
Natalia Antunes (acadêmica do 5º semestre de RI da UNAMA)
Keity Oliveira e Lorena Freitas (acadêmicas do 3º semestre de RI da UNAMA)
Na última década, a bacia hidrográfica amazônica tem passado por mudanças que ocasionam em cheias e vazantes cada vez mais intensas. Os níveis mais extremos de cheia e vazante ocorreram nos últimos 30 anos, e voltam em intervalos menores a cada intensificação. Sabe-se que o aumento do nível da bacia amazônica gera contexto de vulnerabilidade social para a população da região, problemas de saúde, perda de bens, risco de prejuízo às estruturas das residências são apenas algumas das problemáticas relacionadas às cheias. Dessa forma, é necessária a análise sobre os impactos da intensificação das cheias da bacia amazônica sobre a população da região, e de que forma esse tema é negligenciado, aumentando a vulnerabilidade social na região.
Em uma primeira análise, a Amazônia, além de ser considerada a maior floresta tropical do mundo, por sua extensão territorial e biodiversidade nela encontrada, é também a região do planeta detentora da maior bacia hidrográfica. Estima-se que cerca de 20% da água doce da Terra circula pela região amazônica. Levando em conta seu clima quente e úmido, é comum na região épocas de maior e menor índice pluviométrico, que faz com que as comunidades locais já tenham se adequado às mudanças naturais.
A bacia Amazônica possui um ciclo natural, onde, de junho a novembro a água desce, ocorrendo o que se denomina de “vazante” e de dezembro a maio, a água sobe, realizando a “cheia”. Porém, durante as últimas décadas, a bacia tem experimentado cheias e vazantes mais intensas, sendo um fenômeno chamado por especialistas como ‘intensificação do ciclo hidrológico’ (Martins, 2021). Nesse sentido, segundo Jochen Schöngart, cientista e pesquisador florestal do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), existem três mecanismos que explicam esse fenômeno: o primeiro estaria relacionado com o aumento da Temperatura Superficial do Mar (TSM), o segundo evidencia a variabilidade natural que ocorre por conta da pluma do Rio Amazonas, que intensifica o processo hidrológico e a última seria os efeitos das ações antropogênicas, ou, mudanças climáticas (Martins, 2021).
Logo, com o crescimento desordenado e a influência destes mecanismos na natureza, os desastres ambientais, como enchentes e inundações, hoje, são muito mais perceptíveis, tornando áreas vulneráveis, aumentando o risco de sobrevivência e até de vida às populações locais. Leal e Souza (2011) mostram em sua pesquisa, que 73% de todo o estado do Pará teve seus municípios atingidos pelas cheias dos rios.
Os impactos ambientais são sentidos de maneira distinta entre as pessoas. Quando se olha para a região amazônica, gigante em recursos naturais, verifica-se que seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é o mais baixo do Brasil, com altas taxas de pobreza, girando em torno de 42%. Somam-se a isso o analfabetismo e a falta de políticas públicas, tanto de infraestrutura física quanto social para a comunidades locais.
Nesse viés, como exemplo da relação entre as cheias e a vulnerabilidade social, cita-se Manaus, capital do Amazonas, que registrou um nível histórico do Rio Negro de 30,02 metros em 2021, a maior altura desde 1902. O episódio mostrou a extrema situação de vulnerabilidade da população local que teve suas casas às margens dos igarapés, invadidas pela água.
Dessa forma, segundo Martins (2021), essas moradias que se estendem pelas margens dos igarapés são resultado de um crescimento desordenado na região, onde no apogeu do ciclo de borracha em 1912, a cidade de Manaus se expandiu rapidamente e num curto período de tempo e nessa corrida, as pessoas que eram consideradas marginalizadas, construíram suas casas em cima de igarapés. Assim, com a ausência de políticas públicas voltadas para esta parcela da população, eles são postos como o principal grupo de risco quando enchentes e inundações ocorrem.
Em uma segunda análise, diferente do restante do Brasil, a colonização da Amazônia ganha força nos séculos XVII e XVIII, sendo explorada e dominada em muitos aspectos, não levando em consideração o contexto natural e social da região. Desde sempre, o norte brasileiro é tido como periférico, beirando a invisibilidade, mesmo com a criação de superintendências (SPVEA- Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia/ SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) que visavam seu desenvolvimento. Por um momento, o Brasil pensou na Amazônia, viabilizando uma parte de sua imensa arrecadação para a área. Mas, ao olhar a atualidade, percebe-se que não foi e continua não sendo o suficiente. Seria a Amazônia uma abstração para os brasileiros? (Pinto, 2020)
A ausência estatal, percebida nas três esferas de poder, aliada às mudanças climáticas, fazem com que os povos amazônidas sofram consequências, muitas vezes permanentes, com a elevação do nível dos rios, levando consigo a esperança de uma vida digna dessas pessoas.
