Lara Victória Lima – Acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais

Para entender a situação peruana, é fundamental retroceder para 2019, quando a crise foi desencadeada, no dia 30 de setembro. O presidente Martín Vizcarra fez uso do artigo 134 da constituição peruana, para mudar o modelo de escolha dos membros do Tribunal Constitucional, resolvendo então dissolver o parlamento. O presidente queria evitar que a corte superior do país tivesse ligação ou fosse controlada pela oposição (fujimorista). 

O mês de março de 2022 marca a 5ª vez em um período de cinco anos que a população peruana luta para tirar um presidente do cargo, porém, o pedido de moção de destituição foi rejeitado pelo congresso do Peru na madrugada da terça-feira (29/04/22). O esquerdista Pedro Castillo é acusado de suposta corrupção e incapacidade moral para governar. 55 parlamentares foram a favor do pedido e 54 contra, sendo necessários exatamente 87 para que ocorresse o afastamento do presidente. Em dezembro do ano anterior, o congresso já havia rejeitado um pedido semelhante.

Em resposta ao aumento dos preços dos combustíveis— aumentos esses causados pelo impactos da guerra no Leste Europeu— no dia 28 de março, caminhoneiros se mobilizaram e bloquearam diversas ruas na capital Lima e em outras regiões. O movimento ganhou força com adesão dos agricultores e trabalhadores de outras áreas, insatisfeitos com os aumentos,que mais tarde impactaram nos preços dos alimentos. 

O presidente, na tentativa pacífica de acabar com o protesto, notificou a AFP(Agencia de Noticias Globales) e eliminou o imposto sobre o combustível. Porém, na segunda feira, (04) de abril, motoristas, caminhoneiros, agricultores entre outros setores de trabalhadores, voltaram às ruas. Ocorreu queima de pneus e de pedágios rodoviários, saques de lojas e atrito entre manifestantes e policiais, o que resultou em óbitos e feridos. 

Com a intensificação das manifestações, o presidente decretou estado de emergência em Lima e Callao, o que impossibilitou a liberdade de reuniões e movimentos. Ele tomou também medidas extremas como o “Toque de Recolher” para reprimir protestos, ais restrições começando às 2h de terça feira (05) e durariam até às 23h59 do mesmo dia, restrição essa que foi divulgada pouco antes da meia noite, ato que gerou grande rejeição dos civis e até mesmo da deputada Sigrid Bazán, que é aliada do governo e a coalizão “Juntos pelo Peru” que fez a seguinte declaração: “De nada adianta uma medida inaceitável, sem solução, que afetará todos os trabalhadores que levantam cedo para trabalhar”. Horas depois da reunião com o congresso dominado por opositores, o presidente anulou o toque de recolher, que não foi cumprido, já que milhares de pessoas foram às ruas. 

Na quinta-feira (06), o número de vítimas subiu para 5, segundo informações. As manifestações em Lima ainda não diminuíram, as aulas estão suspensas e a Polícia Nacional e o Ministério do Interior pediram para que os manifestantes não gerassem mais atos violentos que ameaçasse ou perturbasse os direitos à vida, trânsito, propriedade privada e pública. Aníbal Torres, chefe do gabinete ministerial do Peru, fez menção a Adolf Hitler e Mussolini nesta quinta-feira (07) como modelo de prosperidade a ser seguido, e tanto opositores como a embaixada da Alemanha em Lima repudiaram as falas do mesmo. 

O Perú é um país marcado pelo histórico de presidentes e vice-presidentes que não concluíram o mandato ou logo após conclusão do mandato foram presos por corrupção. Em 2000 o país já vinha passando por instabilidade política.

Analisando a situação do Peru sob à luz da Teoria Cosmopolita, que originou-se dos ideários de Immanuel Kant e Hugo Grotius, que proferem sobre o Direito Internacional, estado de guerra e paz, e a sociedade civil global dentro das doutrinas de Relações Internacionais. A perspectiva cosmopolita ressalta que as entidades são de fundamental importância para que os direitos da sociedade civil global sejam garantidos. 

