Geórgia Amarante – graduada em Relações Internacionais pela Universidade da Amazônia

Em uma campanha marcada pelo enfrentamento às extremidades políticas, o presidente francês Emmanuel Macron se reelegeu, com 58,6% dos votos, no domingo, 24 de abril (Le Progrès, 2022, pág. 02). Segundo Sylvie Ollitrault, diretora de pesquisa em Ciências Políticas do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), “tudo depende da capacidade do presidente de unir o povo francês” (Le Progrès, 2022, pág. 03). Ou seja, mesmo que, desde o começo, fosse o candidato mais cotado a ganhar, desta vez, as eleições tiveram uma euforia diferente, manifestada pelos candidatos extremistas, que movimentaram a arena política ao longo de toda a marcha eleitoral.

O novo quinquênio do presidente Macron promete grandes desafios à nível doméstico; conciliar as correntes políticas e o eleitorado, e a nível internacional; lidar com as agendas climáticas e da União Europeia.

Segundo as primeiras estimativas do barômetro Ipsos-Sopra Steria, 42% dos eleitores de Macron o elegeram para se opor à extrema direita, inclusive, vários eleitores de esquerda. Além disso, a taxa de abstenção ao voto é superior à 28%, uma das mais elevadas.

É interessante lembrar que, ao longo do primeiro turno, o país das revoluções se dividiu drasticamente em extrema esquerda, com Jean-Luc Mélenchon com 21,95% dos votos e a extrema direita representada por Le Pen com 23,15% e Eric Zemmour com 7,07% dos votos, este último, muito polêmico por suas opiniões radicais contra imigrantes (France Inter, 2022).

Em 2017, o presidente mais novo da França foi eleito, com a promessa de mudança. Como ministro do antigo presidente François Hollande, Macron rompe com o movimento e fundou, em 2016, seu próprio partido chamado En Marche! (BBC News, 2017). Sua proposta era de renovação para o país, mais a centro-direita, ademais, tinha uma visão progressista e reformista para o setor econômico e, assim, seu antigo alinhamento com a esquerda e seu posicionamento liberal o permite ter os contatos perfeitos para a eleição presidencial como um candidato ao centro do espectro político francês.

Outrossim, a França tem tido uma tradição política de centro-direita a partir da quinta República, mudando a Constituição e o regime político republicano, para reforçar o papel do poder executivo. Isto quer dizer uma maior personificação do poder pelo presidente, pois o voto popular se tornaria direto. Nesse sentido, começa com o general Charles de Gaulle, na tentativa de reconstruir uma França pós-guerra, unindo o movimento da direita paternalista e a tradicional, e precedida pelo seu seguidor Georges Pompidou. Reagindo, teve-se depois o socialista François Mitterrand com uma política mais à esquerda, o que não perdura tanto tempo pois em 1995, Jacques Chirac de direita (que disputou acirradamente contra Jean-Marie Le Pen, o pai de Marine Le Pen) se elegeu, seguido pelo seu ministro na época e depois presidente Nicolas Sarkozy, também de direita. Rompendo a tradição, em 2012, François Hollande, do partido socialista, elege-se e dá oportunidade a esquerda retornar ao poder e, por último, Macron se elege em 2017 começando um novo capítulo em sua nação.

No entanto, muitos franceses se perguntam se a história não está se repetindo, pois, 20 anos depois da disputa entre Chirac e Le Pen, tem-se outra eleição marcada por uma grande campanha contra a extrema direita. O período eleitoral foi reservado por discursos e falas radicais conservadores que versaram sobre temas que: reduzem fortemente o acesso à imigrantes ao solo francês e dobram o controle de fronteiras; contra a religião muçulmana; todas as ajudas sociais do governo serão reservadas aos franceses de nacionalidade; pedido de prisão perpétua real; fortalecimento da segurança nacional; reintegração do pessoal médico que não se vacinou, além da grande hostilidade ao bloco europeu.

Mesmo que não eleitos, hoje, a França tem grandes desafios políticos contra a onda radical existente, pois de qualquer forma, o discurso e as palavras de candidatos extremistas ecoam nas casas e nos espaços de poder franceses. O complotismo, o negacionismo, a onda conservadora ignora as reais preocupações de um país diverso em sua política, suas classes e suas origens étnicas, mas que contraditoriamente não realiza pesquisas étnico-raciais, como estamos acostumados no Brasil a partir do IBGE.

Na França, existe uma lei de 1978 que proíbe a coleta de dados pessoais que revelem identidades e origens raciais ou étnicas, opiniões políticas, filosóficas, religiosas, filiação sindical e orientação sexual. Na justificativa de ser contrária ao artigo Primeiro sobre a República ser indivisível, laica e democrática e assegura o direito a todos sem distinção. Para Patrick Simon e Angéline Escafré-Dublet (2009), o tema da diversidade evita a armadilha da formulação negativa (discriminação), e incita o princípio republicano universalista de “indiferença as diferenças”.

Em época de mudanças climáticas, guerras e grandes mudanças estruturais, a extrema direita quis se mostrar como a melhor opção aos valores republicanos, alimentando o imaginário de uma França gloriosa e sabendo cuidadosamente silenciar o seu alinhamento com a política externa de Putin.

Ao expressar seu nacionalismo com elegância, escondem seu populismo demagogo, conquistando o eleitorado que têm necessidades básicas, reivindicações primárias, como existir.

