
Rebecca Brito – Acadêmica do 3º semestre de Relações Internacionais da Unama
Durante o período imperial brasileiro, o imperador era o símbolo nacional mais importante, um garantidor de uma unidade nacional frágil e recém-formada, que era constantemente ameaçada devido às disparidades sociais e as pressões externas quanto à manutenção do sistema escravista (Jurt, 2012). Nesse sentido, o país recém-emancipado necessitava de um símbolo nacional que fosse capaz de criar vínculos culturais de identidade e pertencimento, haja vista que a referência a nação se associava somente ao âmbito jurídico. Logo, surge a bandeira como esse símbolo político que vai suscitar o sentimento nacional, principalmente a partir da República, haja vista que esta também acaba por declarar tanto os velhos quanto os novos tempos, dessa forma expressando o contexto passado, assim como o presente da história da nação brasileira (PAUL, 2000, p.253).
Eventualmente, na constituição da bandeira nacional cada elemento possui significados, e tratando-se da pigmentação a cor verde, que representava a Casa de Bragança, da família real portuguesa, durante a república passa a representar as matas e florestas e a cor amarela, que representava os Habsburgos, a família da imperatriz Leopoldina, passa a denotar as riquezas minerais e o azul do céu e branco a paz e as estrelas como expressão dos estados (Senado notícias, 2020). No que diz respeito ao lema “Ordem e progresso”, este possui caráter positivista da filosofia de Auguste Comte e simboliza os objetivos máximo da nação, servindo para “o congraçamento dos brasileiros e estimula-os a trabalharem pelo bem geral.” de acordo com Reis Damaceno (2020, p.107).
Sob esse viés, numa perspectiva semiótica, ou seja, de estudo das linguagens, “bandeiras são símbolos concretos que manifestam ideias abstratas” Berg (2008, p.92). Sendo assim, é um signo que configura uma unidade político-geográfica e seus habitantes num ideário de identificação cultural que forma uma multidão nacional que luta pela nação ou a celebra conforme afirma Torres (2008, p.138).
Na conjuntura contemporânea, no entanto, observa-se que a bandeira nacional foi tomada por um projeto político, tornando-se parte de uma propaganda governamental. Tal dinâmica, é válido lembrar já podia ser visto durante o regime militar como instrumento político- ideológico, no qual símbolos e cores nacionais estavam a serviço da propaganda (Guedes & Da Silva, 2019, p.77-78). Sob esse contexto, a teoria funcionalista ao buscar entender os meios com um papel de vendedor de produtos, hábitos e projetos políticos, estuda seus efeitos na sociedade com base no estímulo-resposta, ao identificar um comportamento condicionado, ou seja, alienação causada por meios como a propaganda que segundo Harold Laswell (citado por Santos, 2013) importante expoente dessa teoria, trata-se de uma estratégia que visa influenciar atitudes humanas por meio da manipulação de conteúdos de representação – como os símbolos- mediante o uso de rumores, relatos e outras expressões da comunicação social.
Ademais, hodiernamente entende-se que a mesma dinâmica de uso de símbolos nacionais por propaganda política foi se desenvolvendo desde as manifestações de 2013 e se encontrou na retórica nacionalista bolsonarista em 2018, a qual segundo Scola (2020, p.6) operava por meio da exclusão, posto que destacava a ideia de um grande grupo com caráter patriota e cristão, estimulando dessa forma uma desidentificação de indivíduos que não compartilhavam de tais características. Nesse sentido, como elemento de comunicação de massa a propaganda desse projeto repleta de narrativas negacionistas gerou modificações no comportamento de relação da sociedade com o símbolo pátrio, no qual parte da população não se identifica mais com o emblema nacional.
Nessa circunstância, a bandeira como símbolo da nação que tinha por objetivo criar uma unidade identitária cultural perde sentido ao ser manipulada para fins de uma política de governo que com suas premissas discursivas não condiz com a representação absoluta do povo brasileiro. Mas, sendo o discurso uma prática social que delineia relações de poder- de acordo com Foucault (citado por Fischer, 2001) celebre autor da teoria pós-moderna- visa então subjetivar os indivíduos ao seu interesse promovendo uma nova forma de organização social. Logo, em analogia a bandeira institui-se através da prática discursiva diferentes sentimentos de pertencimento nos indivíduos que são determinados por um modelo dominante. Sendo assim, faz-se necessário retirar o viés ideológico do ícone nacional, questionando tais narrativas dominantes que se apropriaram da bandeira brasileira.
Referências:
BERG, Tiago José. Território, Cultura e natureza em símbolos nacionais: a representação espacial em bandeiras. Ateliê Geográfico, v. 2, n. 2, p. 88-102, 2008.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de pesquisa, n. 114, p. 197-223, 2001.
GUEDES, Simoni Lahud; DA SILVA, Edilson Márcio Almeida. O segundo sequestro do verde e amarelo: futebol, política e símbolos nacionais. Cuadernos de Aletheia, n. 3, p. 73-89, 2019.
JURT, Joseph. O Brasil: um Estado-nação a ser contruído. O papel dos símbolos nacionais, do Império à República. Mana, v. 18, n. 3, p. 471-509, 2012.
MOURA, Maria. Símbolos nacionais representam a identidade de uma nação, diz consultor. Senado notícias, 17 de setembro de 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/17/simbolos-nacionais-representam-a-identidade-de-uma-nacao-diz-consultor . Acesso em: 27 de maio de 2022.
PAUL, W. Ordem e progresso: origem e significado dos símbolos da bandeira nacional brasileira. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 95, p. 251-270, 2000. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67468. Acesso em: 27 maio. 2022.
REIS DAMACENO, F. Análise Histórica da Bandeira do Brasil. A Defesa Nacional, v. 52, n. 605, 15 jun. 2020.
SANTOS, Rogério. O modelo comunicacional de Laswell. Indústrias culturais, 14 de outubro de 2013. Disponível em: https://industrias-culturais.hypotheses.org/10195. Acesso em: 27 de maio de 2022.
SCOLA, Jorge. Imagens literais demais: Pensando elementos estéticos no fazer político do bolsonarismo e suas consequências. Novos Debates, v. 6, n. 1-2, 2020.
TORRES, Eduardo Cintra. Bandeira e multidão, dois símbolos nacionais. Observatorio (OBS*) Journal, n. 4, 2008.