Lorena Freitas e Keity Oliveira (acadêmicas do 3º semestre de RI da UNAMA)

Muitas são as abordagens relevantes sobre a Amazônia e diversas dela já foram discutidas no Amazônia em Foco, tendo como principal intuito, a contribuição para o estudo e pesquisa do bioma para além do viés de exploração mercadológica. Nesse viés, o campo da arqueologia, mesmo que à primeira vista, não seja algo cotidiano, revela-se importante para entender a região e para resgatar a história passada de povos que viveram num determinado lugar, assim como fortalece a história que está sendo construída no tempo presente pelas populações amazônidas, diante da extensa biodiversidade existente no bioma. Dessa forma, é necessário compreender a importância das pesquisas de arqueólogos sobre o território amazônico e de que forma as comunidades incorporam em suas narrativas a presença dos vestígios arqueológicos.

Em uma primeira análise, a Arqueologia dedica-se ao estudo da materialidade elaborada pelas sociedades humanas ao longo do tempo (FUNARI, 2003), sem limitar-se a um espaço definido, remontando, assim, o modo de organização social de determinado grupo. Na Amazônia não seria diferente. Não há que se pensar em ocupação e dinâmica social na área apenas à época da colonização europeia.

Muito antes da invasão colonizadora, existiam na região povos que já tinham suas organizações e formas de vida estabelecidas, produzindo além de costumes e hábitos, objetos que ajudam a contar a história da formação amazônica. Peças em cerâmica e instrumentos de guerra, por exemplo, contam como determinada sociedade originária funcionava. Logo, a arqueologia na Amazônia é de fundamental importância, não só para o resgate histórico dos povos originários, mas também para o fortalecimento de políticas públicas que visem a preservação do patrimônio material e garantam a sobrevivência das populações indígenas atuais (PESSOA, 2018).

Estudos arqueológicos, ao longo do tempo, sempre demandaram muitos recursos, em vários aspectos, especialmente na boa qualificação profissional de quem investiga e o quanto se gasta com a execução do trabalho. Países como o Brasil, ainda têm muito a descobrir nessa área e para isso necessita de aparato humano, na formação de profissionais, e monetário, com incentivos do governo, através de programas de pesquisa, por exemplo.

Apesar dos avanços em estudos arqueológicos no país, os investimentos governamentais em pesquisa ainda são muito reduzidos e estão diminuindo cada vez mais nos últimos tempos, dificultando a realização de projetos e estudos em uma determinada região que possui um vasto território para a investigação de arqueólogos. Infelizmente, essa é mais uma área que está sob ameaça da atual gestão brasileira.

O presidente Jair Bolsonaro editou, em 12 de janeiro de 2022, um decreto (Decreto 10.935/2022) que abria espaço para a facilitação de licenças ambientais para fins exploratórios, como mineração e construção de ferrovias, em cavernas de alto grau de relevância científica, protegidas por legislação. Mesmo não sendo cenário principal de tais estruturas geológicas, a Amazônia pode ser (mais) atingida com tal decisão, pois a floresta, considerada um imenso campo arqueológico a céu aberto, já sofre com intensa degradação ambiental provocada pelo agronegócio e garimpos ilegais.  

Tanta destruição é em nome do progresso brasileiro, como sempre afirma o governo, privilegiando a cadeia mineradora e do agronegócio em detrimento da natureza.

Desde a fatídica reunião ministerial, ocorrida em 22 de abril de 2020, ficou claro as reais intenções do governo federal em relação ao meio ambiente. O “passar a boiada” (2020), como afirmou o ex-ministro da pasta, Ricardo Salles, mostrou claramente a despreocupação com a preservação e conservação da natureza brasileira, quando defendeu o afrouxamento da legislação sobre o tema. Com o apoio do alto escalão governamental, grandes proprietários de terra e garimpeiros aproveitaram e aproveitam para desmatar e poluir, matando fauna, flora e gente que ocupa as suas áreas de interesse.