Kant salienta sobre (ius gentium) os direitos das pessoas e das gentes: sobre a natureza da personalidade dos Estados, considerando a lei moral que os direitos relativos à guerra não são espécies de direito natural do estado, mas sim da dignidade dos cidadãos. Na sua obra “À Paz Perpétua”, no terceiro artigo, ele alude acerca do “Direito Cosmopolita deve ser limitado às condições da hospitalidade universal.” Kant( 1975) já abordava sobre “direito da posse comunitária da superfície da Terra” (1975,p. 43) em que todos seriam cidadãos do mundo, uma comunidade universal que possui o mesmo direito de estar na terra. Hugo Grotius também retrata o “Jus gentium” direito das gentes, justificado pelo direito natural que é fundado na razão. O pensador adverte a importância do direito internacional como forma de garantir o direito das pessoas seja na guerra, seja na paz. E o filósofo Kant alega que para o mundo alcançar a paz Perpétua é necessário, entre outras coisas, que o ser humano seja considerado cidadão do mundo, independente do seu estado, todos devem ser tratados com igualdade conforme um direito cosmopolita. Contudo, é válido ressaltar que segundo visão de Kant, aplicado a crise no Peru, os direitos humanos não estão sendo respeitados, sofrem violações e desigualdades sociais.

A situação no Peru se mostra repleta de desigualdades que ferem os direitos humanos, como violações ao direito à vida, fome, liberdade de expressão e opinião, à integridade, direito ao trabalho e à educação. A medida do toque de recolher, tomada pelo presidente quase de madrugada, para reprimir as manifestações, violou todos os direitos humanos citados acima e principalmente o direito à liberdade de expressão. A fala do chefe de gabinete  usando Hitler e Mussolini como exemplo afronta ao direito à vida, é válido relembrar o grande massacre que ocorreu contra os judeus na Alemanha nazista, e de forma alguma deve ser ressaltado como exemplo de prosperidade.

REFERÊNCIAS

LAUNIÓN, Crisis en Perú: Quiénes piden la renuncia de Pedro Castillo. Disponível em https://www.launion.digital/mundo/crisis-peru-quienes-piden-renuncia-pedro-castillo-n87515?utm_source=twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=YCON. Acessado em 06/04/2022

CNN BRASIL, Entenda a situação no Peru e os motivos que levaram à anulação do toque de recolher. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-a-situacao-no-peru-e-os-motivos-que-levaram-a-anulacao-do-toque-de-recolher/. Acessado em 06/04/2022

MUNDO, Inestabilidad Crisis política en Perú: el primer ministro no descartó la renuncia del presidente Pedro Castilla. Disponível em https://www.clarin.com/mundo/crisis-politica-peru-primer-ministro-descarto-renuncia-presidente-pedro-castillo_0_oAl5xQczfa.html?utm_term=Autofeed&utm_medium=Social&utm_source=Twitter#Echobox=1649290759. Acessado em 07/04/2022

BBC NEWS, Por que governo do Peru decretou estado de emergência e suspendeu direitos após protestos. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60999946. Acessado em 07/04/2022

LATINOAMÉRICA, PERU. Disponível em http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/p/peru. Acessado em 07/04/2022

KANT, Immanuel. À Paz Perpétua. Tradução Artur Morão. Universidade da Beira Interior Covilhã, 2008

GROTIUS, Hugo; MIORANZA, Ciro. “O direito da guerra e da paz”. Editora Unijuí, 2004.

G1.GLOBO, Chefe de gabinete do Peru cita hitler como modelo e políticos do governo e da posição o criticam. Disponível em https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/04/07/chefe-de-gabinete-do-peru-cita-hitler-como-modelo-e-politicos-do-governo-e-da-oposicao-o-criticam.ghtml. Acessado em 07/04/2022