
Keity Oliveira e Lorena Carneiro – Acadêmicas do 3ºsemestre de RI da Unama
A ideia da internacionalização da Amazônia é um debate recorrente desde a sua descoberta até o seu domínio, surgindo em funções de movimentos endógenos e exógenos através de uma teia complexa de atores e seus interesses internos e externos. Interesses estes que perpassam motivações geopolíticas pela região. Durante as últimas décadas, com a centralidade da discussão sobre mudanças climáticas e as questões ambientais no âmbito de debates internacionais, devido a sua urgência e seus impactos no planeta, a Amazônia passa a ter atenção especial por ser uma região estratégica na manutenção do equilíbrio no ecossistema global. Consequentemente, o discurso sobre internacionalizar ou não a região, é posto em pauta novamente.
Em primeira instância, o paradigma da globalização promoveu, a partir dos anos 1980, uma nova configuração geopolítica advinda da crescente demanda internacional por recursos naturais estratégicos. Esses recursos eram necessários para atender a demanda das economias que eram tradicionalmente, dominantes do mercado internacional de commodities, assim como das economias que, por conta da globalização, fizeram proveito das condições econômicas e políticas para se integrar ao grupo de economias que determinavam a geopolítica mundial do fluxo e intercâmbio de recursos naturais (Amin, 2015).
Há tempos o mundo volta seus olhos para a região amazônica e a defende sob o argumento de que ela é o futuro da humanidade, muito pela questão ambiental que ela carrega. Porém, é sabido que nessa área existem recursos ainda inexplorados, que causam cobiça por parte das grandes potências e suas empresas transnacionais. Sejam suas riquezas minerais, como ferro e manganês, sua biodiversidade, em muitos casos exclusiva, ou energéticas, como petróleo e gás natural, fazem com que vários países defendam a sua internacionalização. Dentro desse cenário, ainda existe o gigantesco potencial hídrico, já que a Amazônia é a maior bacia hidrográfica do planeta.
Nessa perspectiva, a geopolítica da Amazônia, então, formou-se como uma relação sociedade-natureza, partindo de uma economia que se baseava na exploração de recursos naturais tidos como “infinitos”, a fim de alcançar um progresso econômico de maneira “linear”, sendo essa noção reforçada por potências mundiais (Becker, 2005). Nesse sentido, “a região Amazônica, detentora do maior estoque de recursos estratégicos – água, minerais e biodiversidade – do planeta, passou a ser o centro das atenções internacionais” (AMIN, 2015, p. 03) e isso chamou atenção para a questão da internacionalização da região. Mas o que seria internacionalizar essa área?
Nas Relações Internacionais, sob o viés da teoria realista, a gestão territorial dos Estados nacionais e o controle sobre seus recursos naturais é uma atribuição reservada pelo governo de um país que o contenha e faz parte da soberania que ele possui. Dessa forma, dentro dessa perspectiva política, a gestão da Amazônia brasileira é de responsabilidade única e intransferível do Brasil e em relação a Pan-Amazônia, é atribuição de cada país que possua uma parte desse bioma em seu território, sendo afastada a ideia de intervenções internacionais como violações das fronteiras (Almeida, 2022).
Diante disso, internacionalizar a Amazônia seria torná-la patrimônio da humanidade, relativizando, inclusive, a soberania brasileira sobre ela. Quem defende essa ideia afirma que essa área não deveria pertencer a um país, a um povo específico e sim a todos, devido às suas contribuições ao planeta. Vários líderes mundiais, como Emmanuel Macron, presidente da França, e Angela Merkel, ex-chanceler alemã, já demonstraram interesse e preocupação com o (des)cuidado na Amazônia, o que reacendeu o discurso protecionista sobre a área. Durante muitos anos, o discurso nacionalista-protetor da floresta ecoou, fazendo com que várias políticas fossem instaladas na região, especialmente no período militar (Benatti, 2007) e o lema “integrar para não entregar” ainda ressoa na atualidade.
A preocupação estrangeira sobre a Pan-Amazônia data desde os anos 1960 e 1970, com a evolução de movimentos ambientalistas que questionavam as capacidades dos países de garantirem a preservação do bioma, o que gerou uma reação por parte de governos locais, representados pelo Tratado de Cooperação Amazônia (1978), cujos principais princípios eram soberania, o desenvolvimento harmônico, cooperação e equidade. No Brasil, cada vez mais se gera questionamentos acerca da preservação e soberania do governo brasileiro sobre a floresta, por parte de ONG’s ambientalistas estrangeiras e outros países, entre os anos de 2008 e 2021, especialmente em 2018, com o governo de Bolsonaro.
Entre as principais motivações do interesse internacional sobre a Amazônia, se destacam duas razões. A primeira diz respeito à busca de vários tipos de atores para ter acesso à riqueza da biodiversidade amazônica por meios, inclusive, ilícitos, como a biopirataria, posse de recursos minerais, mineração, etc. A segunda se refere a intenção de países e organizações em preservar/conservar a região devido a sua importância no equilíbrio ambiental e climático no mundo e pelo desejo de colaborar na manutenção do bioma com o país (Almeida, 2022).
