Eduardo Oliveira – Internacionalista

As Relações Internacionais contemporâneas, apesar de terem atingido caráter de campo de estudo consolidado, ainda são influenciadas por saberes que, outrora, lhes foram úteis no processo de constituição epistemológica. Nesse sentido, é patente a importância dos estudos Geopolíticos no entendimento das movimentações estratégicas dos atores globais, os quais, competem, inexoravelmente, pela garantia e manutenção do poder do sistema internacional. 

Ademais, algumas variáveis são consideradas indispensáveis para que os estados garantam o exercimento do poder, dentre as quais o acesso ao território, evidenciado em Mearsheimer (2001), e a importância do acesso ao mar, trazida pelo Almirante e autor geopolítico Alfred Thayer Mahan em sua obra The Influence of Sea Power Upon History (1890). 

Mahan é considerado o primeiro geopolítico a enfatizar a importância dos mares na “vida” dos Estados, fato este que influenciou, fortemente, a política externa estadunidense no final do século XIX. Complementando, o autor elucida a ideia de que o possuidor de alto potencial militar só alcançará êxito na busca pela hegemonia se este for capaz de dominar os mares, dando como exemplo a pujança da marinha britânica. 

Ele adiciona a tese de que o poder marítimo não se resume às poderosas bases navais ao redor do mundo, ou seja, que a importância dos mares não fica restrita ao campo bélico. Evidencia, portanto, o caráter econômico sobre ativos estaleiros e eficientes portos mercantis, além de altiva e ativa Marinha mercantes – aos ganhos comerciais para os estados nacionais. 

Trazendo para um contexto temporal mais próximo, o leste europeu, desde 2014, é palco de disputas estratégicas, a exemplo da península da Crimeia, ao sul de Kiev – capital da Ucrânia; seja pelo acesso ao território, seja pelo que este pode fornecer aos interesses dos atores globais. Ademais, não é útil para esta análise demonstrar as nuances da relação histórica entre Ucrânia e Federação Russa, mas sim deixar clara a forte interconexão cultural entre os dois países, evidenciando a cobiça russa no acesso ao território ucraniano, em específico à posição estratégica que goza o território da Crimeia. 

O território geográfico-estratégico da região se deve, principalmente, a uma via de acesso ao Mar Negro, a partir do Mar de Azov, que banha o sudoeste do território russo. Além disso, trata-se de um dos principais portos de águas quentes, fato este que favorece o transporte marítimo à fins comerciais e militares. 

A região representa, em grande medida, uma fonte de ganhos econômicos para ambos os países, sendo ela grande produtora de grãos, alimentos e vinho, além de participar de grande parte do escoamento de produção agropecuária dos países vizinhos às nações europeias. 

Analisando através das postulações de Mahan, aliado ao fato de que a Federação Russa é um país com dimensões continentais, é falsa a ideia de que o objetivo final Russo é a anexação do território per se; na verdade, o acesso e o controle da península da Crimeia são estratégicos na medida em que fortaleceria o escoamento da produção nacional russa, sem contar com a expansão das áreas de influência militar defensivo e ofensivo. 

O acesso direto ao Mar Negro, deste modo, é a chance do fortalecimento da Marinha Mercante e de guerra da Federação Russa, o que segundo Mahan, aumentaria as chances na busca pela hegemonia. 

Em suma, é valido ressaltar que os conflitos na região não nascem de maneira uni causal, assim, verifica-se a atemporalidade dos postulados de um dos principais nomes da Geopolítica, os quais conseguem analisar fenômenos séculos após sua produção. 

REFERÊNCIAS:

MAFRA, Roberto M. de Oliveira. Geopolítica: Introdução ao estudo. Rio de Janeiro: Sicurezza Editora, 2006. 

Mar Negro, onde a Rússia teste o ocidente. DW, 2018. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/mar-negro-onde-a-r%C3%BAssia-testa-o-ocidente/a-46514372 Acesso em: 07. Mar, 2022. 

Por que a invasão da Crimeia em 2014 é relevante agora. BBC News Brasil, 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60570951 Acesso em: 22. Mar, 2022.