Porém, alguns setores da sociedade, como o político e o científico, conseguiram no STF- Supremo Tribunal Federal, algumas medidas para barrar a ação predatória do governo e de seus beneficiários. No mesmo mês da edição do decreto, o Ministro do STF, Ricardo Lewandowski, suspendeu parcialmente o documento (2022), atendendo ao pedido do senador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade (AP), que afirmou que a liberação da exploração das cavernas colocaria a população brasileira em alto risco de exposição a novas pandemias, dada a suposta origem do COVID-19, por exemplo, pois no interior dessas cavidades existem animais, como morcegos, que são hospedeiros de microrganismos ainda não conhecidos/estudados pela ciência.

Em uma segunda análise, a região amazônica, considerada o maior berço da biodiversidade, muitas vezes exclusiva, do planeta, deve ser também analisada e estudada sob o ponto de vista da sociodiversidade, pois não há de se homogeneizar a vida social de todos os grupos que na área viviam. Estudar e resgatar a diversidade social desses povos é de fundamental importância para se entender a complexidade que é a Amazônia.

Nesse viés, um dos principais temas de interesse da pesquisa de arqueólogos é as relações entre as múltiplas vozes das comunidades ribeirinhas tradicionais com o patrimônio arqueológico. Nas comunidades, a Arqueologia e suas contribuições visam o fortalecimento do interesse e da valorização do patrimônio arqueológico, percebendo como as pessoas incorporam nas suas narrativas a presença dos vestígios arqueológicos.

Dentro desse processo investigativo, nota-se que os guardiões desses “tesouros” são as comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas da região, tornando, assim, sua participação imprescindível para a reconstrução histórica da área. Existem em algumas cidades, como em Itacoatiara, no Amazonas, programas de ensino arqueológico para a comunidade, a fim de ensiná-la a reconhecer e preservar achados históricos (2015), muito comuns na rotina dessas pessoas, que às vezes têm no quintal de casa inúmeros artefatos.

O território amazônida ainda é intocado, arqueologicamente falando. A cada passo que a ciência dá, a Amazônia vai ganhando novos capítulos para a sua história. Importante ressaltar que a Arqueologia não se faz a única protagonista nesse processo de descobertas. Existe uma interdisciplinaridade muito grande para remontar tantos fatos históricos, que passa pela Linguística até a Agronomia, por exemplo. Tudo isso para entender o que era a Amazônia antes e depois da invasão europeia.

A manutenção dos trabalhos está intrinsicamente ligada à preservação ambiental e social das comunidades originárias, pois existe um arsenal, físico e humano, ainda escondido, mas com a ameaça da construção de barragens, rodovias e desmatamento da floresta, além da invisibilidade dada aos indígenas, a continuação da pesquisa se torna cada vez difícil.

Portanto, a arqueologia na Amazônia é uma ciência que permite a criação de novas possibilidades de se conhecer povos que viveram na região em tempos passados e também no presente, assim como, ajudar a recontar a história de construção da vasta diversidade que permeia a região. É uma história contada a partir da análise de profissionais em terras, plantas e achados arqueológicos e que necessitam de forma constante, de incentivos e investimentos governamentais para a pesquisa continuar acontecendo.

Boaventura de Sousa Santos, cunha o conceito de “ecologia dos saberes”, que visa promover o diálogo de vários saberes, sendo um processo coletivo e essencial de pluralidade de conhecimentos que visam a emancipação social dos povos tradicionais (CARNEIRO; KREFTA; FOLGADO, 2014). A partir disso, é importante destacar o papel dessas populações na proteção das histórias locais, por meio dos saberes, que se tornam verdadeiros patrimônios localizados, singulares e situados que resgatam e mantém viva a construção histórica do bioma amazônico e suas particularidades.

