
Camila Neris – Acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais da Unama
A abolição da escravidão no Brasil ocorreu em 13 de maio de 1888, com o sancionamento da Lei Áurea. À época, quem governava o país era a princesa Isabel, que sofria pressões tanto internas quanto externas para findar com a prática escravista, muito embora este processo tenha iniciado décadas antes, a partir de leis como a Eusébio de Queirós, que foram sendo aplicadas gradualmente. Além disso, é sabido da influência britânica na decisão, motivada por interesses mercantilistas desta nação em ampliar seu mercado consumidor. No entanto, tal fator mostra-se insuficiente para explicar a influência da pressão externa no processo abolicionista do país.
Na historiografia brasileira, ocorre certa divergência a respeito das motivações que levaram à formulação da Lei Áurea. Parte dos historiadores atribuem o feito à resistência negra e ao movimento abolicionista brasileiro, trazendo como protagonistas Luís Gama e Joaquim Nabuco. Outros apontam a pressão exercida por grupos de britânicos, estadunidenses e franceses como causa primeira. Parron (2011), entretanto, considera a variedade de fatores: a decisão da princesa Isabel seria fruto da pressão britânica, do próprio posicionamento de caráter liberal da Coroa, das desavenças entre os “saquaremas” e “luzias” no parlamento e da resistência dos escravos.
Nesse sentido, visto que tal impasse exclui a “complexidade da sociedade brasileira e de suas interações com atores internacionais” (KALIL, 2012), analisar o processo histórico através da Escola Inglesa é de grande relevância, uma vez que a mesma considera a importância dos valores e interesses, bem como o desígnio da sociedade global dentro dos processos políticos, sem deixar de lado o poder. A Escola Inglesa tem como característica ser uma construção teórica, ora se valendo de pressupostos teóricos realistas, ora idealistas, e acredita, acima de tudo, na possibilidade de mudança da sociedade através das instituições, justiça e ordem (NASCIMENTO, 2013).
No século XIX, a Grã-bretanha despontava como potência industrial e naval e possuía forte elo com o Estado brasileiro, em uma relação a qual o Brasil era completamente dependente de seu comércio e empréstimos. Nesta nação a pauta da libertação dos escravos começou no início do século, de forma lenta e gradual, começando em 1807 quando houve a proibição do tráfico de escravos, até 1833 com a Lei de Emancipação, que assinalava a libertação dos escravos, e foi posta em vigor apenas cinco anos depois.
Apesar da motivação mercantilista presente na pressão inglesa em cima da Coroa, há de se considerar também os esforços de caráter humanitário. Existiam grupos de civis que chamavam atenção do parlamento inglês para a questão, servindo como uma espécie de “lobistas”, onde se destaca o British Foreign Anti-Slavery Society (BFASS), a qual mantinha intensa interação com o brasileiro Nabuco. O BFASS foi importante ator para que a abolição da escravidão se tornasse pauta da política externa da Grã-bretanha (KALIL, 2012).
Após a inclusão na política externa inglesa, é possível observar sua importância na formulação da interação diplomática entre estes dois Estados, à exemplo do Tratado de Amizade, Navegação e Comércio (1826), que logo se escalonou para o uso de ameaças ao governo brasileiro, com a adoção de medidas como a Lei Bill Aberdeen (1846), que autorizava o confisco de navios negreiros pela sua marinha. Deve-se apontar também que tal escalonamento também foi imposto para demonstrar a força e capacidade britânica diante dos demais Estados.
Além destes, grupos de estadunidenses e franceses também reprovavam a continuidade da prática pelo Brasil. Em 1866, Napoleão III expressa, em carta direcionada a D. Pedro II seu descontentamento e a contradição que era posicionar-se como liberal ao mesmo tempo que mantinha o regime escravista.
No quesito mercadológico, é sabido que a historiografia aponta a necessidade britânica de expandir seu mercado consumidor. Para além, a partir do ponto de vista da Economia Política Internacional, onde preza-se a relação entre poder e riqueza, é possível observar o interesse em diminuir as vantagens da agroexportação brasileira, uma vez que oferecia produtos a preços menores pois não havia a lógica da compra e venda da força de trabalho, isto é, não havia o custo dos salários. Costa (2010) infere que a libertação dos escravos fica submetida ao ritmo de mudança do sistema de produção que aos poucos deixa de ser colonial.
Portanto, é válido analisar sob as lentes da Escola Inglesa o processo abolicionista brasileiro, uma vez que seu caráter plural não descarta a influência dos valores da sociedade dentro das mudanças políticas. Diversos são os fatores que levaram à formulação da Lei Áurea, tanto internos quanto externos, não devendo descartar a resistência negra nem as motivações internacionais, que, como exposto, perpassam a motivação mercantilista.
REFERÊNCIAS
COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 9ª edição.São Paulo: Editora UNESP, 524pp, 2010.
DO NASCIMENTO, Thiago Cavalcanti. Um Ensaio sobre a Escola Inglesa das Relações Internacionais. Revista de Estudos Internacionais, v. 2, n. 1, p. 158-169, 2013.
KALIL, Mariana Alves da Cunha. O fim da escravidão africana na historiografia brasileira: pressão externa, valores e poder brasileiros no Segundo Reinado. 2012
PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 373pp, 2011.