A Virada Linguística e as Teorias das Relações Internacionais.
Heitor Sena – Acadêmico do 3º semestre de Relações Internacionais
Yasmin Garcia – Acadêmica do 5º semestre de Relações Internacionais
Conforme Resende (2010), a área de Relações Internacionais perpassa por épocas de crise, seja na economia, política ou no campo ideológico. No final do século XX, a se viu absorta em diferentes teorias com divergentes pontos de vista. Sobretudo após a Guerra Fria, tornou-se necessário repensar as premissas vigentes e a própria área.
Os tempos de crise começaram a surgir logo após o fim da Idade Média, com o advento do período histórico denominado como Modernidade: com a ascensão do industrialismo, da secularização, a maioria dos pensadores da época descrevem o mundo como “suscetível a transformações pelo homem”, com intensas mudanças nos âmbitos político, econômico e científico.
O primeiro, com o início de uma ideologia de Estado nacional. com uma democracia representativa sendo cogitado para as nações; na segunda esfera, ressalta-se a dispersão do capitalismo e de uma economia voltada para o mercado; por fim, a Era da Luz foi marcada pela disseminação do Iluminismo, principalmente durante os séculos XVII, XVIII e XIX, vertente que defendia a rejeição da tradição e do obscurantismo, na qual a razão, somada à ciência, traria a liberdade.
No entanto, já no começo do século XX, as ideologias modernas já entraram em crise: segundo os novos teóricos – em sua maioria frankfurtianos -, a razão se transformou em uma força irracional utilizada de forma equivocada pelo homem, com um milenarismo invertido e necessidades falsas.
Os autores da Escola de Frankfurt – como Adorno, Marcuse e Horkheimer – deram o pontapé inicial ao período da Pós-modernidade. Os principais argumentos utilizados referem-se ao fato de que a extrema racionalidade resultou no surgimento de governos Facistas, na criação de campos de concentração, como Auschwitz, e em acontecimentos como o Holocausto.
Os frankfurtianos analisam todos os fatos supramencionados com incredulidade quanto às metanarrativas empregues, e evidenciam a crise da historicidade – quando as relações deixam de ser orgânicas. Já no final do século XX, abre-se espaço para a Síntese Neo-Neo, tendo como foco, assim, a Virada linguística que ocorreria nesse contexto.
A virada linguístico-epistemológica foi um marco importante para as Relações Internacionais. Este evento, promoveu a introdução de outras áreas das ciências sociais, resultando em um questionamento ao consenso ortodoxo. Logo, a compreensão sobre o que consiste a Virada Linguística, é de suma importância para o internacionalista.
Primeiramente, é importante destacar como a Virada Linguística se opôs ao positivismo. Esta corrente de pensamento dominava as RI até meados dos anos 90, e consistia na “crença de que o internacional poderia ser estudado objetivamente nos moldes das ciências naturais” (ARRAES e GEHRE, 2013 p.57).
Neste ponto, cabe destacar que o consenso ortodoxo dessa linha de pensamento já estava sendo questionada em outras áreas das ciências sociais desde os anos 50. Não obstante, o debate metateórico, ou seja, o questionamento acerca da própria teoria, só começou a ganhar espaço nas RI a partir dos anos 80.
Desde então, a crítica epistemológica ganhou um espaço importante na disciplina, a partir desse momento, até mesmo a ideia de que a estrutura do sistema internacional é anárquico, conceito que, como podemos ver na obra Neorealism and its critics (1986) do teórico neoliberal Robert O.Keohane, era um pressuposto em comum das teorias positivistas.
No entanto, entender-se-á, que a Virada Linguística não se limitou a apenas criticar o consenso ortodoxo. Como mencionado anteriormente, o advento da Virada proporcionou a aceitação da influência de outras áreas das ciências sociais na área. A partir deste momento, notar-se-ia o nascimento de novas teorias, formuladas a partir de conceitos até então marginalizados nas RI. Nesse âmbito, destaca-se a importância da linguagem e da intersubjetividade para as teorias pós-estruturais.