Na França, como na Europa, o movimento das extremidades se desenvolve a partir da vontade dos seus simpatizantes de simplesmente “ser reconhecido”, forjam um orgulho coletivo, um sentimento de pertencimento, para contrapor a sensação já existente de abandono, desamparo e humilhação que estes grupos ressentem.

Em contrapartida, o que se viu foi uma campanha presidencial que levou uma parte dos cidadãos à exaustão mental com o medo dos radicalismos instaurado, uma realidade que os brasileiros conheceram ultimamente. Notou-se a predominância e a retrospectiva aos debates democráticos básicos, que desafiam a olhar que tipo de política e de país são propostos para o futuro, mas principalmente, quais são os maiores combates do presente, em um país totalmente clivado e com desafios locais e internacionais a superar.

Neste novo mandato, o presidente se depara com uma França dividida, que não aderiu ao seu projeto de governo, mas que votou útil, por eliminação. Luc Roban, diretor de pesquisa no CNRS, diz que a “base eleitoral de Macron continua fraca” (Le Progrès, 2022, pág. 03). É preciso que Elysées, primeiramente convença os que se abstiveram do voto, e principalmente, crie um movimento de convergência dos opostos radicais de direita e esquerda que podem, potencialmente, no que diz respeito às reformas sociais, produzir fenômenos e movimentos de oposição como os gilets jaunes.

Durante os cinco anos precedentes, o presidente se mostrou neoliberal, pró-europa e, sobretudo, beneficiando classes superiores, com alta escolaridade e de meia-idade. No entanto, teve um bom êxito no enfrentamento da Covid-19 e agora tem um papel fundamental na diplomacia europeia com a Guerra na Ucrânia.

Neste período de transição, para obter um governo estável, é preciso jogar no legislativo para ter maioria forte, mas uma maioria plural, pois, ao mesmo tempo é preciso lidar com as questões sociais latentes, as quais vários candidatos fortes de centro-esquerda e esquerda estão propondo, inclusive como Jean Luc-Mélenchon, a cohabitation política, fenômeno de coexistência institucional entre um chefe de estado e um chefe de governo. A corrida dos deputados de todos os espectros políticos está intensa na Assembleia Nacional, que em breve, em junho de 2022, será votada. Além da escolha dos ministros para o novo mandato, que já está sendo arquitetada.

            Emprego, Europa, poder de compra e ecologia são os temas mais fortes para o próximo mandato de Emmanuel Macron. Um pacote de medidas para o poder de compra dos franceses é um dos assuntos mais esperados, além do aumento da aposentadoria e sua indexação sobre os salários. Ademais, o clima aparece como grande conflito no governo, após o relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) alertar que os próximos três anos serão cruciais para o planeta terra. Os ecologistas, a sociedade civil e os sindicatos franceses já reivindicam e estão à espera que Macron tome decisões drásticas e que ouça as demandas das associações, pois mobilizações cidadãs já são esperadas, após tantas alertas dos especialistas.

            Finalmente, como presidente do Conselho da União Europeia, como sempre tem feito, Macron deve reforçar a cooperação no bloco econômico, sobretudo, para lidar com a crise internacional que tem causado a diminuição das relações com a Rússia, além das reuniões e compromissos internacionais para o clima. Se Macron do primeiro mandato, tentou agir sozinho com seus apoiadores, desta vez, vai precisar trabalhar muito mais seu dom nato com a diplomacia e conseguir a maioria na Assembleia, retrabalhar as questões sociais que ficaram em falta no primeiro governo e escutar o que as camadas mais populares tem a demandar. O maior desafio de Emmanuel Macron é escutar o que seu povo tem a dizer e conseguir unir os franceses.

REFERÊNCIAS:

Présidentielle :  42% des électeurs d’Emmanuel Macron ont voté pour lui faire face barrage à Marine Le Pen. disponível em: https://www.franceinter.fr/politique/presidentielle-42-des-electeurs-d-emmanuel-macron-ont-vote-pour-lui-pour-faire-barrage-a-marine-le-pen

Carte de l’échiquier politique en France. Disponivel em: https://www.contrepoints.org/2014/03/08/158873-carte-de-lechiquier-politique-francais

Emmanuel Macron réélu : “Comment gouverner face à un peuple qui ne croit pas en vous ?”. Disponível em: https://www.telerama.fr/debats-reportages/presidentielle-2022-emmanuel-macron-est-un-president-forcement-mal-elu-7010058.php

Face à l’extrême droite Jean Merckaert est rédacteur en chef de la « Revue Projet » Disponível em: file:///C:/Users/WINDOWS/Downloads/PRO_354_0002.pdf

Représenter la diversité en politique : une reformulation de la dialectique de la différence et de l’égalité par la doxa républicaine. Patrick Simon, Angéline Escafré-Dublet. Dans Raisons politiques 2009/3 (n° 35), pages 125 à 141. Disponible : https://doi.org/10.3917/rai.035.0125

Macron bien décidé à se hàter lentement, Le Progrès, Givors – Monts de Lyonnais 69c, Mardi 26 avril 2022. Disponível em: https://www.epresse.fr/quotidien/le-progres/2022-04-26 Cómo hizo “En marche!”, la agrupación del presidente Emmanuel Macron, para arrasar com los partidos tradicionales de Francia en pocos meses. BBC News, Mundo, 19 de Junho de 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/mundo/noticias-internacional-40331859