Keity Silva de Oliveira (acadêmica do 3º semestre de RI da UNAMA)

Desde a formação da estrutura fundiária no Brasil, a prática do garimpo ilegal se fez presente de forma constante na Amazônia, sendo um dos principais desafios que permeiam os conflitos socioambientais na região e que afeta diretamente as populações amazônidas que vivem perto de localidades onde acontece essa prática. Nesse viés, em 18 de fevereiro de 2022, foi noticiado que as águas do Rio Tapajós, em Alter do Chão, sofreram mudanças de coloração e que isso se deu por conta da alta do garimpo e do desmatamento na região, de acordo com laudo feito pela Polícia Federal (Hanna & Netto, 2022). Diante dessa notícia, é importante analisar o aumento do garimpo em regiões próximas a rios e de que forma isso estimula a degradação ambiental e a contaminação devido a minérios e outros sedimentos que são despejados nos rios.

Em primeira instância, de acordo com Fearnisde (2010), o garimpo se configura como uma atividade econômica de mineração de cunho artesanal, que consiste no extrativismo de substâncias minerais como o ouro, diamantes ou outros tipos de minérios. O processo da garimpagem, na maioria das vezes, é feito com poucos recursos, utilizando-se de equipamentos simples e ferramentas rústicas, que apresentam baixos investimentos em suas aquisições. A atividade é considerada como uma forma legal de extração de riquezas minerais, segundo a Lei Nº 7.805 de 18 de julho de 1989 (Brasil, 1989), desde que atenda a determinadas regras e critérios. Na Amazônia, o garimpo tem sido praticado desde o século XVI, no qual o desenvolvimento dos sistemas de rádios e o acesso a pequenos aviões facilitou a exploração de minas em localizações remotas na região (Imazon, 2013).

Nessa perspectiva, durante a crise do petróleo no final da década de 70, o aumento do preço real do ouro também configurou um forte estímulo para as atividades garimpeiras, provocando uma corrida pelo ouro no território amazônico na década seguinte. A partir disso, a atividade continuou a crescer e a se desenvolver, porém, durante os últimos 10 anos, o garimpo legal e ilegal triplicaram sua área de atuação na Amazônia, segundo dados realizados pelo MapBiomas (2021), onde é possível perceber que seus maiores avanços se localizam em terras indígenas e em unidades de conservação, constituindo-se como uma séria problemática ambiental e social. Nesse sentido, a atividade é constantemente subsidiada pelo governo brasileiro através da flexibilização da fiscalização ambiental, criação de estradas próprias para áreas de garimpo, estabelecimento de reservas garimpeiras e aumento das taxas de importação para o encorajamento de produções domésticas, visando a grande geração de riquezas (Imazon, 2013).

Em segunda instância, a atividade garimpeira é uma das principais atividades econômicas realizadas na bacia do Rio Tapajós, sendo presente na região há décadas, de forma ilegal e industrializada, desencadeando problemáticas que perpassam os municípios paraenses, causando cada vez mais destruição de forma massiva e impactando diretamente a vida das comunidades indígenas e ribeirinhas que vivem na região. Nesse sentido, a notícia da mudança de coloração nas águas do rio, também conhecido como ‘Caribe amazônico’, mostra o despejo de grandes quantidades de sedimentos utilizados por garimpos, assim como, o despejo de rejeitos tóxicos de cianeto e mercúrio, constando como uma grave ameaça a saúde pública em toda a região (MPF, 2022).

No estado paraense, a atividade é permitida sem que sejam feitas avaliações de seus impactos ambientais e consequentemente, não há fiscalização dos parâmetros ambientais para a concessão de licenças para o garimpo, o que demonstra o sucateamento de instituições representativas como o IBAMA e o ICMBio e a falta de controle administrativo dos municípios. Além disso, o garimpo na bacia do Rio Tapajós representa sérios riscos em relação a contaminação por mercúrio, onde toneladas dele são despejados na bacia após o uso na extração de ouro, fazendo com que ele seja liberado na atmosfera e nos rios da Amazônia, contaminando os peixes que existem ali e consequentemente as pessoas que fazem consumo deles.

Dessa forma, segundo dados feitos por pesquisadores da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), que coletaram amostras de sangue em oito comunidades ribeirinhas na Bacia do Tapajós e de moradores da área urbana de Santarém, detectaram a presença de mercúrio em todos os 462 participantes, sendo que 75% deles estavam com as taxas acima do limite considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (G1, 2022). Com isso, as consequências deixadas pela atividade estão cada vez mais pondo em risco a vida das populações locais, assim como degradam o meio ambiente de forma exploratória e massiva, seguindo uma lógica dominante capitalista com apoio estatal.

Portanto, a prática da garimpagem ilegal expõe a falha das instituições estatais em fiscalizar e avaliar os possíveis impactos ambientais e sociais dessa atividade. Nessa conjectura, o Estado brasileiro se torna uma ferramenta de manutenção dos interesses econômicos de grandes grupos de garimpo que expandem seus negócios para organizações industriais e que buscam cada vez mais a expansão desse negócio lucrativo, principalmente em áreas indígenas e reservas ambientais, sem sofrerem qualquer punição por conta do afrouxamento nas políticas ambientais.

