
Olhando pelo lado das Relações Internacionais, o regime empresarial-militar foi um grande ponto de virada não somente para os rumos políticos nacionais, mas também para as discussões sobre segurança lá vigentes, como no contexto da Guerra Fria, por exemplo, período esse em que o Brasil se manteve alinhado aos interesses estadunidenses em uma postura subalterna tanto no âmbito de defesa, quanto política e economicamente. Retrato dos mesmos setores dependentes responsáveis pelo golpe de 1964 (MONDRAGON, 2019, p. 46-47).
Nesse sentido, este caráter dependente da economia brasileira é muito bem trabalhado pela Teoria Marxista da Dependência, uma vertente que possui raízes na Teoria do Imperialismo e que foi formulada por intelectuais como Marini, Theotônio e Vânia Bambirra para entender a realidade latino-americana a partir da América Latina (LUCE, 2018, p. 9).
Os intelectuais propunham um novo olhar sobre o subdesenvolvimento, ligando-o diretamente ao enriquecimento das economias desenvolvidas, revelando um vínculo de exploração. Esse laço é possibilitado pela relação de subserviência das burguesias de países subdesenvolvidos às burguesias dos países desenvolvidos, fazendo com que as elites subordinadas tenham tendência a buscar outros modos de adquirir lucro sem o embate competitivo (Ibid., p. 10-11).
Entretanto, essa tendência nem sempre é conclusiva, devido às próprias dinâmicas das correlações de força nacionais, isto é, nem sempre os rumos políticos são diretamente o resultado da ação das economias desenvolvidas, como diz Marini (2013, p. 105-107):
A análise dos fatos mostra claramente que aqueles que veem o atual regime militar do Brasil como o resultado de uma ação externa estão equivocados. […]
Ao considerar o modelo das crises políticas atravessadas pelo país, vê-se claramente que, desde 1961, as forças populares ganhavam autonomia de ação e tais crises se resolviam cada vez menos facilmente através de acordos palacianos. […]
[A] transformação ocorrida no interior da classe burguesa, desde 1955, com o aumento do setor vinculado ao capital estrangeiro, tornava cada vez mais possível este arranjo (intervenção militar) entre os grupos dominantes.
Sendo assim, fica evidente que a profusa atuação do capital internacional na política brasileira poderia ser encontrada ainda na década de 1950, porém somente com a efervescência das lutas de classe que foi possível a materialização do golpe e de “um novo estilo na política externa do Brasil, cujo principal objetivo parece ser obter uma perfeita adequação entre os interesses nacionais do país e a política de hegemonia mundial levada a cabo pelos Estados Unidos” (Ibid., p. 109).
Desse modo, Visentini (2020, p. 49-50) identifica nessa fase das relações exteriores brasileira uma ruptura ao processo que vinha se encaminhando. Segundo ele, desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Brasil seguiu uma “estratégia de barganha” com os EUA, em troca de auxílio ao desenvolvimento do seu parque industrial. E, na década de 1950, os parcos investimentos que o “Irmão do Norte” executava já eram insuficientes, o que obrigou o Brasil a atrair investimentos em um plano global. No imediato da instauração do regime empresarial-militar, houve um retrocesso que colocou a política externa brasileira novamente em alinhamento automático com os estadunidenses.
Tal processo não se perpetuou por uma questão pragmática. A ação dos sindicatos e dos movimentos sociais já estava arrefecida pelos atos de repressão do governo. A política exterior se voltava mais uma vez a um caráter multilateral. Todavia, a busca pela eliminação do inimigo interno representado no “perigo vermelho” socialista continuava na pauta de interesses das burguesias dependentes, brasileira e estadunidense, o que levou a vários acordos e parcerias que colocaram o aparato de defesa do Brasil em uma situação ainda mais vulnerável (cf. MARINI, 2013, p. 110-127; PADRÓS, 2007).
Nesse sentido, é fácil compreender que as relações internacionais do regime militar são o reflexo do avanço da burguesia dependente brasileira com o apoio do imperialismo estadunidense por meio da repressão e da perseguição sobre as movimentações, greves e manifestações que representavam a classe dos trabalhadores e reivindicavam seus direitos. Conhecer a atuação dos EUA é sine qua non (indispensável) para a compreensão dos eventos que culminaram no golpe de 1964 e, posteriormente, na abdução e na restrição dos interesses nacionais, mas não explica a totalidade do processo golpista dos militares e seus conchavos com a elite brasileira.
REFERÊNCIAS
LUCE, Mathias Seibel. Teoria Marxista da Dependência – problemas e categorias. Uma visão histórica. 1° ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento e revolução. 4. ed. Florianópolis: Insular, 2013.
PADRÓS, E. S. As Escolas Militares dos Estados Unidos e a Pentagonização das Forças Armadas da América Latina. Outros Tempos: Pesquisa em Foco – História, [S. l.], 2007. VISENTINI, P. F. História e Relações Internacionais: o caso do Brasil. Intelligere, [S. l.], n. 10, p. 46-69, 2020.