A ideia defendida por Wittgenstein era o entendimento de que a realidade não podia ser compreendida senão como resultado de uma complexa prática social de construção de relação entre os objetos e seus significados” (RESENDE, 2010 p.47). Esta concepção centraliza o papel da linguagem, atribuindo a ela natureza social e agência na construção da realidade, tópicos em comum com a obra de Saussure. O linguista suíço, porém, apresentou uma postulação inovadora sobre a linguagem.
Ferdinand de Saussure se opôs à ideia positivista sobre a linguagem, onde seu papel está limitado à um instrumento que descreve e representa o mundo. Com isso, Saussure propôs uma separação da linguagem em língua (langue) e fala (parole), apresentando uma concepção estrutural da linguagem. Desse modo, Saussure entende a língua como pertencente à esfera pública, social – internalizado por uma coletividade de falantes. Diferencia-se portanto, da fala, uma vez que esta pertence ao indivíduo, psicológico – o ato de expressar uma ideia. (RESENDE, 2010)
Denota-se que as contribuições de Saussure para as ciências sociais não se limitam a apenas isto. O suiço trouxe um modelo de significação durante seus estudos acerca do discurso (signe), unidade primária da linguística. Este modelo define os signos como entidades duplas, que seriam compostas por significantes (letras, números, sons, imagens) e significados (conceitos e ideias), sendo que, apesar de ambos integrarem o discurso, um existe independentemente do outro, não havendo portanto, uma ligação natural entre eles.
É importante destacar que, a inexistência de uma ligação entre significante e significado torna impossível limitar o papel da linguagem à simplesmente nomeação de objetos, uma vez que não há mais uma ligação automática entre as letras e as ideias. Desse modo, a relação entre significante e significado é arbitrária “somente dentro de um plano discursivo específico é que a articulação entre significante e significado consegue gerar um sentido particular” (RESENDE 2010, p. 49). Consequentemente, a articulação de significante e significado depende de uma mediação discursiva. Logo, o discurso deverá produzir uma sensação de naturalidade entre as letras e ideias, as formas e o conteúdo.
No campo das RI, há também de se notar o impacto da obra The Constitution of Society (1984), de Anthony Giddens. Neste livro, o autor apresenta sua Teoria da Estruturação. Aplicando conceitos da sociologia, Giddens defende que conceitos como agentes e estruturas não podem ser vistos como separados do social, a realidade deve ser compreendida como uma dinâmica social.
Nesta instância, entende-se que há uma relação de codeterminação, ou seja, para que indivíduos sejam dotados da capacidade de executar uma ação como agentes, será necessário que existam estruturas sociais que lhe confiram essa capacidade, de mesmo modo que, para que essas estruturas existam, é preciso existir indivíduos capacitados como agentes para lhes dar conteúdo e significado através de seu acionar, seja intencional ou não. (GIDDENS, 1984)
Por este motivo a teoria de Giddens se mostrou tão importante para as RI, uma vez que colocou em xeque um dos pilares das teorias positivistas – a estrutura anárquica do sistema internacional, que precedia a existências dos indivíduos, e consequentemente, guiava suas ações.
Em suma, podemos perceber que a partir de meados dos anos 80, as Relações Internacionais passaram por mudanças profundas. Durante este período, ideias originadas de outras ciências sociais finalmente conseguiram penetrar na disciplina, iniciando um processo de ruptura com a ortodoxia que a dominou por tanto tempo.
Neste cenário, nota-se o surgimento de diversas teorias, que compõem o pós-positivismo, além de uma mudança nas teorias positivistas, que passam a incorporar também conceitos previamente excluídos. É neste contexto que nasce o que se define como o terceiro ou o quarto grande debate das RI – o debate entre as teorias positivistas (adaptadas) e as teorias pós-positivistas.
Referências:
KEOHANE, Robert O. Neorealism and its critics. New York: Columbia University Press, 1986.
ARRAES, T. ; GEHRE, T. Introdução aos estudos das relações internacionais. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
GIDDENS, A. The constitution of society. 1984. [s.l: s.n.].
JATOBÁ, Daniel. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
RESENDE, Erica S. A. A CRÍTICA PÓS-MODERNA /PÓS-ESTRUTURALISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS. Editora UFRR: Boa Vista, 2010.