Diante disso, é imprescindível que projetos de leis que visem a regulamentação dessa atividade em terras indígenas ou áreas protegidas da Amazônia sejam desarticulados e não somente o garimpo, mas vários outros projetos que constituem “o pacote de destruição” que transitam pelo Congresso e representam verdadeiros retrocessos nas políticas ambientais do Brasil e sérias ameaças para a vida de milhares de pessoas.

Nesse sentido, destaca-se a fala de Paulo de Tarso, procurador da República, sobre as estruturas legislativas que visam a proteção ambiental:

“O licenciamento ambiental não pode ser uma estrutura vazia ou um mero instrumento de ação política e econômica dos municípios, precisa cumprir o objetivo de salvaguardar o meio ambiente. A burocracia vazia não vai melhor a qualidade das águas do rio Tapajós.” (MPF, 2022)

Diante da temática exposta, recomenda-se a palestra do cineasta Jorge Bodanzky, com o título “Amazônia, a nova Minamata?”, onde o mesmo discorre sobre o resgate da história do desastre de Minamata, no Japão, denominação dada ao envenenamento de centenas de pessoas por mercúrio ocorrido na cidade japonesa e que originou o nome da Doença de Minamata, uma síndrome neurológica causada por severos sintomas de envenenamento por mercúrio. Bodanzky resgata a história ocorrida em 1956 sob o viés da contaminação de minérios na Amazônia hoje, demonstrando o real tamanho dessa ameaça para a floresta e seus habitantes.

Disponível em: <  https://www.youtube.com/watch?v=C43jXqZQXvs&ab_channel=Territ%C3%B3riodasArtes-ITA >

Versão em Libras: < https://www.youtube.com/watch?v=Tj13zGl3v28&t=868s&ab_channel=Territ%C3%B3riodasArtes-ITA >

Por fim, destaca-se o trabalho feito pelo Grupo de Pesquisa e Estudos em Educação Ambiental, Diversidade e Sustentabilidade, um grupo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, formado por professores, alunos de graduação e pós-graduação e pesquisadores associados. Tem como objetivos, o envolvimento teórico-prático com a perspectiva crítica de Educação Ambiental, a valorização da diversidade e o compromisso com a construção da sustentabilidade socioambiental na realização de estudos, pesquisas e extensões. Para mais informações, acesse:

Site Oficial: < https://gepeadsim.wordpress.com/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/tessitura.rededesaberes/ >

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989. Brasília, DF: Presidente da República. 1989. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7805.htm > Acesso em: 15 de abril de 2022.

FEARNSIDE, Philip Martin. Exploração mineral na Amazônia Brasileira: o custo ambiental. Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA). Manaus: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, p. 36-43, 2010. Disponível em: < http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/Preprints/2010/GEEA%20recursos%20minerais-preprint.pdf > Acesso em: 14 de abril de 2022.

G1 Globo – Moradores de áreas ribeirinhas na bacia do Rio Tapajós estão contaminados por mercúrio, mostra pesquisa. Publicado em: 18 de março de 2022. Disponível em: < https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/03/18/moradores-de-areas-ribeirinhas-na-bacia-do-rio-tapajos-estao-contaminados-por-mercurio-mostra-pesquisa.ghtml > Acesso em: 15 de abril de 2022.

HANNA, Wellington; NETTO, Vladimir. G1 Globo – Garimpo e desmatamento causaram mudança de cor da água de rio em Alter do Chão, diz PF. Publicado em: 17 de fevereiro de 2022. Disponível em: < https://g1.globo.com/natureza/noticia/2022/02/17/garimpo-e-desmatamento-causaram-mudanca-de-cor-de-agua-de-rio-em-alter-do-chao-diz-pf.ghtml > Acesso em: 14 de abril de 2022.

Imazon – Impactos da Garimpagem de Ouro na Amazônia (nº 2). Publicado em: 02 de julho de 2013. Disponível em: < https://imazon.org.br/impactos-da-garimpagem-de-ouro-na-amazonia-n-2/ > Acesso em: 14 de abril de 2022.

MapBiomas – Área ocupada pela mineração no Brasil cresce mais de 6 vezes entre 1985 e 2020. Publicado em: Agosto, 2021. Disponível em: < https://mapbiomas.org/area-ocupada-pela-mineracao-no-brasil-cresce-mais-de-6-vezes-entre-1985-e-2020 > Acesso em: 14 de abril de 2022. Ministério Público Federal – MPF e MPPA debatem soluções para poluição do Rio Tapajós pelo garimpo. Publicado em: 23 de março de 2022. Disponível em: < http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-e-mppa-debatem-solucoes-para-poluicao-do-rio-tapajos-pelo-garimpo > Acesso em: 15 de abril de 2022.