer qualificação às mulheres que atuam na cadeia do artesanato e do turismo.
Mesmo com todo o trabalho junto às comunidades e à natureza, as ONGs estão sendo alvo de ataques por parte da atual gestão brasileira. Por meio do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), comandado pelo vice-presidente da república, Hamilton Mourão, o governo tenta controlar a atuação das organizações a área (ECO, 2020), deixando livre o caminho somente para aquelas que, supostamente, atendam aos interesses nacionais. Levando em conta quais os interesses da gestão bolsonarista, tal iniciativa é muito preocupante. Controlar as atividades das ONGs é deixar a porteira cada vez mais escancarada para a destruição da floresta.
Como resposta à ideia, mais de 70 organizações assinaram um manifesto, repudiando a tentativa de subordinar seus trabalhos aos interesses políticos dominantes no Brasil. A liberdade de atuação das ONGs é constitucionalmente protegida (art.5º, XVIII), além de já haver no ordenamento jurídico brasileiro os parâmetros necessários para suas atividades, através do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), composto pela lei 13.019/2014 e o decreto 8.726/2016.
Querer controlar tais atividades é uma tentativa explícita de silenciar as liberdades constitucionais, além de esconder a ineficiência da gestão no combate dos crimes cometidos na Amazônia, como o desmatamento e a grilagem de terras. Defender o trabalho das ONGs é defender o real interesse nacional, ao contrário das ações desastrosas do governo federal.
Portanto, durante as últimas décadas, a sociedade civil está cada vez mais presente e atuante na governança global, através de articulações subnacionais e nacionais que de forma coletiva, fazem a aglutinação de interesses locais e globais. Nesse sentido, na Amazônia, o trabalho de ONGs possui uma dupla importância: a defesa e conservação da floresta amazônica e o bioconhecimento da extensão territorial do bioma e de suas populações locais. No contexto do governo de Jair Bolsonaro, onde há o incentivo para políticas anti-ambientais e a tentativa de controle e sucateamento de órgãos ambientais, essas instituições são cada vez mais necessárias para zelar pela preservação e conservação desse bioma.
Diante da temática exposta, muitas são as instituições e organizações não-governamentais que atuam diretamente na defesa da floresta e dos povos amazônidas, assim como, representam importantes difusores e agregadores de conhecimentos sobre a Amazônia. Nesse sentido, para além dos citados no texto, não se pode deixar de fora outras instituições que também apresentam suma importância para a proteção e conservação desse bioma, sendo possíveis de serem visualizadas a seguir:
SOS Amazônia – conhecida anteriormente como Associação SOS Amazônia, foi criada em 1988, no estado do Acre, pela articulação de professores, estudantes universitários e representantes do movimento social dos seringueiros, incluindo o ativista e seringueiro Chico Mendes. Hoje, é uma das principais ONGs da Amazônia, que tem como principais objetivos defender a causa extrativista, proteger e conservar a floresta com o apoio das populações tradicionais e expandir os conhecimentos sobre consciência ambiental no território amazônico.
Site oficial: < https://sosamazonia.org.br/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/sosamazonia/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/sos.amazonia/ >
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) – organização científica, não-governamental, apartidária e sem fins lucrativos, criada em 1995. Visa a produção de conhecimento, implementação de iniciativas locais e influência em políticas públicas, de forma a impactar o desenvolvimento econômico, a igualdade social e a preservação do meio ambiente.
Site oficial: < https://ipam.org.br/pt/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/ipam_amazonia/?hl=pt-br >
Facebook: < https://www.facebook.com/IPAMAmazonia/ >
Fundação Amazônia Sustentável (FAS) – organização não-governamental, sem fins lucrativos, criada em 2008, por uma parceria entre o Banco Bradesco e o Governo do Estado do Amazonas. Visa contribuir para a conservação ambiental da Amazônia através da valorização da floresta em pé e sua biodiversidade e da melhoria da qualidade de vida das comunidades ribeirinhas associada à implementação e disseminação do conhecimento sobre desenvolvimento sustentável.
Site oficial: < https://fas-amazonia.org/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/fasamazonia/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/fasamazonia >
Instituto Vitória Régia – instituição sem fins lucrativos, fundada em 2002, sendo sua sede e Foro na cidade de Belém, no Estado do Pará. Atua nas áreas ambientais, educacionais, sociais e de produção e visa promover a educação, o conhecimento para o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida do ser humano.
Site oficial: < http://www.institutovitoriaregia.org.br/site/ >
Facebook: < https://pt-br.facebook.com/institutovitoriaregia.org.br/ >
Twitter: < https://twitter.com/IVitoriaRegia >
REFERÊNCIAS
2017. O que são Ong’s?. Politize. Publicado em 30 de março de 2017. Disponível em: https://www.politize.com.br/ong-o-que-e/. Acesso em 09 de junho de 2022.
2020. ECO. Entidades repudiam tentativa do governo de controlar a atuação de Ongs na Amazônia. Publicado em 10 de novembro de 2020. Disponível em https://oeco.org.br/noticias/entidades-repudiam-tentativa-do-governo-de-controlar-atuacao-de-ongs-na-amazonia/. Acesso em 12 de junho de 2022.
2022. Greenpeace Brasil. Site oficial da ONG. Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/. Acesso em 10 de junho de 2022.
CHAGAS, Daiane Silva das. Atuação do Greenpeace para a preservação da Amazônia. 2016. Caruaru. Disponível em: http://repositorio.asces.edu.br/bitstream/123456789/484/1/TCC%20PRONTO%20DAIANE%20SILVA%20DAS%20CHAGAS.pdf. Acesso em 11 de junho de 2022.
Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 12 de junho de 2022.
Decreto nº 8.726/2016. Dispõe sobre regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8726.htm. Acesso em 12 de junho de 2022.
IPÊ. Instituto de Pesquisas Ecológicas. Site oficial da ONG. Disponível em: https://www.ipe.org.br/. Acesso em 11 de junho de 2022.
Lei nº 13.019/2014. Dispõe o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm. Acesso em 12 de junho de 2022.
MELLO, Janine; PEREIRA, Ana Camila Ribeiro; ANDRADE, Pedro Gomes. Afinal, o que os dados mostram sobre a atuação das ONGs? Análise de transferências federais e projetos executados pelas organizações da sociedade civil no Brasil. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9331/1/TD_2483.PDF > Acesso em: 10 de junho de 2022.
ROSENAU, James. People Count! Networked Individuals in Global Politics. Boulder, CO: Paradigm Publishers. 2008. Acesso em: 08 de junho de 2022.
ROSENAU, James; CZEMPIEL, Ernst-Otto. Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Brasília: Editora UNB, 2000. Acesso em: 08 de junho de 2022.
TÓFOLI, Cristina. ONG que ajuda na conservação da Floresta Amazônica. Canal Repórter Eco. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=h9FD1MqhN0c&t=244s. Acesso em 09 de junho de 2022.