Nesse viés, a possibilidade de internacionalização da Amazônia, por meio da qual se teria perda da soberania brasileira na região dentro de seu território, é praticamente nula, pois a soberania de um Estado nacional é o princípio básico do respeito a um país, sendo consagrado, inclusive, no Tratado Constitutivo da ONU. Além disso, também não há possibilidades sobre a internacionalização da região ou de uma cessão de parte da soberania do país através de tratados, já que o Brasil não é signatário de nenhum versando a gestão da Amazônia.
Em segunda instância, ao se falar sobre a conferência de um status internacional para o bioma, o que não se falou (e o que ainda não se fala) é como esse processo de integração regional deve acontecer. A Amazônia é, ao longo da história brasileira, marcada por vazios demográficos, e tem como sua principal população a indígena e as comunidades tradicionais, como os quilombolas, detentoras e conhecedoras de todas as riquezas que a região possui. Tal fato é reconhecido pela Constituição Federal, dando aos povos originários a posse e exploração dos recursos naturais das terras que habitam, ressalvadas as devidas particularidades.
O reconhecimento e a possibilidade de demarcação das terras indígenas e/ou quilombolas pela legislação brasileira derrotaria os interesses daqueles que querem explorar a floresta, sem maiores preocupações ou empecilhos. Muitos desses “empreendedores” estão, hoje, dentro do Congresso Nacional, ganhando apoio do Presidente da República, que é publicamente contrário às boas práticas ambientais e humanas, discursando sobre a problemática da internacionalização da Amazônia como sinônimo de uma iminente invasão e tomada territorial pelos estrangeiros.
Nesse contexto, há uma distorção de fatos ao se afirmar que as ONGs instaladas na região têm função expiatória, coletando informações privilegiadas para entregá-las aos outros países, quando na verdade, esses “protetores”, querem caminho livre para grilar terras, desmatar e explorar a floresta. A cada criação de uma unidade de conservação ou se reconhece aos indígenas o seu direito à terra, são muitos hectares que ficam de “fora do comércio” (Benetti, 2007).
Em momento algum está se negando a existência do interesse internacional na floresta, mas é importante focar na questão central da discussão. A fala nacionalista, desqualifica as demandas ambientais e sociais que a Amazônia possui. E essas são urgentes. O que se vê é uma tentativa desesperada de assegurar a pequenos grupos o acesso às riquezas amazônicas, sem levar em conta todo o contexto que a floresta apresenta.
Diante da temática exposta, recomenda-se a leitura de dois artigos presentes no site Internacional da Amazônia, que também trabalham com o tema da internacionalização da Amazônia, sendo possíveis de serem lidos através dos links a seguir:
Breve reflexo sobre a internacionalização da Amazônia – Prof. Dr. Mário Tito Almeida: < https://internacionaldaamazonia.com/2022/02/01/breve-reflexao-sobre-a-internacionalizacao-da-amazonia/ >
Internacionalização da Amazônia – Antonio Amorim: < https://internacionaldaamazonia.com/2020/06/09/internacionalizacao-da-amazonia/ >
Por fim, para você que quer saber mais sobre dados relacionados com a regulamentação de terras e reforma agrária na região amazônica, recomenda-se dois institutos que trabalham com esses setores, sendo um a nível nacional e outro regional, no Pará.
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
Site: < https://www.gov.br/incra/pt-br >
Instagram: < https://www.instagram.com/incra.oficial/ >
Twitter: < https://twitter.com/Incra_oficial >
Instituto de Terras do Pará (INTERPA)
Site: < http://portal.iterpa.pa.gov.br/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/iterpa_oficial/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/iterpa >
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Mário Tito. Breve reflexão sobre a internacionalização da Amazônia. Site Internacional da Amazônia. Publicado em: 01 de fevereiro de 2022. Disponível em: < https://internacionaldaamazonia.com/2022/02/01/breve-reflexao-sobre-a-internacionalizacao-da-amazonia/ > Acesso em: 10 de maio de 2022.
AMIN, Mario Miguel. A Amazônia na geopolítica mundial dos recursos estratégicos do século XXI. Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 107 | 2015, publicado a 04 setembro 2015. Disponível em: < https://journals.openedition.org/rccs/5993#quotation > Acesso em: 10 de maio de 2022.
BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados 19 (53): 2005. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/ea/a/54s4tSXRLqzF3KgB7qRTWdg/?format=pdf&lang=pt > Acesso em: 11 de maio de 2022.
BENATTI, José Heder. Internacionalização da Amazônia e a questão ambiental: o direito das populações tradicionais e indígenas à terra. Revista Amazônia Legal de estudos socio-jurídico-ambientais, Cuiabá, v. 1, n. 1, p. 23-39, 2007. Disponível em: < http://avesmarinhas.com.br/Internacionaliza%C3%A7%C3%A3o%20da%20Amaz%C3%B4nia%20e%20a%20quest%C3%A3o%20ambiental.pdf > Acesso em: 12 de maio de 2022.