Quando a cheia do rio acontece, inviabilizando a permanência dos moradores ao redor, um novo ciclo de problemas sociais acontece. Ao se retirarem da região afetada, as comunidades perdem muito mais do que suas casas. Perdem a sua fonte de renda, pois o cultivo de alimentos, como a mandioca, é a sua principal atividade. Além da falta de moradia, a população é exposta à várias doenças causadas pela falta de saneamento básico nas cidades, como a cólera e a disenteria. Em consonância com esse cenário, ainda há o perigo de ataques de animais silvestres, como cobras e jacarés, que acabam invadindo o espaço das cidades com o novo curso fluvial.
Nessa perspectiva, a situação, que já não era das melhores, tende a se agravar ainda mais. A emergência para atender os afetados pelas cheias se sobressai aos trabalhos prévios de infraestruturas física e social que a população necessita. A falta de interesse público em conjunto com a força da natureza destrói a vida daqueles que pouco têm.
Portanto, o fenômeno das enchentes dos rios, inserido no cotidiano da Bacia Hidrográfica Amazônica, está diretamente ligado a variáveis naturais e aos efeitos da interferência humana no meio ambiente. Nesse sentido, as cheias dos rios ocorrem com maior frequência e intensidade, desencadeando um processo que resulta na vulnerabilidade social de um elevado número de pessoas que vivem perto de rios, como os ribeirinhos e outras populações locais.
Nesse contexto, é necessário re(pensar), planejar e organizar políticas públicas eficazes, por parte do Estado, que possam atender as demandas e necessidades da população amazônida em relação as enchentes e vazantes, garantindo assim, melhorias nas condições de vida de famílias na Amazônia que vivem de forma cotidiana essa realidade contínua.
Diante da temática exposta, recomenda-se o documentário “A Cheia Histórica do Rio Negro”, uma produção amazonense sobre a maior cheia do Rio Negro já registrada em 119 anos de medição, alcançando a marca de 30,02 metros. O documentário mostra a realidade do período de cheias nos rios da Amazônia, sendo um fenômeno natural observado, estudado e sentido de perto pelos moradores, principalmente os ribeirinhos. A produção conta com a jornalista Maria Paula Santos que ressalta a importância do fator humano em sua captação.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=VyBmqYTYDG4&ab_channel=AmazonSat >
Ademais, destaca-se o trabalho feito pelo Instituto Igarapé, um think tank independente focado nas áreas de segurança pública, climática e digital e suas consequências para a democracia. O Instituto trabalha com governos, setor privado e sociedade civil para desenhar soluções baseadas em dados e seu objetivo é propor soluções e parcerias para desafios globais por meio de pesquisas, novas tecnologias, comunicação e influência em políticas públicas.
Para mais informações, acesse:
Site Oficial: < https://igarape.org.br/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/igarape_org/ >
Twitter: < https://twitter.com/igarape_org >
Por fim, indica-se o trabalho feito pelo Observatório do Clima, fundado em 2002 e que representa uma rede de organizações da sociedade civil, tendo como principal objetivo discutir as mudanças climáticas no contexto brasileiro, que incluem representatividade, pluralidade e longevidade na discussão de mudanças climáticas.
Para mais informações, acesse:
Site Oficial: < https://www.oc.eco.br/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/observatoriodoclima/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/ObservatorioClima >
REFERÊNCIAS
COUTINHO et.al. Riscos socioeconômicos e ambientais em municípios banhados pelos afluentes do Rio Amazonas. In: Revista Ambiente e Água. Publicação Outubro de 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ambiagua/a/n6mkKnyrr4bgnKKgbQ43jbq/?lang=pt. Acesso em: 28 de abril de 2022.
LEAL, S. V.; SOUZA, E. B. Desastres naturais sobre a Amazônia e Nordeste Brasileiro associados às enchentes e inundações: o caso de 2009. In: ENCONTRO SUL-BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, 4., 2011, Pelotas-RS. Anais… Pelotas: SBMET, 2011. Acesso em: 28 de abril de 2022.
MARTINS, Bruna. Cheia histórica no Amazonas é uma mistura da variabilidade natural com mudanças climáticas. Jornal ((o))eco. Publicado em: 17 de junho de 2021. Disponível em: < https://oeco.org.br/reportagens/cheia-historica-no-amazonas-e-uma-mistura-da-variabilidade-natural-com-mudancas-climaticas/ > Acesso em: 30 de abril de 2022.
PINTO, Lúcio Flávio. Amazônia, um mundo esquecido. Publicado em: 18 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/amazonia-um-mundo-esquecido/. Acesso em: 30 de abril de 2022.