Maria Eduarda Diniz – Graduada em Relações Internacionais pela Universidade da Amazônia.

Já há algumas semanas o mundo vem acompanhando de perto os desdobramentos na Ucrânia, desde as primeiras invasões, até o grande fluxo atual de refugiados de guerra. Para tentar elucidar as raízes de todo esse conflito, holofotes sobre os acontecimentos na Crimeia, em 2014, e a OTAN tem sido comuns, mas um outro aspecto importante desse conflito envolve o reconhecimento de duas regiões separatistas na Ucrânia.

O presidente russo, Vladimir Putin, assinou decretos que reconheceram a independência de regiões controladas por separatistas na Ucrânia, a República Popular de Donetsk e a República Popular de Luhansk, em uma cerimônia que foi transmitida pela televisão estatal, em 21 de fevereiro deste ano. Vários países apontaram para a ilegalidade desse reconhecimento, o que gerou um grande debate no direito internacional sobre se isso é verdade ou não. Vários debates e perguntas podem ser retirados do reconhecimento dessas regiões, mas, por enquanto, duas parecem ser as mais essenciais visto que podem impactar o reconhecimento de outras regiões em conflito, no mundo: Seriam essas duas regiões, agora, capazes de serem reconhecidas como Estados? Ou seu reconhecimento é, de fato, algo ilegal?

O conflito entre as forças ucranianas e as forças separatistas de Donetsk e Luhansk começou há oito anos, depois da anexação da península da Crimeia pela Rússia. A sua independência, proclamada em referendo, não foi reconhecida pela comunidade internacional. Embora estejam fora do controle efetivo de Kiev desde 2014, sua existência se deve inteiramente ao apoio bem documentado da Federação Russa, inclusive na esfera econômica, financeira, política e militar.

Para entender a primeira questão levantada, é interessante entender que a maioria dos juristas geralmente definem o estado como uma pessoa no direito internacional que possui quatro critérios: (a) uma população permanente; (b) um território definido; (c) um governo; e (d) a capacidade de estabelecer relações com outros Estados. Depreende-se, pois, que o Estado, sujeito originário de direito internacional público, ostenta três elementos conjugados: uma base territorial, uma comunidade humana estabelecida sobre essa área, e uma forma de governo não-subordinado a qualquer autoridade exterior (REZEK, 2010, p.163).

Segundo Rezek (2010), esses critérios foram codificados na “Convenção sobre os Direitos e Deveres dos Estados” de Montevidéu, e o mesmo reafirma que “a existência política do Estado independe do reconhecimento pelos demais Estados”. A existência de um Estado, portanto, é uma questão de fato. Porém, existem autores, como Lassa Oppenheim, que apontam que é necessário haver o reconhecimento dos Estados e que estes só se tornam “uma Pessoa Internacional por meio do reconhecimento única e exclusivamente”.

O DPR e o LPR, que são as siglas para as duas regiões separatistas, atendem aos critérios (a), (b) e (c). No entanto, não é óbvio que qualquer uma das repúblicas seja politicamente independente da Rússia, e uma entidade não tem a capacidade genuína de entrar em relações com os Estados se não tiver independência política. De modo geral, não existe nada que impeça um Estado de reconhecer o outro, desde que esse cumpra os deveres que o Direito Internacional impõe a um estado soberano.

A Rússia trouxe a questão do da autodeterminação dos povos, um princípio do direito internacional, para também apoiar o reconhecimento das regiões. O princípio da autodeterminação dos povos confere aos povos o direito de autogoverno e de decidirem livremente a sua situação política, porém, o caso discutido envolve o questionamento se as repúblicas separatistas tem o controle estatal russo, em que ambas as regiões já declararam o desejo de se unir a Rússia, pois, nesse caso elas não são estados de fato e a Rússia estaria abusando do direito internacional consuetudinário.

O Direito Internacional, aparte do que se discute sobre a autodeterminação e seu reconhecimento como estados, também possui em suas fontes a inviolabilidade dos tratados internacionais, e que suas condições devem ser seguidas a risca. Os acordos de Minsk são necessários de serem trazidos para a discussão.

Os dois tratados internacionais foram assinados pela Ucrânia, Rússia, DPR e LPR, França e Alemanha, e esperava-se que encerrassem os combates em Donetsk e Luhansk e impedissem sua secessão. Os acordos não reconheceram a independência das regiões, e Minsk II exigia que o controle da fronteira do estado fosse restaurado para a Ucrânia, reconhecendo a soberania ucraniana sobre Donetsk e Luhansk. O reconhecimento russo atual do DPR e LPR vai de encontro ao reconhecimento anterior da soberania ucraniana em Minsk II.

Assim, teoricamente, Donetsk e Luhansk continuam a fazer parte do território ucraniano no direito internacional, tornando o reconhecimento russo um ato extremamente vicioso de erros.

Portanto, de que forma o Direito Internacional pode analisar o caso dessas regiões? Primeiramente, é imperativo perceber que, enquanto houver essa dúvida sobre a verdadeira influência política russa sobre essas regiões, não é possível observar o verdadeiro reconhecimento dessas regiões como Estados. Em segundo, o reconhecimento feito pela Rússia foi contra a soberania territorial reconhecida em acordo, assinada por ela, da Ucrânia, gerando, assim, uma atividade ilegal do ponto de vista internacional, e um processo extremamente vicioso de erros. A discussão envolvendo essas regiões vem de um longo processo que busca analisar outras reivindicações de territórios ao redor do mundo que buscam reconhecimento como Estados, mas esse é um debate que está longe de chegar ao fim e de uma solução harmoniosa.

REFERÊNCIAS

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 12.ed. Saraiva: São Paulo, 2010.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Nova Dimensão do Direito Internacional Público. Instituto Rio Branco: Brasília, 2003.

MENEZES, Wagner. O Direito Internacional contemporâneo e a teoria da transnormatividade. Pensar, Fortaleza, 2007.

Russian Recognition of Donetsk and Luhask: a legal analysis. Disponível em: https://www.humanrightspulse.com/mastercontentblog/russian-recognition-of-donetsk-and-luhansk-legal-analysis.

Entenda o que levou a crise em Donetsk e Luhansk. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2022/02/entenda-o-que-levou-a-crise-em-donetsk-e-luhansk-as-republicas-pro-russas-da-ucrania-ckzx8npsu001x01iwmlsr3qij.html