Diante da temática exposta, recomenda-se o trabalho feito pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, criado em 1999, que desenvolve suas atividades por meio de programas de pesquisa, manejo de recursos naturais e desenvolvimento social, principalmente na região do Médio Solimões, estado do Amazonas. O Instituto realiza há mais de uma década estudos arqueológicos na Amazônia Central, ajudando a expandir as fronteiras do que se conhece a respeito do passado da região. Para mais informações, acesse:

Site Oficial: < https://www.mamiraua.org.br/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/institutomamiraua/ >

Facebook: < https://www.facebook.com/institutomamiraua/ >

Por fim, ressalta-se a importância de instituições voltadas para a difusão científica e que agregam conhecimentos sobre estudos arqueológicos na Amazônia, sendo possíveis de serem visualizados a seguir:

Museu da Amazônia (Manaus, Amazonas) – um museu vivo, a céu aberto, que através de exposições, trilhas em florestas, estudos de campo e documentação de fauna e flora, desenvolvem pesquisas em divulgação e popularização da ciência, da educação científica e cultural.

Para mais informações, acesse:

Site Oficial: < https://museudaamazonia.org.br/pt/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/museudaamazonia_musa/ >

Facebook: < https://www.facebook.com/museudaamazonia >

Museu Emílio Goeldi (Belém, Pará) – estudos científicos dos sistemas naturais e socioculturais da Amazônia, bem como se concentra na divulgação de conhecimentos e acervos relacionados à região.

Para mais informações, acesse:

Site Oficial: < https://www.gov.br/museugoeldi/pt-br >

Instagram: < https://www.instagram.com/museuemiliogoeldi/ >

Facebook: < https://pt-br.facebook.com/museugoeldi/ >

Palacete Provincial (Manaus, Amazonas) – abriga cinco Museus de diferentes linguagens: Museu de Arqueologia, Museu da Imagem e do Som (MISAM), Museu de Numismática do Amazonas, Museu Tiradentes e a Pinacoteca do Estado.

Para mais informações, acesse:

Site Institucional: < https://cultura.am.gov.br/portal/palacete-provincial/ >

REFERÊNCIAS

Arqueologia na Amazônia – Nova Amazônia. Canal Youtube Tv Encontro das Águas. 2015. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=JGzdh4YsNPo > Acesso em 29 de maio de 2022.

CARNEIRO, Fernando Ferreira Ferreira; KREFTA, Noemi Margarida; FOLGADO, Cleber Adriano Rodrigues. A práxis da ecologia de saberes: entrevista de Boaventura de Sousa Santos. Tempus Acta de Saúde Coletiva, v. 8, n. 2, p. 331-338, 2014. Disponível em: < https://www.tempus.unb.br/index.php/tempus/article/view/1530 > Acesso em: 30 de maio de 2022.

DECRETO 10.935/2022. Dispõe sobre a proteção das cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional. Publicado em 12 de janeiro de 2022. Diário Oficial da União. Acesso em: 29 de maio de 2022.

FUNARI, Pedro Paulo A. A arqueologia. São Paulo: Contextos, 2003. Acesso em: 29 de maio de 2022.

PESSOA, Cliverson. Arqueologia como possibilidade de conhecer povos que viveram na Amazônia, para recontar a história da imensa diversidade da região. Entrevista concedida a Elvira Eliza França. Amazônia Real. 18 de dezembro de 2018. Disponível em: < https://amazoniareal.com.br/arqueologia-como-possibilidade-de-conhecer-povos-que-viveram-na-amazonia-para-recontar-historia-da-imensa-diversidade-da-regiao/ > Acesso em:  23 de maio de 2022.

2020. Ministro do Meio Ambiente defende “passar a boiada”e “mudar” regras enquanto atenção da mídia está voltada para a COVID-19. Publicado em 22 de maio de 2020. Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/ministro-do-meio-ambiente-defende-passar-a-boiada-e-mudar-regramento-e-simplificar-normas.ghtml. Acesso em 01/06/2022.

2022. Decreto que autorizava exploração de cavernas é suspenso parcialmente. Publicado em 25 de janeiro de 2022. Disponível em https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/01/25/decreto-que-autorizava-exploracao-de-cavernas-e-suspenso-parcialmente. Acesso em 01/06/2022.